Paulo Freire dá nome ao prédio principal da Educação na Unicamp

O Patrono da Educação Brasileira foi professor da casa durante 10 anos, de 1981 a 1991, junto ao hoje denominado Departamento de Ciências Sociais na Educação (Decise), ministrando as disciplinas de educação e movimentos sociais

Prédio principal da Faculdade de Educação: formato de estrela de seis pontas

do Jornal da Unicamp

Paulo Freire dá nome ao prédio principal da Educação

por Luiz Sugimoto

O educador Paulo Freire tem seu nome perenizado no prédio principal da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp com uma placa descerrada em cerimônia às 17 horas desta quarta-feira, 29, no Salão Nobre da unidade. A nomeação é uma iniciativa dos estudantes do Mestrado Profissional da FE, que em grande maioria trabalha com círculos de cultura, utilizando métodos de Paulo Freire no chão das escolas públicas. O Patrono da Educação Brasileira foi professor da casa durante 10 anos, de 1981 a 1991, junto ao hoje denominado Departamento de Ciências Sociais na Educação (Decise), ministrando as disciplinas de educação e movimentos sociais.

“Este prédio foi inaugurado sem nome e a reivindicação dos alunos se justifica por ser o lugar por onde o professor Paulo Freire circulou e que ainda guarda a energia dele”, afirma Débora Mazza, ex-aluna do educador pernambucano e atual diretora associada da FE. “A nomeação se dá num momento em que as ofensivas contra a escola pública vêm de todas as partes, contra estudantes e professores, contra os recursos a ela endereçados. Para nós, fica muito claro que é um projeto orquestrado para tirar o povo brasileiro do orçamento do Estado. A escola pública é um patrimônio do povo para a construção de um país mais civilizado, educado e com menos desigualdades.”

A professora Nima Spigolon, coordenadora do Mestrado Profissional, observa que o prédio principal concentra o “cérebro” e o “coração” da Faculdade de Educação e, visto do alto, forma uma estrela de seis pontas. “Nele estão a direção, as coordenações, os departamentos, as salas dos docentes, a sala da congregação, o salão nobre, a secretaria de pesquisa, a secretaria de eventos. Esta nomeação, quando o país vive o acirramento de um cenário político que alveja a universidade e a educação públicas e a ciência e tecnologia do país, mostra o quanto Paulo Freire ainda é presente, pulsando em nossas pesquisas e relações. Acho que é assim que ele gostaria de ser lembrado.”

Nima Spigolon destaca o processo institucional de nomeação do prédio, a partir de uma instância supra departamental: o 1º Seminário de Pesquisas em Mestrado Profissional em Educação Escolar, reunindo docentes, pós-graduandos e escolas públicas em 23 de novembro de 2018, na FE. “Antecedendo aquela noite, foi instaurado um pedido de retirada do título de ‘Patrono da Educação’ concedido a Paulo Freire, o que motivou uma moção dos grupos de pesquisa da Faculdade. A proposta de nomeação foi elaborada coletivamente durante o seminário e colhidas cerca de 800 assinaturas de docentes, estudantes e funcionários. A ata foi ratificada pela Comissão de Pós-Graduação e encaminhada para a instância máxima da unidade, a Congregação, cuja deliberação foi aclama de pé, num momento histórico de comoção.”

Nima Spigolon, coordenadora do Mestrado Profissional, e Débora Mazza, diretora associada. A placa dando o nome de Paulo Freire, descerrada em cerimônia nesta quarta-feira

Titularidade questionada

Débora Mazza recorda que Paulo Freire teve, no entanto, a sua condição de professor titular questionada pelo Conselho Universitário e que a solicitação de sua contratação em nível MS-6 (topo do magistério superior) demorou cinco anos para ser homologada. “Por vezes pensamos que estamos vivendo uma onda neoconservadora e neoliberal, mas olhando a documentação de Paulo Freire observamos que nunca existiu unanimidade na universidade em torno de determinados processos emancipatórios e libertários. A solicitação de contratação é de junho de 1980, valendo a partir de 1º de agosto daquele ano, mas o processo perdurou até a homologação na reunião do Consu de 25 de junho de 1985 – e com o voto contrário de um conselheiro.”

Ainda assim, acrescenta a diretora associada da FE, a homologação deu-se apenas com a formação de um grupo de trabalho tendo como pareceristas Rubem Alves, Antonio Muniz de Rezende e Amelia Domingues de Castro, além de Roberto Romano enquanto chefe do departamento em que Paulo Freire atuava. “Eram pareceres primorosos, um deles do professor Roberto Romano, ressaltando o percurso nacional e internacional de Freire e o tanto que seu método de alfabetização de adultos revolucionou as dinâmicas de trabalho entre educador e educando em sala de aula, considerando a realidade desses estudantes de pobreza, vulnerabilidade e difícil acesso a uma cultura letrada; e o tanto que os livros Educação como Prática de Liberdade e Pedagogia do Oprimido promoveram rupturas didático-pedagógicas e político-pedagógicas no Brasil e no mundo.”

Débora Mazza conta que Antonio Muniz de Rezende, por sua vez, enalteceu o aprendizado não só com as obras de Paulo Freire, mas também na convivência cotidiana, humildade, generosidade do trato e disponibilidade de estar junto a movimentos sociais e grupos de alfabetização de adultos. “Já o parecer que ficou famoso, de Rubem Alves [cuja íntegra reproduzimos novamente abaixo], tem um tom mais persuasivo, afirmando que não havia como dar o parecer de uma pessoa que estava acima dos próprios pareceristas e mesmo do Conselho Universitário, e deixando claro que ‘a questão não era se nós desejamos ou não ter o professor Paulo Freire conosco, e sim se ele deseja trabalhar ao nosso lado.”

Freire voltou do exílio em 1980, já ciente do interesse da Unicamp e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em contratá-lo, manifestado em carta enviado ao Ministério das Relações Exteriores. Em 1981, mesmo sem contrato definitivo com a Unicamp, foi o mais votado para reitor pela comunidade acadêmica, na primeira eleição democrática em uma universidade brasileira. Seu nome, porém, foi ignorado pelo colegiado de diretores de unidades e representantes do governo estadual, e pelo então governador Paulo Maluf, que decidiu por José Aristodemo Pinotti, sob os protestos dos corpos docente e discente.

O educador, pedagogo e filósofo pernambucano solicitou sua exoneração em carta escrita de próprio punho ao reitor Carlos Vogt, em 4 de março de 1991. Ele expressa sua gratidão pelos convites recebidos da Unicamp e da PUC “estando ainda no exílio, em Genebra, sem passaporte e proibido de, sequer, visitar o Brasil”, e justifica sua saída com a impossibilidade de acumular as aposentadorias na UFPE (onde foi readmitido pelo ministro da Educação sem que tivesse pedido, assim como não pediu a revisão do seu caso pela lei de anistia) e aposentadoria da Unicamp (que viria em poucos meses em decorrência da idade limite): “Por mais amorosidade que sinta pela Unicamp, por mais honrado que me sentisse por ser seu professor aposentado, não seria sensato, nos tempos de hoje, ficar com 33.000 [de remuneração] desistindo de 246.000.”

Patrono da Educação

Paulo Freire (1921-1997) passou a ser reconhecido como “Patrono da Educação Brasileira” com a Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012, assinada por Dilma Rousseff, por ter dedicado grande parte de sua vida à alfabetização e à educação da população pobre. Em 1961, na Universidade de Recife (hoje UFPE), implantou um método para alfabetizar 300 cortadores de cana em 45 dias. Suas experiências bem-sucedidas foram incluídas pelo governo João Goulart no Plano Nacional de Alfabetização, que seria abortado pouco depois pelos militares. Preso e expulso do país, Freire passou 16 anos de exílio dando aulas no Chile, Estados Unidos (Harvard), Suíça, Inglaterra e países africanos de língua portuguesa que viveram processos de libertação. O livro Pedagogia do Oprimido foi traduzido para mais de 40 idiomas, aparecendo em pesquisa da London School of Economics como a terceira obra mais citada em trabalhos de ciências humanas; é também o único título brasileiro na lista dos cem mais referenciados por universidades de língua inglesa.

O presidente Jair Bolsonaro, que durante a campanha eleitoral já se mostrava crítico feroz de Paulo Freire e do seu método de alfabetização, anunciou que vai mudar o patrono da educação brasileira, em entrevista no último dia 29 de abril, para um canal do YouTube. No mesmo dia, a deputada federal Caroline De Toni (PSL-SC) protocolou proposta prevendo a revogação da Lei 12.612, enquanto seu colega Carlos Jordy (PSL-RJ) apresentou em 22 de maio o projeto de lei 3033, concedendo a honraria a São José de Anchieta, jesuíta espanhol considerado precursor da educação no país e que ajudou na fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, embrião da cidade de São Paulo.

Na opinião da professora Débora Mazza, frente a tantos desmanches e ataques às humanidades e à educação, o descerramento da placa no prédio principal da Faculdade de Educação é uma forma concreta de mostrar que há esperança. “A esperança, como dizia Paulo Freire, é a ação. No momento em que a sociedade e o mercado não estão muito interessados em investir em políticas sociais e educacionais, precisamos discutir o papel das humanidades na Unicamp; qual é a importância, a função social de estarmos aqui; quais são as pautas que constroem sociedades menos desiguais e menos violentas. Porque estamos num momento em que as voracidades parecem afloradas.”

A diretora associada da FE afirma que uma ideia muito recorrente nas obras de Paulo Freire é a de que nós humanos somos seres inacabados. “Inacabados, mas que nos constituímos no solo firme da história, sendo o processo educativo que nos faz seres humanos coletivos, e não seres biológicos, egoístas, individualistas, autorreferenciados. Por isso, o processo educativo é tão demorado, exigindo muitos anos para vermos o efeito de um valor que ensinamos a um filho reconhecido na ação. Quando vemos faixas em defesa da educação sendo arrancadas [na UFPR, durante as manifestações bolsonaristas de 26 de maio], a pergunta que faço como mãe, professora e pesquisadora é: o que fica para a sociedade? Fica a barbárie, sobra o nosso lado biológico, selvagem.”


O ‘não parecer’ de Rubem Alves sobre
a admissão de Paulo Freire na Unicamp

O objetivo de um parecer, como a própria palavra o sugere, é dizer a alguém que supostamente nada viu e que, por isto mesmo, nada sabe, aquilo que parece ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um parecer empresta os seus olhos, o seu discernimento a um outro que não viu e nem pôde meditar sobre a questão em pauta. Isto é necessário porque os problemas são muitos e os nossos olhos são apenas dois…

Há entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase uma ofensa. Emitir um parecer sobre Nietzsche, ou sobre Beethoven, ou sobre Cecília Meireles? Para isto seria necessário que o signatário do documento fosse maior que eles, e o seu nome mais conhecido e mais digno de confiança que aqueles sobre quem escreve…

Um parecer sobre Paulo Réglus Neves Freire.

O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo. Não o será aqui, na UNICAMP? E será por isto que deverei acrescentar a minha assinatura (nome conhecido, doméstico), como avalista?

Seus livros, não sei em quantas línguas estarão publicados. Imagino (e bem pode ser que eu esteja errado) que nenhum outro dos nossos docentes terá publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre o seu pensamento formam bibliografias de muitas páginas. E os artigos escritos sobre o seu pensamento e a sua prática educativa, se publicados, seriam livros.

O seu nome, por si só, sem pareceres domésticos que o avalizem, transita pelas universidades da América do Norte e da Europa. E quem quer que quisesse acrescentar a este nome a sua própria “carta de apresentação” só faria papel ridículo.

Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na UNICAMP. Isto seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios.

Por isto o meu parecer é uma recusa em dar um parecer.

E nesta recusa vai, de forma implícita e explícita, o espanto de que eu devesse acrescentar o meu nome ao do Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não se sustentasse.

Mas ele se sustenta sozinho.

Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir.

A questão não é se desejamos tê-lo conosco.

A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado.

É bom dizer aos amigos: “Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da Faculdade de Educação da UNICAM…”

Era o que me cumpria dizer.

Campinas, 25 de maio de 1985.
RUBEM AZEVEDO ALVES
Professor Titular


A TV Unicamp disponibiliza depoimentos de Paulo Freire em dois vídeos no YouTube

Encontro com Paulo Freire
https://www.youtube.com/watch?v=lhGtsDPKKNo&feature=youtu.be

Título Honoris Causa a Paulo Freire
https://www.youtube.com/watch?v=5yRyAXPXHmA&t=221s

***

Edição de imagem: Paulo Cavalheri

Redação

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