Lula e a transição democrática

Coluna Econômica – 03/02/2009

A democracia ocidental foi se formando através da incorporação gradativa – e com muita luta – dos vários segmentos sociais. Desde a Revolução Industrial, houve a luta dos sindicatos, a campanhas contra a exploração de crianças, das mulheres pelo direito ao voto, dos negros, a partir de um certo nível social e de organização política.

Um dos fenômenos mais ricos do atual momento é a incorporação ao jogo político das grandes massas desorganizadas, especialmente dos pobres e miseráveis dos países emergentes ou francamente atrasados.

É o caso dos movimentos sociais no Brasil, que passaram a crescer nos anos 90 até adquirir expressão política. É também o caso dos governos de esquerda do continente. Mesmo com suas cabeçadas (que são muitas) comprovam a incapacidade da política tradicional do continente de resolver a questão da pobreza e da inclusão social.
***

Há uma grande oportunidade e um grande risco nesse movimento.

A oportunidade é o fato de ser a última e decisiva rodada de uma inclusão social e política civilizatória. É a rodada final de uma luta de século pelos direitos sociais, permitindo à economia mundial o grande salto, com a incorporação de bilhões de pessoas ao mercado de consumo e de trabalho.

O risco é a transição, a fase inevitável de conflitos em que os de cima impõem resistências, para não abrir mão de fatias de poder; e os de baixo saem abrindo caminho a tapa.

É aí que entra o Estadista, o governante com visão e habilidade para entender as pressões e incorporar esse movimento ao jogo democrático, impedindo a desagregação do país.

***

A grande frente contra a ditadura ocultou a enorme dose de preconceito e de miopia existente em parte influente dessa elite – a que tem na grande mídia seu porta-voz por excelência.

As invectivas contra a Bolsa Família, contra os gastos sociais, a tentativa permanente de criminalização de todo movimento social, o preconceito contra toda forma de conhecimento não formal, a ascensão dessa direita inculta, truculenta e preconceituosa – reforçando os preconceitos da parte inculta e truculenta da esquerda – torna esse caminho difícil.

***

Lula tem desempenhado papel relevante, de ser o guardião da normalidade política do continente em uma transição especialmente delicada – tanto nos movimentos sociais brasileiros, como para tourear e ensinar os vizinhos aguerridos. Esse trabalho foi reconhecido, recentemente, pelo presidente francês Nicola Sarkozis. E tem tido reconhecimento internacional.

Dia desses, a colunista Eliana Cantanhede escreveu que, numa roda, jornalistas brasileiros falavam mal e estrangeiros se maravilhavam com Lula. Concluía que era a prova de que, apesar dos analistas brasileiros na mídia criticarem Lula, o noticiário era isento e permitia aos estrangeiros ter outra idéia.

Até parece. O que explica melhor as diferenças talvez seja a maior cultura política dos jornalistas estrangeiros, sua não contaminação ideológica e seu discernimento para separar o irrelevante do essencial.

A questão básica é entender o que será Brasil e América Latina no pós-Lula.

Este será o tema da coluna de amanhã.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Britto: OAB não admite que
    Britto: OAB não admite que país democrático tenha investigações S E C R E T A S.

    E votação SECRETA na Câmara e no Senado?
    Aí é permitido!
    Sendo para enganar você,
    contem com a omissão da OAB.
    "A decisão tomada hoje pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao editar a Súmula 14, é uma vitória da cidadania, pois não se pode admitir, em um país democrático, investigações SECRETAS para o próprio investigado". A afirmação é do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, ao comentar há pouco o resultado do julgamento do STF, acolhendo proposta de súmula vinculante apresentada pelo Conselho Federal da OAB, que garante acesso pelo advogado aos autos de inquérito sob sigilo. Por nove votos a 2, o STF decidiu editar a súmula garantindo o acesso aos autos de inquérito. Britto acrescentou que a decisão significa o respeito aos direitos e garantias individuais, previstas na Constituição, sem prejuízo da eficácia das investigações.

  • Garantia de acesso? Tudo bem,
    Garantia de acesso? Tudo bem, mas continua proibido ou não vazar para a imprensa seletivamente dados do processo? Continuaria havendo segredo de justiça para investigações ainda em curso? Ou isso é para acabar de vez com todo e qualquer segredo de justiça?

    A maioria dos vazamentos ocorre quando o inquérito chega ao Judiciário.

  • Nassif, eu andava meio
    Nassif, eu andava meio desanimado, mas aconteceu um negócio que achei muito legal: minha esposa foi à trabalho à França (minha mulher é mio direitista e não se conforma em eu ser de esquerda), e quando lá chegou, os franceses só perguntavam do Lula e de seu governo - sem preconceito, sem ideolgia, queriam apenas saber. Para eles, a chegada do Lula (um operário semi-analfabeto) à presidência pelo voto, têm um impacto semelhante à Revolução Francesa. Digo que fiquei orgulhoso, porque apesar dos defeitos (a "paúra" em enfrentar de verdade os problemas e os sacanas que aí estão), estamos indo para a frente

  • Nassif, acredito que essa
    Nassif, acredito que essa seja de fato a grande obra do Presidente. E até aqui Ele a tem cumprido à risca. Claro que com muitos percalços. E erros, , etc. Não fosse assim não seria humano (alguns querem endeusá-lo, talvez inconcientemente para não perdoá-lo, já que `Deus`não pode errar. Aqueles que se decepcionaram ou se decepcionam com o presidente, por que querem um enfrentamento de peito aberto com as chamadas elites, mídia, etc, (forças vivas da sociedade, à direita e à esquerda), acredito que não comrpeendam a sutiliza, o fio de navalha que é um mandato transformador, inclusivo, sem passar por cima das instituições, arrebentando-as, caindo provavelmente de forma invitável e definitiva em retrocesso.

  • A Castanhede é aquela que,
    A Castanhede é aquela que, quando acorda de manhã e não tem nada pra escrever, escreve mais uma vez sobre o terceiro mandato do Lula (!!!!).

    Coitada! Deve ter "terríveis pesadelos" em que o presidente fica por mais um tempinho. Deixa ela vai, tenho até pena.

  • O Brasil pós-Lula jamais será
    O Brasil pós-Lula jamais será o mesmo antes de FHC ! Digo isto, porque Lula completou com maestria um trabalho que começou com FHC.

    Lula é coerente no seu fazer,no seu viver,no seu falar, no seu relacionar. É a cara do brasileiro que tem vontade de um Brasil melhor.

    O Brasil pós-Lula será um Brasil mais igualitário,mais preocupado com seu povo. Apesar que ainda temos muito o que fazer para mudar essa mentalidade preconceituosa e sem auto-estima adquirida do colonialismo.

    Vamos a 2010. As nuvens políticas estão se formando. Creio que o trabalho que o Lula fez,não tem volta. Nosso Brasil está fadado a ser exemplo de uma revolução pacífica por todo esse sécul.

  • Nassif, parece que o povo
    Nassif, parece que o povo brasileiro está sabendo, muito melhor do que estes segmentos ultra-conservadores das elites tupiniquins, reconhecer o bom trabalho desenvolvido pelo governo Lula. Tanto isso é verdade que a popularidade de Lula e do seu governo bateu novo recorde, como mostra a nova pesquisa CNT/Sensus, divulgada hoje.

    Notícia:

    Aprovação pessoal de Lula bate recorde histórico e vai a 84%, segundo CNT/Sensus

    Apesar da crise, a 95ª Pesquisa CNT/Sensus, divulgada nesta terça-feira, pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), mostra que o governo Lula e a popularidade do presidente alcançaram recorde histórico.

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve 84% de aprovação entre o eleitorado. Em dezembro de 2008, a aprovação do desempenho pessoal do presidente estava em 80,3% e a desaprovação, em 15,2%. Nas últimas treze rodadas da pesquisa, Lula vem apresentando melhora no índice de aprovação.

    Em setembro de 2005, durante a crise do mensalão, Lula era aprovado por apenas 50% dos entrevistados. O governo tinha obtido melhor índice na série histórica da pesquisa, iniciada em 1998, em janeiro de 2003, quando Lula assumiu a presidência com 83,6% de avaliação positiva.

    A avaliação positiva do governo Lula está em 72,5%, segundo a pesquisa. Em dezembro de 2008, este mesmo índice estava em 71,1%. Esta também é a melhor avaliação de um governo em toda a série histórica.

    De acordo com o presidente da CNT, Clésio Andrade, o presidente Lula apresenta índices altos de aprovação em função de uma forte esperança do eleitorado, centrada no discurso do presidente Lula e nas medidas que o governo está tomando. “Tudo o que ele [Lula] fala, o povo acredita. Se ele fala que a crise vai passar, o povo acredita, isto justifica a sua popularidade”, destacou o presidente da CNT.

    A 95ª. Pesquisa CNT/Sensus foi realizada entre os dias 26 e 30 de janeiro, em 136 municípios das cinco regiões brasileiras. Dois mil eleitores foram questionados. A margem de erro é de 3%.

    http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2009/02/03/popularidade+de+lula+bate+recorde+historico+e+chega+a+84+segundo+cntsensus+3803024.html

  • Caro Nassif

    Permita-me
    Caro Nassif

    Permita-me dizer, depois dessa pesquisa e os numeros dela, em sua coluna de amanhã, sobre o Brasil e América Latina no pós-Lula, sugerir-lhe-ei, considerar em sua análise do pós-Lula, a continuação da Era Lula.
    Um detalhe para ficar claro, a palavra "era" aqui não se trada da conjugação do verbo "ser" no pretérito imperfeito, mas de acordo com o Houaiss e algumas de suas acepções
    ■ substantivo feminino
    1 período de tempo que serve de base a um sistema cronológico e que se inicia por uma data memorável
    2 período de tempo, ger. longo, que começa com um fato histórico novo, notável ou marcante, ou que origina uma ordem diferente no curso dos acontecimentos
    3 época histórica com características próprias e intransferíveis

    Sds,

  • "Preconceito contra toda
    "Preconceito contra toda forma de conhecimento não formal"? Esse é geral e faz a cabeça até da maior parte da esquerda meritocrática/ acadêmica. Mas acontece que o conhecimento de quem usa o corpo atuante (mais que o passado) pra sobreviver, um dia vai fazer prevalecer, sobre o que se APRENDE (de quem?), o que se sente. PESSOALMENTE.

  • Nao sei exatamente o que
    Nao sei exatamente o que será, mas será um bem para o Brasil quando Lula voltar para sua terra natal.

    E quanto a sua aprovacao, ja diria aquele sábio: "Toda unanimidade é burra".

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