Apagão no Amapá e a necessidade de uma estatal forte, por Rita Dias

Diante da irresponsabilidade do setor privado, restou ao governo pedir ajuda à Eletrobras. A empresa de economia mista, que já está sendo sucateada, enviou equipamentos e técnicos especializados. Após a privatização, quem vai prestar socorro?

Crédito da foto da página inicial: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

do Brasil Debate

Apagão no Amapá e a necessidade de uma estatal forte

por Rita Dias

A situação é crítica no Estado Amapá. Falta energia em várias cidades do Estado e tudo aponta para a empresa privada Isolux, seja por incompetência ou má-fé, como responsável pela delicada situação por que passa a população. A informação divulgada na imprensa é que uma descarga atmosférica, ainda não confirmada, teria provocado a explosão do transformador na Subestação de Macapá, gerando um incêndio que, em seguida, teria atingido também o transformador reserva, tendo como consequência o apagão.

A empresa não tinha plano de emergência, nem pessoal ou equipamentos para promover o reparo da Subestação. Sem recursos, o governo teve que recorrer à Eletronorte, uma subsidiária da Eletrobras que está prestes a ser privatizada, para auxiliar no socorro. Enquanto isso, a ANEEL, agência que deveria fiscalizar a qualidade dos equipamentos e a manutenção, tanto dos que estão em operação quanto os reservas, mais uma vez foi pega de surpresa. Essa é uma situação que pode se repetir num futuro próximo em outros Estados e por isso é preciso exigir de imediato uma fiscalização em todos os ativos pertencentes à empresa Isolux, que se encontra em recuperação judicial[i].

A subestação que causou o apagão faz parte do Contrato de Concessão nº 009/2008, que previa implantação, operação e manutenção das instalações de transmissão de energia elétrica pelo prazo de 30 anos. Esse foi apenas mais um dos leilões de concessão de ativos estratégicos promovidos durante o governo Lula e nos diz um pouco sobre o tratamento dado ao setor de energia elétrica nos últimos 25 anos. Ele reproduz a visão de um modelo de setor elétrico segmentado, onde cada usina, cada linha de transmissão, cada equipamento é tratado separadamente.

As empresas ganhadoras dos leilões são aquelas que apresentam o preço mais baixo. Como resultado, tentam economizar o máximo em equipamentos, em pessoal especializado e em áreas fundamentais para garantir a segurança do fornecimento. Nesse modelo, não há escala para manutenção de pessoal e equipamentos reservas suficientes para emergências[ii]. Do ponto de vista das empresas, esse custo passa a concorrer diretamente com seu lucro e passa a ser atrativo apostar na sorte. Com isso, perde o sistema, perde a segurança do fornecimento de energia.

A falha no equipamento é evidência suficiente de que a empresa não possui mais as condições de manutenção da concessão. Nesse cenário, urge a necessidade de reestatização da linha de transmissão, de modo a se garantir a segurança da qualidade do fornecimento de energia elétrica para o Estado do Amapá.

Restou pedir socorro à Eletrobras. Mas por quanto tempo?

Diante da irresponsabilidade do setor privado, restou ao governo pedir socorro à Eletrobras. A empresa de economia mista, controlada pelo governo, atuou com espírito público por meio de sua subsidiária Eletronorte enviando equipamentos e técnicos especializados para ajudar na resolução do problema, revelando que permanece como único instrumento eficiente de política pública no setor elétrico que resta ao governo. Mas, até quando a Eletrobras poderá atuar socorrendo o setor privado? Será que continuaria a ser assim após a privatização da empresa?

O fato de ter alguns dos quadros mais experientes da empresa na lista de demissão da empresa entre os técnicos que hoje socorrem o Estado do Amapá nos dá uma pista da resposta a essa pergunta. Esses técnicos só conseguiram ajudar a força tarefa no Amapá por conta de um processo judicial impetrado pelo Sindicato, que conseguiu adiar sua demissão da Eletrobras para dezembro de 2020.

Já há algum tempo a Eletrobras vem sofrendo com a drástica e irresponsável redução do seu quadro de pessoal. Ao contrário do que afirma a privatista diretoria da empresa, a Eletrobras não é uma empresa inchada. Prova disso é que ela possui uma relação entre quantidade de empregados e capacidade instalada e Km de Linhas de Transmissão sem igual no mundo[iii].

Os dados dão a dimensão do problema. Em 2010, quando as empresas de geração e transmissão da Eletrobras possuíam uma capacidade instalada de 40,3 Gw e suas linhas de transmissão alcançavam 53,8 mil Km, cuidavam desses ativos 21,3 mil empregados. Em 2019, tendo alcançado uma capacidade instalada de 50,4 Gw e 71 mil Km de linhas de transmissão, a Eletrobras tem em seu quadro de pessoal apenas 13,8 mil empregados. Para 2020, a previsão é de redução do quadro para 12 mil empregados. E a negociação do acordo coletivo de 2020 aponta para uma redução de mais 500 empregados no ano que vem. Não há empresa que resista a tamanho esvaziamento.

Ou seja, o processo de sucateamento da Eletrobras avança em marcha forçada. Para se ter uma ideia, mesmo a Chesf, uma das maiores subsidiarias da Eletrobras, hoje já encontra problemas de pessoal para atuar na manutenção de seus ativos, e vem sendo forçada a terceirizar alguns serviços. Imagine o quanto esse processo não afeta essa empresa, símbolo do desenvolvimento do Nordeste, na sua capacidade e potencial de levar mais desenvolvimento para o Nordeste.

Em Furnas, que atua no coração do Sudeste, a situação não é muito diferente. Hoje a Eletrobras socorre o setor elétrico brasileiro, mas amanhã, a continuar esse processo de sucateamento que deve se agravar sobremaneira com a privatização, o problema pode ser em uma de suas empresas. E quando isso ocorrer, quem vai prestar o socorro?

Mas tanto o sucateamento da empresa quanto a substituição dos empregados por terceirizados não são acidentais. Esse processo ocorre não por falta de recursos financeiros na empresa, mas por conta de uma ideologia que promove o esvaziamento da empresa em troca da distribuição de lucros, seja para acionistas privados, seja para governo, que tenta a qualquer custo promover o superávit primário, agindo como capacho dos detentores da dívida pública. Prova disso foi o pagamento de mais de R$2,5 bilhões de reais em dividendos realizado esse ano. A lógica que rege a redução do pessoal é a mesma lógica da privatização da Eletrobras. Como consequência, em breve, a Eletrobras não terá mais condições para socorrer os problemas do setor e talvez nem mesmo os problemas em suas próprias usinas e linhas de transmissão.

É possível afirmar, assim, que a privatização, que tem como objetivo entregar a empresa aos grandes bancos e fundos de investimento especulativos, aprofundará os problemas do país e do setor elétrico ao provocar a perda desse importante instrumento de defesa e de promoção de políticas públicas. Ou seja, a privatização da Eletrobras apenas agrava os problemas setor, enquanto o que precisamos é de medidas que atuem na direção contrária, no sentido do fortalecimento da empresa e da ampliação dos instrumentos que possam reforçar sua vocação de empresa de serviço público.

Isso passa pela interrupção do sucateamento da empresa e por um redirecionamento total de sua gestão, hoje entregue a representantes do mercado financeiro. Por isso urge denunciarmos as demissões em massa absurdas que ocorrem hoje na Eletrobras! É preciso exigir também a reestatização da linha de transmissão e também a recuperação da Eletrobras, que está sendo privatizada por dentro, mesmo antes de se ter apreciado no Congresso o projeto de lei que prevê sua privatização!

Rita Dias é articulista do Brasil Debate.

Crédito da foto da página inicial: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

[i] https://www.istoedinheiro.com.br/gemini-energy-esclarece-que-detem-85-das-linhas-de-transmissao-nao-o-total-2/

[ii] Como bem chamou atenção o engenheiro da Eletronorte Ikaro Chaves: “A fragmentação das empresas de transmissão ao longo do país: No Brasil o sistema de transmissão desempenha um papel importantíssimo. Por ser um país continental, com um sistema que tem como base a hidroeletricidade, o Brasil depende de um extenso e complexo sistema de transmissão, que seja capaz de transportar grandes blocos de energia ao longo de grandes distâncias. Até os anos 1990 havia poucas empresas atuando no setor de transmissão, basicamente a Eletrobras, através de suas subsidiárias e algumas empresas estaduais. A partir do governo FHC a expansão da malha de transmissão do país passou a ser feita principalmente por empreendimentos privados, muitas vezes com a participação minoritária da Eletrobras. Se antes havia a Eletronorte operando a maior parte do sistema de transmissão do Norte, a CHESF operando a maior parte do sistema de transmissão do Nordeste e assim por diante, o que há hoje são centenas de empresas dedicadas a construir, operar e manter apenas um determinado trecho.Com isso perde-se muito da economia de escala que havia antes. Como é economicamente inviável manter uma grande equipe de especialistas, assim como grande estoque de materiais sobressalentes e equipamentos de teste, ensaios, etc apenas para um empreendimento isolado, as empresas simplesmente não possuem essa capacidade.”

[iii] Ver artigo Instituto Ilumina (https://www.ilumina.org.br/eletrobras-vai-ampliar-plano-de-reducao-de-funcionarios-valor/)

Redação

1 Comentário

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  1. A privatização da Eletrobrás é uma gritante imoralidade. Um crime de lesa-pátria de tal magnitude que até o fato de acenar com a sua concretização já deveria ser objeto de investigação pela PF e MPF, por se tratar de corrupção em larga escala. Se houvesse justiça, mesmo, no Brasil, a organização criminosa que se propõe a cometer tal crime de lesa-pátria já teria sido impedida, obrigada à desistência, ou levada a curtir prisões preventivas que impedissem os seus participantes de delinquir.

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