O voto da periferia: Por que João Dória?, por Danilo Sartorello Spinola

Apesar de nossos lamentos por parte da esquerda, cabe uma reflexão autocrítica. As apostas exitosas de inserção via consumo dos governos Lula/Dilma geraram uma força política que, paradoxalmente, rejeita o próprio projeto econômico-social progressista

do Brasil Debate

O voto da periferia: Por que João Dória?

por Danilo Sartorello Spinola

Há uma tendência na tradição política brasileira que vem do nosso senso comum em acreditar que o projeto político da esquerda esteja associado aos interesses da grande massa populacional e da classe trabalhadora. Por outro lado, associa-se à elite o projeto político de direita.

Pois, nos meses que antecederam as eleições municipais, em um dos raros momentos da política brasileira, tivemos um candidato que abertamente defende um projeto liberal, privatista e que se põe como o representante da classe empresarial capitalista. O resultado, para muitos inesperado, foi a vitória de tal candidato no primeiro turno nas eleições municipais da maior cidade do país.

A surpresa maior se dá ao observar a eleição por subprefeitura. Não foi uma eleição polarizada. Praticamente toda a cidade votou em João Dória. Foi a eleição de um candidato. As causas explicativas desse fenômeno são distintas e vão desde os efeitos da Lava Jato e a descrença com o PT até uma tradição conservadora dos paulistas (os mesmos que recentemente elegeram Haddad, Marta e Erundina).

No entanto, o fator que quero destacar é como um candidato tão caricato como representante da elite paulistana, que rachou o próprio partido, pôde ter apoio tão maciço nas periferias.

Dória é o que almeja ser o paulistano. É o típico referencial. O mito do self-made man. Um empresário dito de sucesso, homem com acesso ao mais luxuoso padrão de consumo. Aquele que pode tomar as decisões que quiser, que pode pegar seu jatinho de manhã com uma linda mulher para comer caviar em Miami e terminar a noite caminhando pela Champs Elisée em Paris. Como Dória chegou a isso, cabe ignorar, mais vale crer no mito da meritocracia.

Apesar de nossos lamentos por parte da esquerda, creio que cabe a esta uma reflexão autocrítica. As apostas exitosas de inserção via consumo dos governos Lula/Dilma geraram uma força política que, paradoxalmente, rejeita o próprio projeto econômico-social progressista.

As pessoas, cada vez menos, almejam ou acreditam no acesso ao bem-estar, mas buscam, sim, mais ter dinheiro para pagar por ele. Um prefeito como Haddad, que deu alguns ares civilizatórios à cidade não cabe na equação.

A visão de coletividade do processo social ganha ares de hiper-individualismo na chamada classe C e D, e a eleição de Dória deixa explícito quais são suas preferências. Querem ser Dória. E isso fez Capão Redondo em massa apoiá-lo.

E deixo um elemento mais crítico. Se há uma força social que, sim, une a periferia, ela está centrada no poder das igrejas evangélicas, em sua maioria abertamente ultraconservadoras.

À esquerda cabe pensar a partir desse dado. Como recolocar em debate às periferias (e também às elites) um projeto progressista? Um projeto de bem-estar que deixe claro a necessidade da sociabilidade e da vida em coletividade, aquela da constituição de 1988?

Que defenda interesses de minorias, mas sem impor conjuntamente a tal defesa de um projeto que contrarie as aspirações das classes sociais emergentes? E que defenda, antes de tudo, a democracia?

Ou seja, um projeto republicano que fortaleça um sentimento de solidariedade orgânica que avança em um sentido cada vez mais fragmentado, mas que é fundamental e necessária para enfrentar os desafios do desenvolvimento, da superação das desigualdades, melhoras da saúde, educação, infraestrutura e redução da criminalidade…?

Fica aberta a reflexão.

Danilo Sartorello Spinola –  É doutorando em Economia no Maastricht Economic and Social Research Institute on Innovation and Technology (UNU-MERIT) e pesquisador colaborador no Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da Unicamp. Economista e sociólogo pela Unicamp, mestre em economia pela Unicamp, foi consultor na CEPAL-UN

 

Redação

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  • Sou um cara de esquerda, mas

    Sou um cara de esquerda, mas um problema sério que vejo no meio esquerdista é uma certa tendência em querer impor valores que são diferentes das aspirações das pessoas no campo dos negócios e liberdades individuais.

  • Creio que, finalmente, alguém

    Creio que, finalmente, alguém fez a leitura mais acurada da realidade e a partir daquela máxima deliciosa: quem gosta de pobre é intelectual.

    Por favor, esqueçam a Globo, o PIG, as teorias conspiratórias. Se quiserem a resposta, basta olhar para o smartphones e aquilo que cada um faz para ter acesso a um troço deles. Gente que não tem condição de pagar por uma escolinha de bairro para os filhos se mata para ter um I-Phone.

    Vejam a promessa que cada igreja evangélica faz e que atende aos anseios desse pessoal "analfabeto político" mas profundamnete em linha com o que qualquer ser humano quer: CONFORTO  e BEM ESTAR. Os pastores passam a mensagem de que a qualquer um é possível um reino de maravilhas materiais, desde que honrem ao senhor, paguem o dízimo e TRABALHEM para isso. Foco e disciplina é o que eles (os pastores), ao final, recomendam, sob a égide da bíblia.

    Esse pessoal ABOMINA ações feitas, por exemplo, pela a militância política que bloqueia rua e os impede de cumprir os mandamentos do Senhor. É um pessoal idiota, por acaso? Não, meus caros: são extremamente inteligentes. Se assim fazem, se assim agem, é que - pela prática - perceberam que dá resultado. Viram no Doria alguem que é extamente o que o articulista afirmou: um referencial. O sucesso perseguido e alcançado. Um arquétipo, enfim.

  • "À esquerda cabe pensar a

    "À esquerda cabe pensar a partir desse dado. Como recolocar em debate às periferias (e também às elites) um projeto progressista? Um projeto de bem-estar que deixe claro a necessidade da sociabilidade e da vida em coletividade, aquela da constituição de 1988?"

    A essa pergunta, cabe apenas uma resposta:

    Deixá-los voltar (e isso é um vaticínio inexorável) a condição de miseralibidade, passarem fome novamente e perderem os empregos, que aliás, já estão perdendo.

    Em síntese: não adianta gastar vela com defunto ruim.

    Poderia elencar aqui uma série de medidas para que o campo progressista sedimente suas raízes nas classes menos favorecidas, mas essa é outra história.

    Apenas dois exemplos:

    Quebrar a vértebra dos 5% das elites. Afinal de contas Mário Ségio Cortella tem razão ao dizer que os "95% de trabalhadores precisam crer que os 5% de canalhas não são invencíveis".

    E o segundo é a reforma eleitoral, porque essa pequena mexida, mostrou o impacto que teve nessas eleições.

    Let it be.

  • Periferia e Esquerda

    Vai um post que li na timeline do Audálio Dantas - escrito por Renan Sukevicius

    A ESQUERDA GOSTA DA PERIFERIA?

    Eu morei na periferia de São Paulo por quase 20 anos. saí de lá porque comecei a construir minha vida profissional fora dela. e tenho a clareza de que qualquer revés no meu emprego me joga para o outro lado da ponte de novo. minha família, meus amigos e boa parte das minhas referências estão lá, distantes 30 quilômetros do centro.

    A periferia é a completa falta de direitos básicos; moradia digna, esgoto, educação, saúde, transporte, lazer. você gostaria de morar num lugar onde falta tudo isso? ninguém quer.

    20 anos no Grajaú e eu nunca vi chegar esgoto, meus amigos. lá tudo vai pra fossa! 20 anos no Grajaú e uma porrada de ruas são de terra! você moraria num lugar assim?

    O que o Haddad fez no Grajaú, por exemplo? alargou a avenida Belmira Marim, única saída para o centro da cidade. e há quem possa atribuir o feito a um vereador qualquer que meteu uma placa lá dizendo que foi ele quem fez. Construiu também ciclovias nas avenidas Hum e Teotônio Vilela. Legal, mas quem encara ir de bike para o trampo em um percurso que de busão dura em média duas horas? de todas as necessidades urgentes da periferia, a ciclovia era mesmo necessária? alargar a Belmira Marim fez alguma diferença agora com tanto carro passando lá diariamente? li uma matéria que dizia que daqui um tempo vamos olhar pra quem tem carro com o mesmo olhar julgador que lançamos sobre quem fuma. pois saibam que a galera na periferia ta descobrindo o prazer de tragar um bom cigarro. e não é eight, nao. é marlboro.

    a periferia é outro universo porque nasceu assim, nunca fez parte da cidade. e ninguém fez questão de integrá-la. lá são outras leis, outros ídolos, outro modus operandi - pra usar um termo em latim alinhado ao novo governo.

    de uns tempos pra cá, a periferia virou um espaço exótico para os olhos curiosos de fora. tema de novela, caldeirão cultural, o criolo começou a tocar na europa e o mano brown começou a se apresentar em casas de shows na Vila Olimpia.

    Ficou legal morar na quebrada! Mas ninguém se atreve a mudar pra lá, né?

    pra entender porque a marta venceu em parelheiros e no grajaú é só ver como ela transformou a vida das pessoas por lá quando foi prefeita. a marta, aquela que diziam que era madame, ainda do PT. daí vem Haddad, licenciado da bolha acadêmica, que a favela inteira apostou, e fez o quê? vai lá perguntar no Grajaú o que mudou nesses quatro anos na vida do morador…

    se eu fizer a mesma pergunta aqui em perdizes para um morador não raivoso-fora-PT-indústria-da-multa ele vai me dizer uma lista de benfeitorias. todas legítimas.

    A questão é que há uma diferença entre o que São Paulo quer e o que a periferia de São Paulo precisa. E a esquerda - essa esquerda aí universitária, baixo centro, paulista aberta - não sabe ler isso.

     

    • Periferia e Esquerda

      É a segunda análise que verifico nesse conceidto o que faz realmente sentido.

      Cabe colocar que o poder de fogo gerado por todas as vias de comunicação contra o modelo atual, somado aos equívocos da esquerda atual, pesou muito na opinião pública.

      O povo, convencido que fora esquecido e cansado da inércia gerado pelas "brigas políticas" mal esclarecidas, rebelou-se para a esperança do novo.

      Com o público protestante crescente na Periferia, seguindo seus líderes declaradamente contra os modelos de esquerda, determinou-se um caminho de uma só via para essas pessoas.

      Abraços,

    • Facul, saúde, transporte, wifi, cultura na perifa não conta?

      Faculdade nos CEU's, novos CEUs e creches foram construídas para a perifa. Rede hora certa e hospitais também foram construídos para atender a periferia. O zoneamento urbano foi para levar emprego do centro para a periferia e moradia popular para o centro (só que levará algum tempo para o resultado aparecer). Corredores do ônibus é para quem mora na periferia ganhar tempo. Ônibus de madrugada é pra garçon, trabalhador que mora na perifa. Bilhete único é para quem mora na perifa circular à vontade pela cidade no fim de semana. Cinema nos CEU's é lazer para a periferia. Wifi em ônibus e praças é para a periferia.

      Ah... Incêndios em favelas e mortes por desabamento em áreas de risco sumiram do noticiário. Será por quê?

      As vezes o prefeito faz quase tudo certo - dentro das possibilidades - e erra pouco em termos de políticas públicas, mas uma tempestade perfeita nubla e atrapalha a população ver.

    • Subprefeituras

      Nem sei como ficou depois, mas logo no início da administração Haddad, uma das mudanças de que ele se gabava era a de só ter nomeado funcionários de carreira para o cargo de subprefeitos. Noutras palavras, despolitizou a atuação ali, juntinho do cidadão. Lembremos que uma das principais críticas a Doria é essa balela ridícula de que não é político. Pois bem, Haddad, pelo menos no início, também prestigiou a não-política.

      Fui, com muito orgulho, servidor da Prefeitura de São Paulo, e minha mulher é testemunha, fui crítico da boa intenção do Haddad. Ainda mais que trabalhei bem no início das subprefeituras, na administração Marta, e tive um subprefeito político, morador histórico do bairro, que conhecia cada quebrada, que sabia das deficiências e qualidades do bairro e que respeitava os funcionários de carreira mais do que muitos de nós respeitávamos uns aos outros.

      Já a ideia de Haddad não sei se foi boa, ainda mais que os resultados demonstraram que pode ter faltado um pouco de atuação política nas periferias, coisa que a burocracia, tão bem representada por servidores, não supriria. 

      Repito que sinceramente não sei se depois ele corrigiu, mas no início teve essa ideia (jogo pra plateia), a meu ver não muito feliz.

  • Como dizia um famoso

    Como dizia um famoso carnavalesco: "Pobre gosta é de luxo!" E o que o pobre viu em João Dória foi isso - luxo.

    Ele representa a forma mais cínica do luxo: se mostra rico sem provar que trabalhou para isso; mostra-se empresário, sem ter empresa construída de verdade; mostra-se envolvido no nada - ele se envolve sempre com o nada, vive sempre fazendo o nada, ele é o nada mais absoluto... mas o povão o "vê" como se ele não fosse uma pantomima.

    Pronto! São Paulo quer, merece e tem. 

  • São Paulo, tá tudo dominado

    São Paulo, tá tudo dominado pelos tucanos.

    Desconfio dos resultados eleitorais daquela provincia desde a eleição de 2014, onde o senador palyboy teve muito mais votos do que demonstravam as pesquisas de boca de urna.

    Sei que institutos erram, mas erro grande demais acho meio improvável. Ainda mais em boca de urna.

     

  • A esquerda não conhece a cabeça do pobre

    No Brasil, é ABISSAL a disparidade entre as condições de vida e os universos cognitivos e afetivos dos intelectuais e do povão.

    Exercício simples. Leitor paulistano deste blog, que deve fazer parte do universo dos letrados e possuidores de maior capital simbólico: pergunte ao porteiro do seu edifício, à faxineira, ao flanelinha, ao empacotador do supermercado, que diferença o interlocutor acha que existe entre o Haddad e a Marta.

    Quantos destes sabem que Marta saiu do partido do Lula, que virou casaca e aderiu a um partido de traíras golpistas, que deixou de estar do lado dos pobres por inveja da Dilma? 

    Marta teve 14 por cento dos votos em SP. Ninguém está levando isso em conta. Os que votaram nela, fugiram do Haddad porque ele está sendo bombardeado dia e noite pela mídia, mas reconheceram o legado da administração da Marta para o povão.

    Somados, os votos da Marta, do Haddad e da Erundina dariam... 35 por cento!

    Está faltando análise qualitativa do universo dos eleitores mais pobres, conduzida por antropólogos, gente boa de serviço. A esquerda conhece muito pouco a cabeça da parcela da população que ela deseja representar!

     

    • Não subestime tanto a população mais pobre.

      A maioria soube que Lula apoiou Haddad e quem não sabe responder em que partido está Marta é porque não está interessado em saber. É quem acha que a política está tudo uma merda, que partido é tudo igual e vota em quem acredita que será melhor prefeito.

      Assim como eu e você pensamos que Haddad é o melhor, tem gente que pensa que seria Marta pela sua gestão petista no passado, sem compreender ainda o que significa apoiar Temer. E Marta também não foi burra, ela não atacou Lula, atacou Dilma. A gente precisa aprender onde erramos, mas as vezes Haddad até fez o certo, cometeu poucos erros, mas cada eleição tem sua história e tem momentos em a tempestade perfeita desaba sobre nós e os adversários aproveitam.

      Em tempo: Marta teve 10% e não 14%. Somados Marta+Haddad+Erundina deu uns 30%. E mesmo somandos não daria para levar a eleição ao segundo turno.

  • O voto da periferia

    Vou relatar minha experiência. Trabalhei por muitos anos, em São Paulo, numa faculdade privada cujos alunos eram da classe C. Logo que o Prouni começou, lá pelos idos de 2005-07, houve um boom de alunos na instituição, todos bancados pelas bolsas do governo. Mas, o que eu mais ouvia em sala de aula, eram deboches e críticas dos alunos sobre o Lula porque ele não tinha estudo. Acho que ajuda a entender os votos no Dória na periferia.

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