Uma educação para a vida; não para o mercado

A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, declarou recentemente que o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) vai receber, até o final de 2014, investimento de R$ 14 bilhões. O programa, criado em outubro de 2011, contabiliza mais de 4,6 milhões de alunos – somados os atualmente matriculados e os já formados; e tem como objetivos capacitar os jovens das camadas mais populares e preencher as lacunas do mercado de trabalho.

Porém, a pergunta que não quer calar é: os jovens de 14 ou 15 anos, às vésperas de concluir o ensino fundamental, estão prontos para decidir o seu futuro levando em conta seus reais desejos e anseios sem a ajuda de um orientador profissional? De acordo com o que tenho visto nas análises que faço em meu trabalho e  com os estudos atuais de diversos pesquisadores de gestão de carreira, sem orientação adequada as escolhas desses jovens recaem sobre o que “dá dinheiro logo” e não sobre o que realmente querem e o que gostam de fazer. Isso fica pra depois. Mas esse depois será quando? Quando estiverem idosos?

Voltemos então ao esquema montado: o jovem escolhe um curso técnico no PRONATEC focado na parte financeira. Mas só isso será suficiente para mantê-lo estudando até o fim do curso? Há fortes indicações de que o programa do governo tem um índice de evasão preocupante.

De acordo com uma matéria do Jornal Valor Econômico, publicada no dia 16 de setembro deste ano e assinada por Luciano Máximo, um funcionário do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) afirmou que a evasão entre os alunos do PRONATEC varia de 30% a 40%, embora tais números não sejam confirmados oficialmente. Ainda de acordo com a reportagem, em locais como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o próprio IFBA, o índice de abandono dos alunos no programa é bastante superior à média verificada no ensino médio brasileiro, que fica em torno de 10%.

Fico espantado, portanto, que o governo federal acredite que jovens de 14 anos de idade sejam capazes de escolher com segurança um curso técnico e pensar num projeto de vida sem um trabalho de orientação profissional direcionado para ajudá-los.

Não basta apenas jogar 14 bilhões de reais em formação tecnológica, no caso do PRONATEC, sem destinar (pelo menos) uma pequena parte desse valor para capacitar professores e contratar orientadores educacionais ou profissionais que possam ajudar o jovem em sua escolha para evitar ao máximo a evasão (e todo o prejuízo que esta causa aos cofres públicos e à própria vida dos estudantes).

Se considerarmos que o abandono nos cursos superiores brasileiros (quando o adolescente é mais velho e em tese pode decidir melhor seu futuro) beira os 50%, imaginem como ficará a evasão em cursos onde com 14 anos você tem que definir de cara “o que quer ser quando crescer”?

A impressão que eu tenho é a de que o governo federal parece mais interessado em habilitar os jovens o mais rápido possível para o mercado de consumo, desconsiderando o que disse o psicanalista austríaco Sigmund Freud em seu clássico texto de 1930, “Mal-Estar na Civilização”, no qual afirma que o trabalho pode ser fonte inesgotável de satisfação, se investirmos tempo e energia na escolha do mesmo.

Escolhas profissionais erradas, ainda segundo Freud, não deixam de causar impacto na sociedade: “A grande maioria das pessoas só trabalha sob a pressão da necessidade, e essa natural aversão humana ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis.”

A meu ver, a política educacional do Brasil faz exatamente isso, quando não oferece orientação para a carreira e para um projeto de vida desde cedo: retira dos jovens o poder de escolher a profissão mais adequada aos seus anseios, sonhos e temperamento; os desencoraja de seguirem por esse caminho ao substituir essa necessidade por outra considerada mais urgente: a de ganhar dinheiro.

Nesse raciocínio, quem sabe assim os jovens possam até comprar uma geladeira – pelo programa “Minha Casa Melhor” – e aos 50 anos quitar o financiamento do imóvel adquirido pelo programa “Minha Casa, Minha Vida”, ambos da Caixa Econômica Federal. Isso tudo, logicamente, após fidelizarem seu voto nos componentes do atual governo que, “de forma tão socialista”, propiciou subsídios para que estes jovens deixassem a pobreza.

A conversão do sentido de felicidade em poder aquisitivo, que coloca o consumo como principal fonte de prazer, conduz a muitos dos equívocos da educação brasileira.

Ao privilegiar o mercado de trabalho e alimentar a engrenagem capitalista, ela ainda representa um contrassenso, já que o atual governo se estabeleceu no poder a partir do discurso de esquerda. Como entender de que lado realmente estão os nossos dirigentes? Estariam de fato tomando partido da população ou apenas defendendo os interesses de mercado?

Lembro-me, então, das palavras do atual presidente do Uruguai, José Mujica, em seu discurso na 68ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro deste ano, no qual criticou o sistema capitalista e o individualismo:

“(…) A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De pulo em pulo, a política não pôde mais se perpetuar e, portanto, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha da vidinha humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio. (…)”

O foco capitalista de nossa educação começa na discreta aprovação automática nas escolas municipais. Continua ao matricular oito milhões nos cursos técnicos e ao direcionar o ensino médio apenas para a aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com uma grade curricular desprovida de disciplinas que abordem noções de direito civil, direito do consumidor, empreendedorismo e marketing,  concentrada apenas nos simulados para o vestibular.

Ao final de tudo, o Programa Universidade para Todos (PROUNI) surge para realizar o “sonho do jovem universitário”, com os candidatos sempre escolhendo os mesmos cursos – principalmente os que “garantem o futuro” sob o ponto de vista financeiro. E é exatamente por isso que entre os mais de 360 cursos superiores, 52% das inscrições são para os mesmos seis: quatro deles por serem “sinônimos de sucesso” de acordo com o imaginário popular e os outros dois por serem considerados “mais fáceis e baratos” de cursar e por apresentarem menor relação candidato/vaga.

A felicidade virou “poder consumir”; e isso não apenas nas camadas populares. Os adolescentes abastados estão presos às mesmas roldanas, ao correrem para as escolas que mais aprovam no ENEM e ao sonharem com a aprovação em um concurso público única e exclusivamente para terem salários polpudos.

A grande questão é que este jovem pode, quem sabe um dia, arrepender-se das escolhas erradas que fez e do tempo que perdeu, para só então  enxergar a falha  na “matrix”. (uma expressão que quer dizer aqui “ver as coisas como são”, ao remeter ao filme americano e australiano de mesmo nome, lançado em 1999, que trabalha em sua história a noção de que o mundo não é o que parece).

Isso tudo porque o jovem não teve orientação de carreira lá atrás, quando precisava, como milhares de outros, hoje em dia e no passado; apesar dessa necessidade constar como primordial no segundo parágrafo da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação.

E pensar que o Brasil, que apesar de hoje não ter o menor respeito pela importância dessa profissão ao não considerá-la fundamental nos processos educacionais, tem tradição nesse tipo de trabalho desde 1924, quando a profissão foi criada por aqui, sendo inclusive regulamentada pelo decreto nº 72.846, de 26 de setembro de 1973, que diz em determinado trecho que são atribuições privativas do Orientador Educacional coordenar  a orientação vocacional do educando, incorporando-o ao processo educativo global, sondar seus interesses, aptidões e habilidades  e inseri-lo no processo de informação educacional e profissional com vista à orientação vocacional.

Nosso país detém ainda o título de ser o primeiro do mundo a ter a orientação educacional proclamada como obrigatória através de documento legal, o que ocorreu na Reforma Capanema, em 1942.

Mas e o nosso estudante do PRONATEC? Esse vai trabalhar, consumir e morrer; mas votou. E vivam os 14 bilhões! Cada vez mais, consigo enxergar claramente para onde vai o dinheiro do pré-sal destinado à educação: para alimentar as engrenagens do “deus” mercado.

“Ostra feliz não faz pérola”

Rubem Alves

Eliseu Neto é membro do diretório do PPS-RJ, psicanalista, psicólogo e gestor de carreira

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Eliseu Resende, excelente

    Eliseu Resende, excelente texto. Mas como a educação Brasileira, na minha opinião o autor esta no rumo errado politicamente, pois vai exigir dele força herculea para tentar mudar o pensamento dos lideres do PPS, praticamente um braço do PSDB/DEM

  2. Orientação educacional e iniciativas públicas

    Concordo com o que foi dissertado sobre a imaturidade do jovem ao se escolher/optar por uma profissão, devido à inexistência da figura do orientador educacional, com importância subestimada em nosso país. Agrega-se a isto, uma matriz curricular estanque, do ensino fundamental ao médio, em que não se estimula a curiosidade, salvo exceções de algumas escolas privadas e públicas que, de forma autêntica e corajosa, proporcionam um conteúdo de vanguarda, mesmo que seja para ensinar coisas “arcaicas” como bordado, tricô, marcenaria, entre outras Artes esquecidas no tempo da tecnologia de ponta, em que muito se consome e se partilha (não a verdadeira partilha, a solidária, mas a partilha de fotos e textos instantâneos, de essência inconsistente, através dos mais modernos aplicativos). Obviamente que esta tecnologia é desejável e pode ser bem utilizada, sim, mas é preciso a “tal” da orientação educacional nas escolas( e… aonde ela está mesmo??). Mas para não correr o risco de discorrer apenas sobre a parte “meio vazia” do copo, saliento que a parte “meio cheia” compreende boas iniciativas no sentido da orientação educacional. Dois  programas do CNPq merecem destaque: o PIBIC Júnior – que permite ao estudante de ensino fundamental e médio de escolas públicas adentrarem aos muros da universidade precocemente e desenvolverem projetos orientados por docentes de áreas diversas, recebendo um subsídio mensal pequeno, mas estimulante – e o PIBIC Ensino Médio – uma variação do anterior, voltado a alunos apenas do Ensino Médio. Tais programas, em minha opinião, são valiosíssimos, justamente por permitir ao jovem inteirar-se das universidades existentes em seu município/ região, os cursos oferecidas por elas, além das linhas de pesquisa desenvolvidas pelos docentes. É possível, nestes casos, que o aluno não se interesse por nada do que lá existe e, só por este motivo, o programa já tem seu mérito – o de excluir possíveis escolhas erradas quanto ao curso superior a ser cursado -, ou destaque grandes talentos, que sem a orientação responsável, passariam despercebidos pela vida.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador