Natal brasileiro, sem a sombra tenebrosa do Monstro, por Luis Nassif

Em nenhum momento se falou do Monstro. O espectro do Monstro, finalmente, havia sido exorcizado daquela família mineira. E a paz voltou a reinar na família brasileira.

Na pequena cidade do sul de Minas, a família, machucada, reúne-se para o Natal. Dois anos atrás, o Monstro a dividiu ao meio. Irmãos brigaram com irmãos, tias brigaram com sobrinhos e a família rachou, apesar da presença referencial da Matriarca, que não se metia em brigas de filhos.

Até então, era uma família normal brasileira, com seus pequenos problemas, pequenas diferenças que jamais azedaram o café da manhã. Filhos de sitiantes, os mais velhos seguiram a profissão do pai. Os mais novos estudaram, foram experimentar outros ares. 

Nas reuniões de famílias, reuniam-se todos e suas experiências de vida. Uma das moças enveredou pela área dos direitos humanos, outra pela profissão de professora, e pensavam como bons humanistas. Os irmãos perseguiram a vida rural, cada qual com sua história, e pensavam como bons ruralistas. E nada interferia nas reuniões familiares.

Até que o Monstro chegou espalhando o ódio e a cizânia e a família implodiu, envolta nos fakenews que, despejados diariamente nos seus celulares, contaminaram totalmente o ambiente familiar. E a família brasileira implodiu.

Mas o mundo deu voltas e, nas voltas que o mundo dá, tudo pode ser reescrito.

Os anos seguintes foram duros para o país e particularmente duros para a família. Dos 8 irmãos, um morreu de AVC, outro de coração e um terceiro de desastre; um sobrinho morreu de Covid. E a Matriarca se foi, lançando a suspeita de que nada mais conseguiria recolher os cacos da família. 

Aí bateu o desespero, a lembrança dos tempos felizes, antes da chegada do Monstro, a relevância das relações familiares como âncoras emocionais.

E a família, pacificada pelas lembranças e pela dor, decidiu se reencontrar no Natal. Não houve o tradicional Feliz Natal à meia noite, a pedido da irmã que perdeu o filho, nem a oração em família, puxada pela Matriarca. Mas houve palavras de carinho, todos abrigados debaixo do cobertor das boas lembranças. 

No dia seguinte, no almoço, houve o ritual da abertura dos arquivos da Matriarca. Havia a caixa das fotos de família, as cartas recebidas, as lembranças.

No dia 26, os de fora se foram. E as que ficaram foram até a calçada se despedir, da mesma maneira que fazia a Matriarca.

Em nenhum momento se falou do Monstro. O espectro do Monstro, finalmente, havia sido exorcizado daquela família mineira. E a paz voltou a reinar na família brasileira.

Luis Nassif

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Na minha família o monstro felizmente não entrou. Mas ainda estou evitando falar com alguns primos e primas que moram em Eldorado SP. Lá o monstro ainda consegue devorar cérebros e infectar corações.

  2. Na minha família baiana de Sampa o monstro nem passou perto, já na minha família mineira que mora no Rio, no Morro do banco, perto de Rio das Pedras ele andou conquistando corações mentes de alguns, mas já foi embora há algum tempo e parece que não volta mais.

  3. Pois na minha ele acabou de entrar, na quinta feira recebi um telefonema de um irmão no que seria para desejar feliz natal. Nunca conversamos sobre politica alem de trivialidades. Num dado momento ele passou a despejar uma torrente de raiva e ódio contra tudo e todos que fiquei atordoado como se tivesse levado um murro na cara. Para completar o classico chavão, quem não estiver gostando vá para Cuba, Venezuela ou Coréia do Norte.

  4. O Sul de Minas faz fronteira com São Paulo e pensa como os paulistas. Foi São Paulo que deu vitória ao Collor, ao Aécio e ao Monstro. Tirou do esgoto o calça apertada. Mas desta vez, não tem jeito, acertaremos a lança de ferro no coração do Monstro.

  5. Bom dia
    O monstro adentrou em minha família, meus sobrinhos e primos foram levados e permanecem com ele, mas minha maior perda foram os amigos que se foram todos!!! Não tenho amigos, só inimigos (ex-amigos) vivendo sob o manto de ódio do monstro!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador