Coluna Econômica: as discussões bizantinas em torno da reforma fiscal

Em cada rodada de discussão de aumento de tributos, levantam-se os diversos argumentos, que compõem um verdadeiro compêndio de autodefesa fiscal do setor financeiro.

Superintendência da Receita Federal, em Brasília.

Há uma discussão bizantina sobre a tributação brasileira e sobre os propósitos da proposta Paulo Guedes de reforma fiscal.

Os princípios nos quais se monta um sistema tributário são conhecidos:

  1. No caso de pessoas físicas, quem ganha mais, deve pagar proporcionalmente mais.
  2. Entre os setores da economia, a tributação deve incidir sobre os setores com mais capacidade tributiva.

Em torno desses princípios, há algumas tecnicalidades, como o impacto dos custos fiscais sobre a cadeia produtiva, sobre os preços, sobre a geração de empregos etc.

Sob qualquer parâmetro que se analise, o setor financeiro é o mais rentável, o mais sólido e o de menor impacto da tributação sobre o custo final do produto – o crédito – tal a dimensão do spread (a diferença entre custo de captação e de empréstimo). Além disso, com a ampliação das operações online, cada vez menos será um gerador de empregos.

No entanto, quem se atrevesse a assistir às discussões sobre o tema na mídia, ficaria com a impressão de que os maiores responsáveis pelo déficit público são as pequenas e micro empresas optantes do Simples.

Paulo Guedes está apresentando um projeto de reforma fatiado. Juntando as duas pontas, no entanto, vai haver um aumento da carga tributária e a tentativa de jogar a conta acabando com a maioria dos fundos constitucionais.

Na primeira parte, a proposta é substituir o PIS e o Cofins por um Imposto Sobre Valor Agregado de 12,5%, de forma não cumulativa. Isto é, em cada fase da cadeia, a empresa paga seu IVA mas desconta o IVA que foi pago por seus fornecedores. Essa alíquota impacta setores em que não existe essa cadeia de fornecedores, como o de serviços e comércio, e, portanto, não há impostos a serem compensados. 

Hoje em dia as empresas pagam 1,65% de PIS, mais 7,6% de Cofins, 9,25% no total. Pulam para 12%, um aumento de 30%.

No caso dos bancos, propõe-se a substituição da tributação atual – 0,65% de PIS e 4% de Cofins – por uma alíquota de 5,8%. Em princípio, uma tributação maior, mas bastante inferior a empresas de outros setores sem imposto a compensar.

Em cada rodada de discussão de aumento de tributos, levantam-se os diversos argumentos, que compõem um verdadeiro compêndio de autodefesa fiscal do setor financeiro.

  1. Departamentos econômicos de bancos levantam o mapa das isenções fiscais para outros setores. A discussão fica focada nesses setores “privilegiados”, pequenas e micro empresas optantes do Simples e não mais entre maior ou menor capacidade contributiva.
  2. Deblatera-se contra o excesso de despesas, atribuindo todas as mazelas do país ao tamanho do Estado. Como se a ausência de Estado fosse a alternativa para a ineficiência do Estado. Redução de estado significa menos atendimento à saúde, à educação pública, à segurança, aos programas sociais. Mas aceita-se a fórmula mágica sem nenhum questionamento. Basta acabar com todos os fundos constitucionais que revertem para a população, para a população ser melhor atendida.
  3. Sustenta-se que ninguém suporta mais aumento de impostos, uma forma prática de tratar aumentos de impostos de forma genérica, na qual o mercado coloca-se na mesma condição de comerciantes, industriais, consumidores e grandes bancos.
  4. Afirma-se que aumento de impostos encarece o crédito, como se houvesse qualquer correlação entre custos de captação e de empréstimo, para o país com as mais altas taxas de juros do planeta.

Aí se entra uma segunda parte do projeto, não explicitado ainda por Guedes: o Imposto de Renda. Segundo andou divulgando, a ideia seria reduzir as alíquotas de IR sobre as empresas para 15%.

Estudos feitos por auditores fiscais mostram o seguinte:

  1. Conforme o Relatório anual da  Febraban, o lucro líquido do setor bancário em 2018 foi de R$ 93,3 bilhões. Com a tributação atual, os bancos  pagaram 34% de imposto de renda e contribuição social sobre o lucro, num total de R$ 31,72 bilhões.
  2. Pela proposta do ministro Guedes, os bancos pagariam somente 15%, o que daria R$ 13,99 bilhões. A diferença de R$ 17,72 bilhões, por ano, seria apropriada pelos donos dos bancos. A parte que os bancos distribuírem como dividendos aos sócios seria tributada na ordem de 20%. Mesmo assim, a tributação do setor seria R$ 14,176 bilhões a menos.

O país padece, mas não apenas de insuficiência de receita fiscal, mas de jornalismo aprofundado.

 

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. A discussão essencial que o mundo faz é achar meios dos mais ricos pagarem mais impostos pra dar conta do caos econômico da pandemia. E na europa e américa quem propõe isso são os próprios ricos. Como a maioria deles teve um avô ou bisavô que testemunharam o que acontece quando a elite de um país deixa o povo ao deus dará: ele acaba abraçando o diabo. No caso a Europa, eles não tiveram a sorte de vir um Roosevelt, como nos EUA, mas Hitler. Os ricos brasileiros, como em nenhum momento tiveram no passado membros da sua familia que perderam tudo e se mataram ( como na depressão americana) ou foram mortos ( como no nazismo) ou sentiram que poderiam perder seu poder e dinheiro ( como a monarquia russa após 17 ) , pra eles tanto faz que o povo se foda. Ainda mais que o diabo que abraçaram é um que está ao lado dos ricos. Como sempre digo: Bolsonaro é uma desgraça, mas o pior são as pessoas de sobrenome Salles, Setubal, Aguiar, Frias, MArinho, Mesquita, Lehmann, etc, porque Bolsonaro um dia, e que seja logo, ele sai de cena – já esses últimas mandaram sempre na peça em cartaz há quase 200 anos.

  2. Nunca vai estar bom.. em casa que falta pão todo mundo discute e ninguém tem razão.
    Em verdade uma coisa é certa, nem se tributarem BANCOS ou GRANDES FORTUNAS o país sai do atoleiro fiscal em que se encontra..
    ..PORÉM, porém, porém, isso não quer dizer que estes setores não devam ser melhor tributados, NO MÍNIMO, pra se atender a um critério da justiça tributária.
    Penso que as heranças e dividendos deveriam ser tributados PROGRESSIVAMENTE (ITBI, ITCMD e IR sobre JSCP e dividendos), e não com alíquotas fixas, por exemplo..
    ..já sobre se tributar “grandes fortunas”, se não for no momento do LUCRO (dividendos e JSCP) ou da herança (ITBI e ITCMD), penso que é confisco mesmo, e algo difícil de ser viabilizado na pratica, inclusive se envolver patrimônio de baixa ou QUASE NENHUMA liquidez, ou de bens e direitos no exterior, quase “anônimos” ou protegidos por legislação internacional.
    De qq forma, continuo na CERTEZA de que entre prós e contras nosso melhor tributo pro momento – pra por as contas em dia e vir a MANTER um programa de renda mínima – seria a CPMF que sozinha tem capacidade de arrecadar R$ 125 bi/ano, todo ano ..pegando de barão a ladrão, de pastor a pecador, de traficante a sonegador, de igrejas a prostíbulos ..SEM FISCAL cobrando propina, nem tributarista, advogado, contador ou economistas vendendo assessoria, e sem LIVROS nem registros, sem burocracia.
    Agora, que fique bem claro, esta CPMF seria prum país democrata, transparente, e não esse comandado por um OGRO fascistas e genocida, ou por ordinários que em passado recente, pra dificultarem a vida dum líder (LULA), não hesitaram em terminar com este tributo eficiente e que se encontra entre os MENOS REGRESSIVOS inventados recentemente. (compare: 30% de ICMS sobre energia, teles e combustível com 0,3% de cpmf, e reflita vc mesmo)

    1. sobre as grandes fortunas poderia ser uma exação igual a que ocorre a do trabalhador, alíquotas ao INSS e ao IR: 70% na fonte declarada de ata do lucro dos banqueiros, noves fora o declarado na “forbes”. cade o copom?. à jangada, os barqueiros na navegação sofrem com a propaganda massiça e teria de se cobrar uma taxa por proganda veiculada, nas plataformas de silício, sem contar a fiscalização da presdigitação disfarçada de “marketing” de sucessos imediatos, caso de polícia. mas essa ideia de democratização do sinal eletromagnético com certeza seria revertida para uma alíquota maior ao consumidor ao final. isso que nem chegamos ao caos de fato, por que sem direitos, já estamos há muito tempo. estamos no país em que a “imprensa” conclama o “estado de direito” ou, como é latifundiária, “estado de sítio”, e censura o democrático.

      IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

      e esse semântica à risca

      XII – salário-família para os seus dependentes;

      XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

      http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

  3. A política de terra arrasada financiada pelo mercado vai chegar ao limite quando o banho de sangue transbordar das periferias para os covis exclusivos dessa elite rastaquera e chinfrim que se acredita intocável. E nem a PM assassina, muito menos os milicos idiotas serão capazes de impedir que os filhos dessa escória também sejam atingidos pelo apocalipse social que se avizinha.

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