“Vai, então levanta e anda, levanta e anda!”

Por Odonir Oliveira

Em todos os anos em que lecionei em São Paulo, estive entre os meninos das escolas  estaduais de Carapicuíba e as particulares da Granja Viana e depois na Vila Romana. Estive nas escolas municipais entre os jovens do Jardim Santo Elias em Pirituba, e os do Morumbi. Sempre rompendo muros de um lado e de outro com a mesma força. Integrando alunos dos bairros ricos aos dos bairros pobres, com campanhas de doações de livros, de socialização das conquistas de uns a outros, com visitas aos mesmos equipamentos culturais ao lado de uns e de outros. E comigo outros tantos colegas de ofício.

Sentia que não eram uns e outros, mas apenas eles e eu, eles e o mundo, eles e a vida em São Paulo e no mundo.

Aprendia com elas, enquanto lhes ensinava as coisas mais elaboradas do conhecimento formal e ao mesmo também aprendia quando me ensinavam como eram, aquilo que queriam, como se sentiam.

Em 40 anos de ensino, pude, como poucos, medir e sentir as diferenças entre o tratamento dado a pobres e ricos, os valores ensinados em suas famílias, as dificuldades de relacionamento entre “os mais iguais e entre os mais diferentes”. Antes dos rolezinhos concretos, constatei rolezinhos emocionais, religiosos, funcionais e suas diversas formas de repressão.

Certa vez, jovens adultos alunos de escolas da periferia de SP foram convidados a se sentar no chão do Theatro Municipal para não sujarem as cadeiras do salão nobre. Aconteceu quando estava na Secretaria de Cultura, desenvolvendo “Educação é cultura”, em que eu elaborava projetos pedagógicos a serem desenvolvidos por professores em suas escolas, envolvendo todas as disciplinas – preparando os alunos , recheando-os- para o saboreio de um espetáculo teatral, de uma apresentação de coral lírico ou de música de câmara. Para que tivessem acesso a tudo o que é de todos. Um teatro municipal, literalmente, pertence aos munícipes, portanto há que se frequentá-los.

Occupy, occupy!!!

Quando receberam material escolar “de graça” e também uniformes nas escolas municipais, procurei elaborar projetos pedagógicos globais – com todas as disciplinas – para que calculassem quanto havia custado tudo aquilo aos cofres públicos, como deveriam ser conservados etc.o mesmo com a merenda escolar, lembrando aos meninos sempre que tudo aquilo estava sendo pago pelos impostos de todos os cidadãos, por aqueles que mantinham seus filhos nas escolas públicas ou não. Trabalhando sempre o conceito de cidadania, de igualdade cidadã . E isso eu levava para a parte pedagógica também. Aulas bem preparadas e bem executadas para os mais pobres e para os mais ricos também. Retornos sempre melhores entre os mais pobres, é claro. Muito mais valorizada como professora, me sentia poderosa e “vitaminada” por seus abraços e afagos cotidianos. Aprendi a gostar de ser autora de meus projetos, de minhas aulas diferenciadas, de estudar mais em momentos em que poderia estar me divertindo apenas, e com merecimento. Mas lecionar SEMPRE FOI PRAZER MAIÚSCULO!

Então, durante todos esses anos aprendi com meus companheiros de ofício a fazer aulas mais dignas de nossos alunos, fosse nas periferias com meninos  fora da faixa etária adequada,  com jovens carentes de afeto e em situação de abandono ou de semi-abandono, quer por pais nas favelas quer por pais em Miami e Paris…

Cresci vendo, e digo cresci porque cresci mesmo, no sentido mais alto, ao me misturar com gente. Ao compreender gente. Ao quebrar a cabeça pra romper muros e ensinar a nós mesmos a aprender a ser GENTE, assim maiúscula mesmo.

Creio que a educação tenha muita força. As escolas podem mudar  esse estado trágico de coisas que se vê, principalmente em SP, por falta de informação, formação ou até mesmo de simples esclarecimentos. Não sozinha, professor sozinho faz pouco para poucos, mas juntos… fazem muito para muitos. Testado e comprovado!

Não podemos perder pra uma rede de televisão ou duas, pra um, dois, três jornais, pra uma, duas, três revistas. SOMOS MAIS E MELHORES QUE ELES NO SENTIDO CIDADÃO E COLETIVO DO SER!!!

“Então, levanta e anda, levanta e anda, vai!”

https://www.youtube.com/watch?v=ESYs8QxG6ao

Redação

8 Comentários

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  1. Falou e disse!

    Meu respeito Mestrinha

    “Cresci vendo, e digo cresci porque cresci  mesmo, no sentido mais alto, ao me misturar com gente. Ao compreender gente. Ao quebrar a cabeça pra romper muros e ensinar a nós mesmos a aprender a ser GENTE, assim maiúscula mesmo.”

    Um garoto oriundo de um área tomada pela galera da mal, envolvida com drogas, prostituição, estimulantes sexuais, bombas para bombados, boa noite cinderela, incluindo ligação com traficante de armas, está trabalhando pra mim, há mais de dois meses.

    Minha cunhada esteve, por duas semanas, no Brasil e aceitou a minha seguestão para pintar a grade da casa da mãe dela, que estava meio perrengada.

    Indiquei o garoto de dezesseis anos e ele levou um amigo para ajudá-lo, agilizando a pintura e o retorno para a minha casa que ainda tem alguns ítens pendentes (ele voltará hoje).

    Minha cunhada, que faz pós-graduação na GW – sem arcar com os elevados custos dos créditos por atuar na área contábil da própria universidade -, contou que sentava-se à mesa da varanda da casa da mãe dela apenas para ouvir e curtir o palavreado repleto de gírias dos dois garotos, enquanto trabalhavam na frente da casa.

    Ela destacou a argumentação bem formulada, a razoabilidade da fala e a inteligência diferenciada dos dois “malandrinhos”.

    Lamento que eles nunca terão a chance – talvez nem queiram – de adquirir uma boa formação acadêmica para abrir as portas do próprio mundo.

    *

    W. me convidou para assistir, ontem, brigas de galos em uma fazenda distante 45 km daquí, localizada em uma cidadezinha próxima.

    Quando eu disse que a prática é proibida por lei e que há o risco de cair “na mão dos hômi”, ele informou que o local estaria cheio de policiais, incluindo da PF, para fazerem as suas apostas.

    *

    Tá ligada?

  2. Levanta e anda

    Fundo do poço. Vai

    Fundo do poço. Vai.

    Não adianta esperar, não adianta esperar… Que a coisa vai.

    O paradigma cultural das regiões colonizadas por portugal e espanha somente mudara com o fundo do poço.

    Como isto se dara que são os quinhetos da historia.

    Na frança teve as guilhotinas.

    Na russia o massacre da familia imperial.

    E na america latina?

    Vai saber…

  3. E vamos em frente

    Odonir, belo relato e bela vida profissional tiveste. So não gostei de saber que alunos de escolas da periferia de SP tiveram que se sentar no chão do Theatro Municipal para não sujarem as cadeiras do salão nobre. Um Teatro, um templo onde toda as pessoas são iguais entre elas. So no teatro isso era possivel. Essa igualdade de todos os gêneros e etnias. O templo grego de busca da democracia suprema. E então leio que em SP, o teatro coloca as crianças pobres no chão para não sujarem as poltronas dos “nobres”. Sinto profundamente que até no teatro haja separatismo. Eh claro que sei do elitismo nas artes, mas quando ela decide abrir suas portas aos que nela não podem frequentar normalmente, deveria fazê-la inteiramente. Jamais com a arma que o teatro e todas as artes sempre combateram: o preconceito.  

    1. Não sentaram no chão. Sentaram nas cadeiras de veludo.

      Brigamos por eles, nos indignamos, os professores e eu. Sentaram-se nas cadeiras. 

  4. Educadores

    Odonir,

    Minha atividade com crianças e jovens sempre esteve fortemente focada em Supervisão Pedagógica e Coordenação, mas não exclusivamente. Para minha própria formação, estive em sala de aula e depois, profissionalmente, quer para substituir um professor quer para a aplicação de provas – fiz isso muitas vezes e era detestada – e todos sobrevivemos, eu e eles.  E devo dizer, é dificílimo.

    Sempre me chamou a atenção a enorme decepção e desconfiança dos jovens em relação aos adultos. Não importa se incompreensão, imposta por diferenças geracionais cada vez mais acentuadas pela rapidez exponencial das mudanças, ou se experiências e reforços negativos recebidos desde sempre nas piores condições familiares.

    Não, não estou falando dos seus alunos e nem dos meninos do JNS!  Estou falando de meninos, meninas e jovens de famílias “constituídas”, de lares com recursos materiais, de crianças em cuja casa há um quarto, uma cama, uma mesa de estudo que não precisam compartilhar.

    E o que é isto então?

    Isto, Odonir, é pão sobrando mas amor faltando.

    Amor, Odonir, não o tablet, não o celular ou o tênis.  Importantes, mas não vitais.

    Amor que diz não ao que é inapropriado, ao que é danoso e errado.

    Me solidarizo com todos os professores – da vida – pois a competição é injusta. E não só com o mundo material, palpável.

    Aos teus alunos e teus pares nesta missão de valor, homenageados por você nessa beleza de post, temos que oferecer a nossa vigilância, a nossa compreensão e a nossa firmeza.

    A todos os adultos, lembrar que a educação não é o que a escola, o professor e os esportes coletivos proporcionam – não somente – em ambiente protegido e institucional. Como Supervisora Pedagógica, nas reuniões de pais, fiquei rouca de lembrá-los.

    Educação é o que fazemos diante dos olhos dos jovens; é não furar a fila porque se está com pressa e depois dizer ao garoto: “Este caixa (do banco) é muito lento, estava atrasado. Mas não faça isso!”.

    Farão. Farão sentindo-se justificados e excusados por tudo que nos viram fazer.

    Rendamos homenagens – hoje especialmente a você pelo relato – aos professores, mas antes rendamos homenagens aos jovens e crianças, que nos assistem todos os dias, no prosaico do cotidiano, agindo como EDUCADORES em tempo integral e para a vida.  Só assim eles poderão estabelecer parâmetros, discernir e escolher o melhor caminho.

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