PSDB precisa repensar o papel do Estado e priorizar políticas sociais, diz José Aníbal ao GGN

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Para o senador José Aníbal, o PSDB virou um partido "batido", mas está em "processo de recomposição"

O senador José Aníbal, do PSDB
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Jornal GGN – Após cinco derrotas consecutivas nas urnas, o PSDB assiste, até novembro, ao duelo entre João Doria e Eduardo Leite, os candidatos favoritos à cabeça de chapa do partido com vistas à Presidência da República em 2022.

A despeito de algumas diferenças pontuadas por cada pré-candidato em debate promovido por veículos do Grupo Globo na semana passada, há muita convergência do ponto de vista programático entre Leite e Doria.

Ambos falam em Estado enxuto e eficaz, com papel saliente do empresariado na vida pública. O slogan do “choque de gestão” e a questão fiscal ainda são temas centrais nos dois discursos. Nem mesmo a democracia tem tanto valor para Leite quanto os preceitos de uma economia neoliberal, como deixou claro em sua resposta à jornalista Miriam Leitão.

Em entrevista exclusiva ao GGN, o senador José Aníbal, uma das principais lideranças do PSDB, avaliou que as prévias são “a melhor decisão que tomamos”, mas apontou que o partido precisa dar uma guinada em direção às polícias sociais e repensar o papel do Estado, se quiser recuperar a confiança de boa parcela da sociedade.

Para Aníbal, o PSDB virou um partido “batido”, mas está em “processo de recomposição” e a pandemia pode ter sido a oportunidade de ouro para a legenda “virar a chave”.

“O PSDB tem que voltar a pensar em como a social democracia incorpora a realidade e se alinha com as políticas de combate à desigualdade com resultados que possam aparecer efetivamente, e não essa centralidade apenas na questão fiscal”, argumentou.

No bate-papo com Luis Nassif, Aníbal criticou a bancada do PSDB na Câmara por votar na maioria dos projetos enviados pelo governo Bolsonaro. Ele também bateu na investida populista do presidente da República, que tenta emplacar um novo Bolsa Família de R$ 400 até o fim de 2022 para ganhar sobrevida, já que as pesquisas de opinião indicam rejeição recorde do extremista de direita e tendência de vitória de Lula (PT) no segundo turno.

Aníbal ainda se mostrou favorável à revisão do Teto dos Gastos para viabilizar aumento de investimentos em educação e ciência e tecnologia, e admitiu que o PSDB precisa se debruçar sobre esta e outras pautas emergenciais – como uma discussão séria sobre o desmonte que fizeram na Petrobras desde o impeachment de Dilma Rousseff.

O senador falou também sobre a saída de Geraldo Alckmin do PSDB e as divisões no partido, além da saúde de José Serra, que tirou licença do cargo após diagnóstico de Parkinson, entre outros pontos.

Assista ao vídeo abaixo e confira a entrevista a seguir:

Leia a entrevista abaixo:

Luis Nassif: O PSDB teve uma fase dos anos 1990 com muita intelectualidade no partido. Depois veio a fase em que morrem Mário Covas e Franco Montoro, os pioneiros. Em seguida, uma fase mais dominada por José Serra. Em que fase nós estamos hoje?

José Aníbal: O PSDB perdeu muito da sua narrativa e perdeu até a sua história. Hoje temos uma bancada na Câmara que vota, muitas vezes, e de forma expressiva, em matérias propostas por este presidente da Câmara [Arthur Lira] como parte do acordo que ele fez com [Jair] Bolsonaro, sobretudo o acordo de não encaminhar o impeachment.

Então o PSDB é um partido que ficou muito batido. Agora, com essas prévias – e foi a melhor decisão que tomamos – pelo menos está havendo uma conversa, uma mobilização e ativação da militância do PSDB pelo Brasil afora. E o PSDB tem platanção em todos os estados. Isso vai evoluir dependendo dos resultados das prévias e da unidade que pretendemos construir no pós prévias, mas é um partido que está em processo de recomposição hoje em dia, de reafirmação, reconexão com essa história que você mencionou.

Esses intelectuais que foram tão importantes para o partido nos anos 1990 e no começo do século também, uma boa parte deles começa a se mobilizar e participar do debate, tentando oferecer ideias para o partido, para serem trabalhadas nesse processo de construção de uma candidatura.

Luis Nassif: Nos anos 1990 o PSDB representava uma socialdemocracia sem trabalhismo, mas com visão desenvolvimentista e social. Com o plano real, a bandeira passou a ser privatização e redução do Estado. Hoje, quais são as bandeiras do PSDB?

José Aníbal: Em primeiro lugar, dar consequência a isso que a pandemia mostrou. Um país profundamente desigual, com a pandemia acentuando a desigualdade. (…) É preciso um esforço nacional para que a gente tenha, até março, programas de transferência de renda.

Hoje no Senado aprovamos o vale-gás. A União e a Petrobras vão ter que arcar com isso. O FHC em 2002 fez o vale-gás, que tinha um valor expressivo à época, R$ 7,50 – dinheiro que hoje deve ser uns R$ 25, mas o preço do gás não estava tão desajustado como hoje.

Enfim, tem que mudar a renda, virar a chave. Infelizmente temos ainda 15 meses de governo Bolsonaro. Não tem nenhuma indicação que de teremos racionalidade ou uma ação menos deletéria desse governo.

Luis Nassif: O PSDB foi um partido antenado com o que ocorria no mundo. A questão fiscal inclusive virou uma marca. Com o Teto de Gastos, temos o engessamento total do orçamento público. E temos também esse processo de desmonte do Estado que, de certo modo, é uma bandeira tanto da candidatura de João Doria quanto de Eduardo Leite. Não é hora do partido pensar em como se monta um país moderno independentemente de ideologias?

José Aníbal: Estamos pensando nisso. Foi promovida uma série de debates com as fundações do PSDB, MDB e Cidadania. Em um dos debates, o debatedor do PSDB colocou em pauta o repensar o papel do Estado. Estamos pensando isso. É impraticável não repensar o papel do Estado no mundo pós pandemia. Há questões novas que têm que ser absorvidas.

Por exemplo, o próprio [Joe] Biden [presidente dos EUA], nas reformas que ele está propondo, quer pegar as inatingíveis – as Amazon da vida – que não pagam imposto nenhum. Tem que ter mais ação que não seja apenas racionalizar a ação do Estado, que é sempre importante. Introduzir mais critérios de mérito nisso e naquilo outro, tudo bem, mas é preciso sempre ter um Estado que precisa atender melhor o cidadão. O SUS provou isso agora. Grande parte do resultado que a gente conseguiu obter na pandemia – apesar da ação do presidente da República – foi graças ao SUS.

É possível fazer. O PSDB tem que voltar a se conectar com isso, pensar em como a socialdemocracia incorpora a realidade e se alinha com as políticas de combate à desigualdade com resultados que possam aparecer efetivamente, e não essa centralidade apenas na questão fiscal.

Sobre o Teto, acho que tem que ser revisto, mas não agora. Eles querem explodir o Teto ano que vem com essa irresponsabilidade [Auxílio Brasil de R$ 400 reais até 2022] que tem como único propósito a reeleição do presidente da República. Eu sei até que eles estão fazendo pesquisas, procurando as áreas mais periférias para chegar nelas com o auxílio, para ver se isso realmente levanta a candidatura do Bolsonaro porque, claramente, ele vem perdendo adesão.

Luis Nassif: Uma característica do partido, independentemente dos princípios, são os laços de lealdade entre os diversos membros. A gente vê, à distância, um PSDB rachado. Como está o processo de juntar os cacos? Vai ser possível?

José Aníbal: Não… É um processo em curso. Mas vamos perder muito provavelmente o Geraldo. Vai sair do PSDB. É uma perda. Os conflitos ainda existem. Ainda não se instaurou no PSDB o que o PSDB prega para as forças democráticas no País hoje: uma convergência fundamental.

Eu recebi na minha casa, meses atrás, em São Paulo, o José Dirceu [ex-ministro da Casa Civil do governo Lula]. Tratamos de como se cria uma convergência não só pelo fato do Bolsonaro ser ameaça permanente à democracia, mas porque precisamos juntar forças para realmente melhorar nas instituições o compromisso com a democracia e com a sociedade tão sofrida que nós temos. É preciso haver ação não tão deletéria como temos hoje – [no Congresso] vota-se sem discutir, sem focar no que é essencial, que é criar as condições para voltar a crescer, resolver as demandas da sociedade. O PSDB tem que estar nisso.

Luis Nassif: Há um conjunto de reformas feitas desde o governo Temer – como a trabalhista e a da Previdência, com redução de direitos – sempre com a promessa de que, fazendo isso, recupera-se o emprego e o crescimento da economia. Obviamente isso não é possivel.

José Aníbal: Não aconteceu.

Luis Nassif: Como trabalhar daqui em diante com partidos insistindo nas reformar, dentro desse conceito de redução de direitos sociais?

José Aníbal: Isso tem que ser abandonado. Mais uma vez, cito o Biden: eles estão reativando o sindicalismo americano, que é fundamental numa sociedade democrática. Tem que ter pesos e contrapesos.

Esse não é o caminho com o qual devamos estar associados, pelo contrário. Temos que ter políticas sociais firmes e o País tem condições de fazer isso.

Tem muita coisa a se cortar em matéria de gastos, como esses incentivos e benefícios fiscais. Muito pouco analisado os resultados que eles produzem. (…) Educação tem que deixar definitivamente de ser retórica e ser ação focada para a qual se vai destinar recursos.

Luis Nassif: Quem vai dar o novo tom do PSDB para uma visão mais social do partido?

José Anibal: Os resultados das prévias podem propiciar isso. Acho, inclusive, que no debate [promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico] os candidatos [João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio] manifestaram compromisso com a redução da desigualdade, avanços na recuperação da economia, etc, mas isso vai ser melhor apurado para que realmente crie credibilidade, confiança e esperança de que se vá fazer.

A questão fiscal tem que ser tratada não de forma dissociada da recuperação da economia e criação de empregos e oportunidades. O Brasil enriquece a poucos. Tem que cuidar da sua população.

Hoje temos uma questão dramática na questão da sustentabilidade. Hoje essa ideia de que a árvore que rende é a que está em pé, e não a que está cortada, é muito pouco trabalhada. A política externa deveria ter convergência com o mundo, sobretudo na sustentabilidade e no combate às desigualdades. Se não entregarmos isso, se ficarmos com essa esbórnia que está no governo, não teremos futuro

Luis Nassif: Um dos pontos que marcou a posição do PSDB foi a questão do pré-sal e da Petrobras. O partido teve posição muito fechada contra a Petrobras e hoje estamos vendo o desmonte da empresa. Vocês estão fazendo um debate interno sobre a Petrobras?

José Aníbal: Não. O que temos é alguns quadros que refletem sobre isso, mas não houve um seminário ou conversa. O que queremos promover, após as prévias, é pegar temas centrais e ir produzindo nova reflexão à luz da realidade que temos hoje. Será vital para nós. E aí entra essa questão da Petrobras.

Luis Nassif: Como está a saúde do Serra?

José Aníbal: Ele está se recuperando. Está mais atento aos protocolos médicos. Estive com ele duas vezes nos últimos 10 dias, conversando sobre projetos que ele tem no Senado. Acho que ele tem todas as condições de voltar.

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Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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