A ditadura e a simulação como método de governo

A grande simulação

por Geraldo Hasse, especial para o GGN

O legado mais perverso da ditadura 1964/85 foi o implante da simulação como método de governo e de comunicação com a sociedade – um implante que continua presente no atual cotidiano político brasileiro.

Taí um resumo do que falou o jornalista Flávio Tavares no sábado 26/9 na sede da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), em Porto Alegre.

Cerca de 70 pessoas foram ouvi-lo e ao advogado Jair Krischke, ambos convidados pela revista JÁ para falar sobre as consequências políticas da ditadura militar. O terceiro convidado, o ex-preso político Carlos Araujo, não compareceu por problemas de saúde, mas depois de duas horas ninguém queria ir embora da sede da octogenária ARI. Sensibilizado pela sacada de Tavares, o público deixou no ar do auditório e do bar do oitavo andar do prédio da Avenida Borges de Medeiros 915 um clima de congraçamento raro nessa época de acirramento da intolerância.

Nesse clima podemos ver o respeito pela figura dos veteranos expositores e do moderador, jornalista Elmar Bones, editor do jornal JÁ e da revista JÁ. Com redação no prédio da ARI, JÁ Editores é um neonanico que há 30 anos nada contra a corrente. De tempos em tempo lança n’água um bóia de salvação. É o caso do kit promocional contendo três revistas sobre o golpe militar de 1964 e seus desdobramentos. O kit está nas bancas centrais de Porto Alegre e pode ser encomendado pela internet via www.jaeditores.com.br ou pelo telefone (51) 3330.7272. Na última das revistas, em que aparece na capa a foto da simulação do suicídio do jornalista Vladimir Herzog, o advogado Carlos Araujo afirma em longa entrevista: “A luta armada foi um erro”.   

TAVARES

Testemunha ocular do abandono do Palácio do Planalto pelo presidente Goulart no início de abril de 1964, quando trabalhava em Brasília para o jornal Ultima Hora, Flavio Tavares está visivelmente desencantado com o que vê na política, mas não perdeu a elegância nem a sensibilidade. A seguir, trechos de sua fala:

“Movidos por interesses pessoais ou de grupos, os políticos se sujeitam a marqueteiros como Duda Mendonça, que fez campanha para Maluf e para Lula.

“A distorção do jogo político é o maior legado negativo da ditadura. Hoje não se faz política em torno de idéias mas de interesses. Os partidos não têm ideólogos. Alugam suas bases. Os partidos são aglomerados de oportunistas.

“Esse faz-de-conta perverso desmantelou todas as verdades. Até hoje muita gente acha que democracia é isso – uma simulação, um jogo de faz-de-conta, um engodo, uma manipulação, uma mentirada, uma grande enganação.

“No período ditatorial o país cresceu economicamente, mas afundou na falta de respeito aos direitos humanos, algo que se manifesta no ódio latente no país de hoje. 

“O ministério é ocupado por mediocridades. Nossos ministros são Xuxa, Ratinho, Faustão e outras nulidades da TV.”

 KRISCHKE

Jair Krischke, líder do Movimento pelos Direitos  Humanos no Rio Grande do Sul, aprofundou o tema da simulação ao lembrar que a primeira vítima da ditadura foi a palavra. Desde o começo houve uma manipulação, de tal forma que “o golpe de Estado foi chamado de revolução redentora”, já que “a ditadura foi implantada para salvar a democracia”.

Na simulação da luta partidária, criou-se a Aliança Renovadora Nacional (Arena) como partido de situação e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) como oposição. Na hora da renovação dos presidentes, os generais escolhiam o candidato militar que precisava ser “eleito”, isto é, legitimado pelo Congresso. Os parlamentares que não se comportassem de acordo com o figurino revolucionário, eram cassados. Por anos houve um terço de senadores nomeados pelos militares em conluio com civis. Eram os biônicos. As capitais dos estados, os municípios de fronteira ou que possuíssem refinarias, terminais de petróleo ou portos eram considerados áreas de segurança nacional, ou seja, os prefeitos eram nomeados pelas autoridades militares. Mais, disse Kirschke: o entulho autoritário continua de pé no artigo da Constituição de 1988 que reproduz integralmente o decreto de 1967 segundo o qual as Policias Militares estaduais são forças auxiliares das Forças Armadas. Estamos ainda sob a égide da doutrina de segurança nacional, que remonta aos tempos da guerra fria, iniciada no final dos anos 1940, como reflexo da rivalidade capitalismo x comunismo.

Krischke lembrou a crise de 1961, quando o vice-presidente Jango Goulart ficou em Montevideo esperando o desfecho das negociações entre civis e militares que não queriam lhe dar posse. Quem foi ao Uruguai convencer o vice a aceitar o parlamentarismo? Tancredo Neves e Ernesto Geisel! Este foi o quarto presidente militar e aquele, o primeiro presidente pós-ditadura.  “Na realidade, as transições políticas brasileiras são transações”, afirmou Krischke, lembrando outro caso que chega aos nossos dias.

Em maio de 1982, o governador gaúcho Amaral de Souza anunciou publicamente a queima dos arquivos do DOPS. Antes da queima, os papéis foram microfilmados. Os filmes estão no quinto andar do QG do Comando Militar do Sul em Porto Alegre.

Aguarda-se o dia em que jornalistas, historiadores e outras pessoas tenham livre acesso a esse material histórico que alcança o Estado Novo (1937/45), o nome oficial da ditadura de Getulio Vargas.

Dados recentes do IBGE informam que 70% da população brasileira nasceram depois de 1964. A maioria desses 140 milhões não faz ideia do que foi a ditadura civilmilitar (1964/85), cujos reflexos estão presentes no Brasil dos nossos dias sob a forma do ódio latente na política, nos meios de comunicação, em manifestações de rua e nas relações sociais.

Redação

2 Comentários

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  1. A história ensina…

    Iniciativa pra lá de oportuna. Pelas notícias que vejo, elas estão ocorrendo aqui e ali e precisam se multiplicar! O debate acerca da ditadura é crucial para evitar que o mal se repita, ainda que por meios específicos ao tempo histórico. não podemos ser surpreendidos como tantas vezes ocorreu na história (não só do nosso país). Como escreveu, algo surpreso, o brilhante Gramsci (que viveu na carne coisa do gênero): “A história ensina, mas onde estão os alunos?” 

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