Tempos sombrios, por Micael Rodrigo de Oliveira e Silva

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Tempos sombrios

por Micael Rodrigo de Oliveira e Silva

Um velho barbudo, inominável nesses tempos de polarização política que vive o país, dizia que das repetições da história, a primeira ocorrência é tragédia, mas da segunda vez, passa a ser farsa. Pois São José dos Campos e região parecem prestes a viver a sua farsa com o possível agrupamento da antiga Empresa Brasileira de Aeronáutica, hoje simplesmente – e mais palatável ao investidor (estrangeiro) – Embraer SA., com a norte-americana Boeing.

Na década de 90, pouco antes da bem-sucedida (e necessária) privatização da Embraer, mas dentro da estratégia de precarizar para privatizar, SJC viveu um período de grande dificuldade. Com desemprego em massa, a crise afetou a quase totalidade dos lares joseenses e derrubou a arrecadação da cidade empurrando ao ostracismo, por exemplo, a (por vezes desastrada) administração de Angela Guadagnin. Tempos difíceis que levaram muitos a saírem da região e que duramente perduraram até o fim da década para os que por ali ficaram.

O risco de uma vez mais vivenciar essa situação de penúria pode se incrementar e acelerar com o que parece ser o futuro acordo com a Boeing. Sob o aval de um governo federal questionável, tudo parece apontar para a criação de uma empresa com controle da norte-americana para assumir a divisão de jatos comerciais da brasileira numa resposta à similar aproximação das concorrentes europeia Airbus e canadense Bombardier. Esta, no entanto, obrigada por sua situação financeira a praticamente ceder ao Grupo Airbus seu recente programa C-Series em vias de estagnação frente às barreiras norte-americanas incitadas pela mesma Boeing, rival do grupo europeu.

É bem verdade que pouco a pouco a Embraer já vinha expandindo sua estratégia de ser uma “empresa global” (inclusive na sutil mudança do nome). Tendo se instalado nos EUA aproveitando-se da disponibilidade de mão de obra especializada face à desaceleração dos programas aerospaciais da Nasa, para lá já planejaria transferir a linha de montagem do programa E2. Assim, diz-se, reduziria custos de sua cadeia de suprimentos e ainda escaparia da intransigência sindical da região.

Se isto já poderia vir a ser um duro golpe para a economia local, a total cessão da divisão comercial, que representa a maior e mais lucrativa fatia da empresa, pode vir a significar o começo do fim da indústria aeronáutica brasileira. Além dos rumores que circulam sobre a transferência do que restaria da empresa no Brasil (áreas executiva e militar) para a unidade de Gavião Peixoto, o futuro destas áreas torna-se difuso. Isto porque tanto a pouco lucrativa divisão de jatos executivos como a divisão de Defesa e Segurança extremamente dependente de recursos do governo para projetos militares são hoje asseguradas ou ao menos “amortizadas” pela geração de caixa mais estável do mercado de jatos comerciais. Assim, a empresa restante, além de sofrer drástica redução de faturamento, viria a enfrentar sérios problemas na geração de caixa e consequentemente menor disponibilização de recursos para o desenvolvimento de novos programas.

Talvez seja uma antecipação a esta redução de faturamento (e consequente menor desoneração fiscal) que já leva à mudança de política do principal projeto social mantido pela Embraer. Recentemente, o Instituto Embraer de Educação e Pesquisa que gere os dois colégios de Ensino Médio (CEJW, em SJC, desde 2002 com o ingresso anual de 200 alunos; e CECM na região de Botucatu com 120 jovens por ano), anunciou que 20% das vagas para o próximo ano letivo serão abertas a alunos pagantes. Sob o pretexto de garantir diversidade e a sustentabilidade do projeto no longo prazo, essa vitrine social da empresa já em 2019 deixará de garantir a 64 jovens de escolas públicas e de famílias carentes a oportunidade de obter uma educação de qualidade que proveja meios à sua escalada social e desenvolvimento de seu potencial.

Esse grande orgulho nacional vai deixando de cumprir sua função social, hoje nesses projetos sociais de escala relativamente reduzida mas de grande impacto na vida de cada bolsista; e amanhã mais diretamente com o provável esvaziamento das unidades brasileiras da empresa. Assim, parece nos deixar pressentir o que poderá a vir: uma grande leva de demissões que jogará a região do Vale do Paraíba numa crise farsesca que não deixará de afetar a vida de milhares de nós.

Micael Rodrigo de Oliveira e Silva, 29 anos, Engenheiro pela Unicamp e pela Ecole Centrale de Paris graças à formação no CEJW

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Dentro de cinco anos não

    Dentro de cinco anos não teremos sinais da existência da Embraer no Brasil.

    Somos um bando de idiotas com bunda mole.

    Só isto explica a existência de um governo como este no Brasil.

  2. Bom-mocismo acima de tudo

    Sob o aval de um governo federal questionável, tudo parece apontar para a criação de uma empresa com controle da norte-americana…

    Em pleno julho de 2018, ainda se escreve “governo questionável” e “tudo parece apontar para a criação de uma empresa com controle da norte-americana…”

    Somos um país de Polianas. 

  3. Ines morta

    A maior parte da Embraer ja nao é mais nacional já tem algum tempo , a ´´importancia ´´da empresa vinpa sendo a de garantir empreg5os de qualidade para quem nao segue carreira academica no ITA.

  4. Viralatismo dentro da Embraer

    Tenho um um primo que trabalha na empresa a uns 30 anos, e a filha dele, minha prima, já está na empresa a uns 7 anos.
    Ambos estão felizes demais com a venda para a Boeing.
    O Meu primo, por acreditar que vão aposentalo super bem.
    Minha prima, por acreditar que será transferida em algum momento, para o EUA. E ela tem o sonho de ser americana.
    Enfim..
    Assim segue nossos bravos cidadãos de bem, com seus “american dreaming”

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