Moro e Dallagnol ainda devem explicações sobre o passado com o doleiro Youssef

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Até hoje Moro não explicou por que abandonou uma instrução contra Youssef alegando "foro íntimo", antes da Lava Jato começar

Agora que atravessaram a porta-giratória e entraram oficialmente na política partidária, o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador da República Deltan Dallagnol prestariam um grande serviço à sociedade se viessem a público explicar com detalhes a relação que construíram desde o começo dos anos 2000 com Alberto Youssef, seu doleiro de estimação.

Nesta quarta-feira (29/12/21), a Folha de S. Paulo bem lembrou que a campanha do hoje senador Álvaro Dias foi parcialmente financiada por Youssef em 1998. Àquela altura, disse Moro, ninguém sabia quem era o doleiro. Dias é hoje o padrinho político de Moro, filiado desde novembro ao Podemos, assim como fez Dallagnol.

É inevitável que a exposição da relação Dias-Youssef respingue nos dois novos correligionários. Mas é preciso dizer: tanto Moro quanto Dallagnol têm um passado nebuloso com o doleiro e devem muito mais explicações.

Queremos saber, por exemplo, por que Moro afastou-se de uma instrução contra Youssef antes da Lava Jato começar, alegando “foro íntimo”. E por que Dallagnol foi a favor de tirar do calcanhar do doleiro um delegado da Polícia Federal independente, que quase comprometeu o uso de Youssef como delator.

Os primeiros capítulos da história entre Moro, Dallagnol e Youssef foram narrados pelo GGN com ajuda do delegado federal aposentado Gerson Machado, que colaborou para o documentário “Sergio Moro: a construção de um juiz acima da lei”.

Que ninguém se engane: Gerson Machado é um ex-agente que sempre teve um “ótimo conceito” do trabalho de Moro, com quem trabalhou proximamente nos anos 2000. Mas nem mesmo o delegado foi capaz de explicar os privilégios de Youssef junto a Moro e Dallagnol.

Youssef foi preso pela primeira vez por Moro em novembro de 2003. Em dezembro daquele ano, sob orientação de seu novo advogado, Augusto Figueiredo Bastos, Youssef fez a primeira delação homologada por Moro. Entregou seus concorrentes doleiros.

Pouco tempo depois, Youssef começou a ser investigado por Gerson Machado, então lotado na delegacia da PF em Londrina. Foi Machado quem alertou Moro e Dallagnol que Youssef não cumpria com o acordo de delação e ainda atuava no crime.

O delegado reportou a Moro até mesmo as suspeitas em torno de uma BMW de Youssef que, segundo ele, teria sido usada para pagar os honorários advocatícios.

Na época, “havia esse boato de que Figueiredo Bastos ‘corria junto’ com Moro, ou seja, era muito próximo de Moro e do MP”, lembrou o criminalista Alberto Toron no documentário. Bastos teve protagonismo como defensor de delatores na Lava Jato também. Procurado pelo GGN, não quis falar.

Em fevereiro de 2006, numa audiência com Youssef, os procuradores e a defesa, o delegado Gerson Machado defendeu que Youssef tivesse o acordo de delação suspenso. A força-tarefa decidiu manter o acordo em troca de novas informações contra uma figura mantida sob sigilo. “Ele forneceu um dado lá, a gente passou a investigar, mas até hoje não vi essa pessoa presa”, relatou Machado. Quem teria sido a figura que interessava a Moro e ao então procurador Dallagnol?

Em outra conversa que deixou o delegado indignado, Youssef confirmou que ganhara 25 milhões de dólares no crime, dinheiro que não foi devolvido “porque o Ministério Público não perguntou” sobre isso. Moro foi informado da situação, e lavou as mãos. Pediu para o delegado resolver com o MP.

“Sempre tive ótimo conceito do doutor Sergio Moro. Muito polido, reservado, interessado nas investigações. Mas nessa investigação que eu estava batendo de frente com Youssef e a defesa dele, ele [Moro] saiu da instrução por foro íntimo e não falou porquê.”

Em 2011, a defesa de Youssef entrou com um habeas corpus contra o delegado e Deltan Dallagnol sugeriu que o delegado Gerson fosse afastado do inquérito sobre o doleiro.

Gerson Machado já investigava o que virou o embrião da Lava Jato: as movimentações financeiras suspeitas da mulher e do assessor do então deputado José Janene.

Acabou que, convencido por Marcelo Valeixo – que depois virou braço direito de Moro na Polícia Federal, já no governo Bolsonaro – Gerson Machado transferiu o inquérito embrião para a delegada Erika Marena. E deu no que deu.

Assista à entrevista com Gerson Machado na íntegra:

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  1. LAVA JATO E A DELAÇÃO DE YOUSSEF NO CASO BANESTADO, 15.03.2016
    Por Sergio Medeiros

    Basta uma simples olhada no processo para verificar que o doleiro Alberto Youssef fez sua delação premiada no caso BANESTADO, em 2003, sendo que somente em 2014 é que esta foi reaberta, ou seja, foi DESCOBERTO que ele havia recomeçado suas atividades como doleiro, somente AGORA, dez anos depois.

    Não esqueçam, Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Jorge Zelada, foram demitidos da Petrobrás, pela Presidente Dilma (antes da Lava-Jato) em 12 de abril de 2012. https://petronoticias.com.br/petrobras-anuncia-demissao-de-tres-diretores-da-empresa/

    E, ressalte-se, Youssef não era um réu comum, “sua fraude” envolvia valores elevadíssimos, quase um bilhão de dólares, vide contas somente em 1997 e 1998, como consta na sentença proferida no processo 5035707-53.2014.404.7000:

    “19. A investigação também revelou que Alberto Youssef enviava boa parte do numerário para duas contas no exterior abertas na agência do Banco do Estado do Paraná em nome das off-shores Ranby International Corp. e June International Corp., com movimentação entre 1997 a 1998, a primeira de cerca USD 163.006.274,03 e a segunda de USD 668.592.605,05.”

    Convenhamos, um réu condenado e com delação em vigência, demorou 10 anos para que se descobrisse algo que até o reino mineral já sabia, que Alberto Youssef já era o maior doleiro em atividade no país.

    E isto, em uma Vara Especializada em Fraudes e Lavagem de Capitais, sendo que suas atividades tinham como centro, a cidade de Curitiba, no Paraná, sede da referida Vara.

    Então, a Justiça, o Ministério Público Federal e a Policia Federal, em todos esses 10 anos, nada desconfiaram ou souberam???

    Pelo menos tal indagação deveria servir para que se saiba que não é tão fácil assim, investigar indiciar denunciar e processar alguém, nem mesmo Alberto Youssef, – em plena vigência da delação premiada anterior.

    Se não é fácil, nem foi factível, para a Justiça, o Ministério Público e a Policia Federal, que são quem ao fim e ao cabo, detém os poderes necessários para tanto, o que dizer dos demais integrantes do poder público que não estão diretamente ligados a tais funções.

    Nestas perguntas deve estar a resposta para as indagações com que nos bombardeiam incessantemente, óbvio, quando os envolvidos são do PT.

    Sempre surge um dizendo. – Há …não sabiam nada???

    Ainda que o Cartel seja de Empreiteiras e Executivos de Carreira da Petrobrás… E agora se sabe, de políticos de vários partidos, PSDB, PPS, DEM, PMDB, sendo 32 de um só…e que não é o PT e que inclusive tem muitos que fazem oposição ferrenha.

    Em outros termos, muito mais que mera politica, era corrupção pura e simples, “apenas” receber dinheiro, sem vinculações com votar com o Governo. Veja o exemplo dos investigados, deputados do PP-RS – Seis – e todos com ódio do Partido dos Trabalhadores, e do Governo.

    Segue transcrição, de parte da sentença, onde numa breve biografia delitiva, é mencionado que a corrupção praticada por Youssef, quase atingia a casa do, repito, Bilhão de dólares!!!!! Isso em 1997/1998.

    “15. Para compreender as questões colocadas, oportuno aqui breve histórico de Alberto Youssef.

    16. Alberto Youssef foi um dos principais doleiros envolvidos no assim denominado ”Caso Banestado’, com evasão fraudulenta milionária de divisas por contas CC5 na praça de Foz do Iguaçu na década de 90.

    17. Naquela investigação, foi revelado que Alberto Youssef controlava diversas contas bancárias no Brasil em nome de pessoas interpostas e que eram utilizadas para alimentar contas CC5.

    18. Uma das principais delas era a conta em nome da empresa Proserv Assessoria Empresarial S/C Ltda., em cujo quadro social figuravam pessoas interpostas, subordinados de Alberto Youssef Referida conta, para se ter uma idéia da dimensão das atividades de Alberto Youssef, foi utilizada para depositar cerca de R$ 172.964.954,00 em contas CC5.

    19. A investigação também revelou que Alberto Youssef enviava boa parte do numerário para duas contas no exterior abertas na agência do Banco do Estado do Paraná em nome das off-shores Ranby International Corp. e June International Corp., com movimentação entre 1997 a 1998, a primeira de cerca USD 163.006.274,03 e a segunda de USD 668.592.605,05.

    20. Com as contas no Brasil e as contas no exterior, Alberto Youssef operava no mercado de câmbio negro através das denominadas operações dólar cabo.

    21. Por suas atividades criminais, este Juízo, a pedido do MPF, decretou na época a prisão preventiva de Alberto Youssef (2003.7000056661-8), sendo a medida mantida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Oportuno recordar que, quando da efetivação da prisão, foi encontrado na posse de Alberto Youssef um cheque bancário nominal de R$ 150.000,00 ao ex-deputado federal falecido José Janene.

    22. Esses fatos foram admitidos por Alberto Youssef, em confissões em Juízo, já que culminou por celebrar acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual do Paraná.

    23. Por força do acordo, revelou seu envolvimento em diversos crimes de lavagem de dinheiro, inclusive de recursos subtraídos da Administração Pública (processo 2004.7000002414-0, cópia do acordo no evento 30).

    24. Em decorrência da colaboração, recebeu benefícios legais, acordados com o Ministério Público Federal, tendo sido condenado, com trânsito em julgado e em 24/06/2004, na ação penal 2004.7000006806-4, a sete anos de reclusão em regime semi-aberto e multa de cerca de novecentos mil reais (cópia da sentença no evento 29, out3). Na ocasião, foi condenado pelos crimes do artigo 1.º da Lei n.º 8.137/90, em continuidade delitiva, do artigo 21 e 22, parte final do parágrafo único, da Lei n.º 7.492/86, em continuidade delitiva, e ainda do artigo 288 do CP. As penas foram integralmente cumpridas. Na prática, porém, o acusado permaneceu cerca de um ano preso, progredindo em seguida para o regime aberto. Os crimes que foram objeto daquele feito não se confundem com o presente.

    25. O acordo também gerou a suspensão do trâmite de inquéritos e ações penais pelas quais Alberto Youssef então respondia.

    26. A presente ação penal, abrangendo crime de corrupção ativa para obtenção de empréstimo fraudulento no exterior, é uma delas.

    27. Condição necessária da manutenção do acordo consistia no afastamento de Alberto Youssef da prática de novos crimes, inclusive do mercado de câmbio negro.

    28. Entretanto, em decorrência dos fatos revelados pela assim denominada Operação LavaJato, o acordo foi, a pedido do MPF, declarado quebrado por este Juízo (decisão de 06/05/2014 no processo 2004.7000002414-0, evento 29, out9), voltando este feito a tramitar.

    29. Sobre os fatos verificados na Operação Lavajato, o relato constante na decisão judicial de 24/02/2014 deste Juízo no processo 5001446-62.2014.404.7000 (cópia no evento 29, out5) é suficiente neste feito. Em síntese, na assim denominada Operação Lavajato, foram colhidas provas, em cognição sumária, de que o ora acusado dedicar-se-ia habitual e profissionalmente à lavagem de dinheiro e igualmente à corrupção de agentes públicos, entre eles parlamentares federais, estes com processos já desmembrados no Supremo Tribunal Federal.” (Processo nº 5035707-53.2014.404.7000).

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