Como a Fazenda promoveu a Standard & Poor’s

No último processo de globalização financeira, que tem início dos anos 70 e perdura até 2008, as agências de risco foram os grandes batedores iniciais do capital especulativo.

Havia muito desconhecimento sobre o novo mundo a ser desbravado e elas eram os batedores, que informavam onde havia terreno firme, onde havia o pântano.

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Com o tempo, criou-se uma promiscuidade ampla entre agências e clientes.

A experiência das agências é no ramo da contabilidade. Analisam o histórico de uma empresa – através dos balanços -, estimam o comportamento futuro de receita, despesa, geração de caixa, nível de endividamento, comportamento do mercado específico e, a partir daí, definem notas de fácil aplicação.

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Quando passaram a analisar risco soberano de país, o quadro complicou.

Um país não é uma empresa. E faltava à maioria das agências conhecimento de macroeconomia, dos movimentos dos grandes fluxos globais, das correlações entre câmbio e superávit, câmbio e demanda, políticas fiscais e consumo.

Com isso, acabaram a reboque dos departamentos econômicos dos grandes bancos internacionais, movendo-se por slogans e errando rotundamente em vários momentos cruciais da economia global recente.

E, dentre todas, nenhuma foi tão desastrosa quanto a Standard & Poor’s.

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Um dos casos clássicos foi na crise da Argentina, valendo-se da teoria dos déficits gêmeos.

Essa teoria partia do pressuposto que um déficit fiscal provoca, simultaneamente um déficit externo. Assim, bastaria resolver o déficit fiscal para o déficit externo ser equacionado. Ignoravam completamente os efeitos do câmbio, nível de atividade, movimentos do mercado de commodities.

Depois dos experimentos de Domingo Cavallo, a Argentina estava exangue. A S&P ameaçava rebaixar sua nota caso não promovesse um ajuste fiscal e, por consequência, o ajuste externo.

Uma semana antes da quebra da Argentina, Cavallo promoveu mais um ajuste fiscal e ganhou mais um elogio da S&P. Uma semana!

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Em 2008, a reputação das agências foi por água abaixo, especialmente da S&P. Houve quebras rumorosas de instituições contempladas, pouco antes, com sua nota máxima.

Por isso mesmo, só bagrinhos continuaram a tê-la como parâmetro. Com o mercado internacional suficientemente homogeneizado e com o conhecimento acumulado, cada grande instituição passou a recorrer exclusivamente a seus departamentos econômicos – ganhando um grau de influência maior do que o das agências de rating.

***

O único governo a dar importância à S&P foi o brasileiro.

A S&P ameaçou rebaixar o Brasil e instaurou-se uma operação de guerra na República da Borundia. O Ministro da Fazenda faz um apelo, o Secretário do Tesouro promete nunca mais sair da linha, uma comitiva da agência é recebida com pompas e rapapés em Brasília. E fica o país inteiro na torcida, rebaixa ou não rebaixa.

E ela rebaixa. O Ministro da Fazenda esbraveja, a presidente reclama, o Secretário do Tesouro resmunga, a oposição comemora.

Nos dias seguintes, as Bolsas subiram como nunca tinham subido nos meses anteriores e o dólar caiu, aquela queda mansa de economias tranquilas.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • não tem credibilidade a

    não tem credibilidade a ag~encia e menos ainda os apoiadores da pesquisa 

  • Salve, salve, Borundia!

    Salve, salve, Borundia!

    Com efeito, tenho de recorrer ao Mr Nunca Dantes, quando expressou seu sentimento de ufania pátria desfraldando a célebre e retumbante frase 'nunca antes na história deste país'  para dizer: sim, nunca antes na história deste país a gente ficou sabendo como somos mesmos tão capiaus.

  • Cachorro Urubu

    Baby a "estória" é a mesma, aprendi na quaresma...

    ( Cachorro Urubu- Raul Seixas)

  • Patacoada.

    Esse episódio me fez lembrar do FHC e aquela subserviência com o FMI. E olha que o FH não tinha saída, o que não se constata agora.

  • Quando o medo abala a esperança.....

    Quando deixar-mos de dar ouvudos aos pessimistas e começar a fazer as ações que são necessárias, independente dos preconceitos economicos que nos são impostos bem como o marasmo dos políticos,  a esperança derrotará o medo.

    Nenhum empresário vai investir enquanto o Bafo do Dragão (alarde de descontrole inflacionario) for motivo para fazer com que nossos governandes tomem atitudes para restringir a demanda. O acrescimo da demanda é o sinal verde para aumentar investimentos. Uma das caracteristica do aumento da demanda é justamente uma pequena inflação que só sera debelada de forma consistente pelo aumento da oferta. Acabar com a demanda é empobrecer a população.É dar oportunidade para uma estagnção da economia. 

  • Vai ver que a Agencia Chinesa

    Vai ver que a Agencia Chinesa possui mais credibilidade que esta, já que China elevou a nota brasileira em vez de rebaixa-la. Por isso o dólar cai e a bolsa sobe!

  • Há 12 anos

    Há 12 anos .............

     

    São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002 

    LUÍS NASSIF

    O risco-Brasil e a SEC

    O governo brasileiro deveria jogar mais pesado contra os analistas e os bancos que produziram análises negativas sobre o país. E a reação tem de utilizar os instrumentos de regulação do mercado norte-americano. Para a SEC norte-americana, pouco faz o impacto dessas avaliações sobre países emergentes. Mas, por trás de cada operação dessas, há oscilação no mercado de títulos, beneficiando e prejudicando investidores locais.
    Foi o que ocorreu com as avaliações sobre o suposto "risco Lula". Uma denúncia à SEC certamente levaria o órgão a investigar se os bancos que produziram as análises pessimistas se beneficiaram desses movimentos de mercado.
    O momento é oportuno para isso e para prevenir futuras tentativas de repetir a manipulação. Ontem mesmo, o "Wall Street Journal" divulgou contratos pelos quais analistas eram remunerados pelos resultados que traziam para esses bancos de investimento.
    Em 1995, logo após a crise do México, essa cumplicidade entre analistas e bancos foi denunciada aqui, a partir das avaliações da Merrill Lynch sobre a vulnerabilidade dos países latino-americanos. Um mês antes da quebra do México, este era visto como o país de menor risco na região -o Brasil estava em décimo lugar. Um mês depois, o México era visto como o país de maior risco, e o Brasil, como o de menor.
    Ficava claro que as avaliações dos analistas estavam subordinadas a estratégias de marketing ou de investimento desses bancos.
    Em 10 de março de 2000, por exemplo, com a Microsoft valendo US$ 500 bilhões em Bolsa, a Goldman Sachs aconselhava a sua compra, um mês antes do resultado da ação dos Estados norte-americanos contra a companhia. Na ocasião, alertei aqui: "A análise funciona como instrumento de marketing para as estratégias financeiras do próprio banco. Porque os processos de "valoração" dessas empresas de tecnologia são controlados pelos próprios bancos que investem no produto -comprando ações não pelo que valem, mas pelo que os investidores (influenciados por suas análises) vão achar que valem".
    Provavelmente nos dias seguintes, sustentada pelas avaliações "isentas" de seu departamento técnico, a instituição conseguiu se desfazer de sua carteira de Microsoft, passando o mico para a frente.

    Expectativas racionais
    Em 19 de abril do ano passado, procurei detalhar mais os mecanismos desse processo de manipulação. Por conta da chamada "teoria das expectativas racionais", as instituições passam a montar departamentos econômicos incumbidos de prospectar o cenário futuro da economia. Se um país caminha na "direção certa", seus ativos tendem a se valorizar, e vice-versa. Os departamentos econômicos passaram a servir de radar para a ação dos "traders".
    "A extrema volatilidade dos mercados, no entanto, acabou desenhando novas funções para esses economistas. Qualquer dúvida sobre um ponto qualquer do futuro passou a resultar em oscilações imediatas nas cotações. Nesse quadro, os departamentos econômicos passaram a ter grande poder sobre as expectativas do próprio mercado, em um mundo com novos paradigmas, no qual a análise econômica convencional se tornou insuficiente para explicar a realidade (...). Farejadores de oportunidade, especialmente nos EUA, os bancos passaram a investir na imagem de seus economistas, tratando-os como "gurus". A ciência foi substituída pelo marketing; a análise prospectiva, pela avaliação de curtíssimo prazo; o conceito, pelo slogan. O medo do risco (paradoxal em um mercado que vive do risco) faz com que os "traders" e os próprios analistas tendam a buscar o consenso, a unanimidade (...). Assim, tornou-se relativamente fácil para um grupo de grandes instituições, a partir dos departamentos econômicos da matriz, "criar" consensos no mercado e ver sua opinião disseminada mundialmente, através de duas estruturas: as instituições que operam em cada país, e a imprensa especializada, que em geral reproduz acriticamente essas análises".
    Chegou a hora do troco.

  • Nasssif
    É a mesma coisa com a

    Nasssif

    É a mesma coisa com a depreciação da "Petrobrax" em horário nobre com a propaganda da mesma no interva-lo...que ironia...

    Esse governo merece apanhar né....!!!....???....

     

  • Dilma X diretores da Petrobras

      A S&P serviu de biombo. Têm muita água para passar debaixo da ponte ainda, na minha opinião.

  • futebol

    “O único governo a dar importância à S&P foi o brasileiro.”

    Suponho que tal comportamento fosse bastante coerente com o espírito da CARTA AOS BRASILEIROS.

    ...

    Este é país do futebol.

    Aqui, quando o árbitro nos favorece , tá tudo bem.

    Quando “erra”, pau na mãe.

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