Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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A carência de uma política estratégica para o setor energético brasileiro, por Renato Queiroz

Enviado por Ronaldo Bicalho

Do Blog Infopetro

A carência de uma política estratégica para o setor energético brasileiro

por Renato Queiroz

Quando estudamos as políticas energéticas de países desenvolvidos, observa-se que o papel do Estado evolui ao longo das conjunturas. Mas o que chama a atenção é a preocupação com a segurança e o comando do setor energético. Isso porque há um contexto geopolítico mundial e tecnológico com mudanças rápidas e ainda a administração da gula do capital financeiro.

Os policy makers nos países desenvolvidos não se fixam em posições tais como: privatizar ou não privatizar. A prioridade é sempre o controle do setor energético visando a segurança, em um sentido amplo, para o País. A segurança energética é um fator prioritário na agenda política dos países e seus formuladores buscam conhecimentos, até nos estrategistas históricos em guerra, para evitar a vulnerabilidade e dependência energética de seus países (QUEIROZ 2010).

“A pior cegueira é a dos que não sabem que estão cegos”. Clarice Lispector

A planificação estratégica visa o equilíbrio de forças. Nesse sentido, os interesses privados não devem ser poderosos o suficiente para ameaçar a supremacia do Estado, como regulador das diversas esferas econômicas.

É importante assinalar que as avaliações sobre o papel do Estado não escapam de pontos comuns entre especialistas em diferentes países, a saber: i) o Estado é o responsável principal para promover a segurança energética à sua população e deve desenvolver instrumentos para permitir ações estratégicas de longo prazo, independentemente de governos; ii) é primordial que as políticas energéticas tenham como norte uma oferta de energia ao menor preço; iii) a participação cada vez maior de fontes renováveis na matriz energética deverá ser uma condição imperiosa; iv) as políticas devem implementar ações que aumentem a eficiência energética no consumo de energia; v) devem ser propiciadas condições para que o país desenvolva novas tecnologias e processos inovativos, voltados à oferta e demanda de energia que permitam o estabelecimento de empresas nacionais pujantes e um dinâmico ambiente de negócios.

Esses pontos não encerram todas as ações de políticas energéticas sob o comando do Estado. Há decisões estratégicas que certamente não são transparentes, pois fazem parte das direções internas e geopolíticas das grandes potências. Um bom exercício é verificar como a China estrutura essa questão e buscar paralelos com o Brasil.

China: A determinação como uma característica essencial na elaboração de políticas energéticas

A China articulou uma estratégia nacional, inserida regional e globalmente, com atuação de fortes empresas estatais, levando o País a um modernismo impressionante. As políticas macroeconômicas, industrial, comercial, de ciência e tecnologia e de defesa devem estar a serviço da “grande estratégia” social e nacional, bem como da luta pela conquista ou “reconquista” de uma posição internacional autônoma e proeminente (PINTO 2017).

O mix energético chinês foi se alterando gradualmente para se adequar a uma realidade de mudanças climáticas, mas sem perder qualquer domínio sobre a melhor oferta energética nas condições existentes. Assim, o consumo de carvão, vilão que enevoou de gases os céus das cidades chinesas, veio caindo nas últimas décadas, mas sem qualquer ação que trouxesse uma insegurança no suprimento de eletricidade. Já o consumo de petróleo teve um declínio, nos últimos anos, enquanto o consumo de gás teve um aumento significativo, tudo dentro de uma política energética bem controlada, sem pressões que alterem os seus interesses como país. O impressionante foi a participação dos setores renováveis ​​(solar e eólico), que da situação marginal em 2000, colocou a China como líder mundial em energias limpas.

No 19º Congresso do Partido Comunista Chinês, em novembro de 2017, o presidente Xi Jinping declarou que o compromisso da China de liderar uma “revolução energética”, apontada no 13º Plano Quinquenal (2015-2020), foi renovada, tendo como meta principal a redução significativa das emissões de CO2 do país, particularmente as do setor de energia.

O plano estratégico da China vem seguindo seus objetivos com determinação. O país é um importante player no mercado global de energia renovável, líder mundial na exportação de painéis solares, por exemplo. A China detém a maior fatia de mercado dos investimentos em energia limpa em nível mundial. Ainda no combate às mudanças climáticas, busca, também, ser um líder mundial na geração de energia nuclear. No país, em 2010, antes de Fukushima, havia 11 reatores em operação, e 24 em construção. Atualmente são 41 reatores operando, com mais 17 em construção.

A China tem três empresas estatais que atuam na geração núcleo-elétrica e cada empresa associou-se a um fabricante tradicional de reatores nucleares. A partir da 4ª usina de cada tipo construída, a empresa chinesa passa a incorporar a tecnologia e a associar-se ao seu fornecedor como construtor de reatores (ABEN (2018).

O país montou uma estratégia industrial coordenada com recursos financeiros significativos, para aumentar a capacidade de inovação de suas empresas de energia e seu nível de autonomia em equipamentos voltados à energia. Em suma a China tem uma estratégia bem definida, visando a sua segurança energética e não se observam decisões vacilantes. Neste contexto, fica bem evidente que, sob uma cunha estratégica bem definida, a China vem construindo dentro do ambiente globalizado uma ação agressiva de atuação das suas empresas estatais, para que se tornem cada vez mais globais, ampliando seus investimentos no exterior. Entre as maiores empresas em faturamento no mundo, segundo a revista Fortune, a State Grid, estatal chinesa de transmissão de energia elétrica, ocupa o segundo lugar, seguida da Sinopec que é uma empresa de energia, fornecedora de produtos químicos e derivados do petróleo, com experiência em exploração onshore e offshore de óleo cru e gás natural. Ambas as empresas têm atuação no mercado brasileiro.

Verificando a distribuição dos investimentos chineses no Brasil desde 2003 (gráfico 1 abaixo), os setores de petróleo e gás e energia elétrica participam com 76% dos investimentos totais. O período intenso foi de 2010 a 2017 com 7 projetos no setor de petróleo e gás e 20 projetos no setor de energia elétrica (MP 2018).

Gráfico 1-Distribuição de Investimentos Chineses -Brasil- 2013-2018

FONTE: Ministério de Planejamento Desenvolvimento e Gestão

Brasil: Políticas energéticas ao sabor das oscilações dos governos

No caso do Brasil, as decisões de políticas energéticas não são de Estado. São de governos. Assim, as incertezas pairam sempre nas mesas de investidores, dos dirigentes de empresas (sejam estatais ou privadas), dos Institutos de Pesquisa etc. Vale citar a situação da Usina Nuclear de Angra III, que já é um “case” de falta de determinação na definição de políticas. O projeto é fruto do Acordo Nuclear Brasil – Alemanha, assinado em 27 de junho de 1975 e teve a sua construção paralisada nos anos 80. Em 2008 foi decidida a retomada da sua construção e a entrada em operação foi prevista para 2015, o que também não foi concretizado.

A retomada das obras apontou que seriam necessários vultosos investimentos, trazendo um impacto significativo no preço de venda da energia, o que trouxe hesitações na viabilidade da retomada do empreendimento. No presente ano, o governo divulgou que buscava uma solução para a retomada das obras da usina com novos aumentos na tarifa de energia elétrica e a renovação de financiamentos contratados com o BNDES e a CEF para liberação de novos recursos. Ainda anunciou que estudava a criação de um modelo que permitiria a entrada de um parceiro privado para a usina. Até o momento nada foi concretizado. O histórico nos mostra, assim, que não há um consenso se a conclusão da usina é estratégica para o país.

Em 2017, no entanto, o MME divulgou o Plano Nacional de Energia 2030 onde sob a denominação de estratégia de expansão da oferta de eletricidade apontou a necessidade de um acréscimo até 2030 de 4 GW em plantas nucleares (EPE 2007). Afinal, cabe a questão: há consequências do não cumprimento dessa estratégia que consta de um plano de longo prazo do governo? Seria apenas mais um estudo? O governo vem divulgando um novo plano agora com horizonte de 2050. Segundo declarações de representantes do governo, o PLANO 2050 vai apresentar novas indicações em usinas nucleares[1].

O concreto é que os especialistas não conseguem afirmar se o Brasil terá ou não mais capacidade instalada em plantas nucleares. Aqui não se trata de julgar se o País deve ou não ter mais MW nuclear em sua matriz elétrica. O que se aponta é que essa situação denota uma fragilidade nas decisões de política energética. Outro exemplo, nesse contexto, é a descoberta do Pré-Sal que, após 11 anos, já responde por praticamente metade do total de petróleo e gás natural produzido no Brasil. (…) Continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

1 Comentário

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  1. A carência de uma política estratégica para o setor energético b

    Muito importante iniciar essa discussão. O Brasil precisa discutir abertamente qual a sua politica energética. Basear na acumulação de água se esgotou devido a falta de entendimento ambiental (politica de cada parte ceder). As fontes renovaveis não vão suprir as necessidades nem dar estabilidade pois dependem de ter vento e ter sol. As fontes nuclear e térmica a gas dependem da discussão sobre o quanto vai impactar na emissão de carbono. E a água NÃO é infinita e o seu consumo deve ser discutido com outras áreas que a consomem. Não adianta a EPE fazer planos para 2030 ou 2050 ou para quando quiser. Deve existir uma dicussão abrangente com a população e os diversos estudiosos do Brasil e do mundo. Mas com esses governos que surrupiam o poder fica dificil obter credibilidade.

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