Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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O desastre energético, por Ronaldo Bicalho

O desastre energético, por Ronaldo Bicalho

“A questão fundamental da atual crise não é a política de preços da Petrobras, mas a radical mudança da política energética brasileira da qual ela faz parte. Essa mudança representa uma ruptura completa com os elementos que estruturam historicamente a segurança de abastecimento de energia no País. Essa ruptura põe em risco o sistema energético brasileiro e, em consequência, a manutenção desse abastecimento. Face a isto, a desestruturação econômica e social advinda da destruição irresponsável do sistema energético brasileiro deve ser contemplada como uma possibilidade real do desenrolar da crise brasileira.”

A política energética é uma política de Estado. Todo o Estado Nacional se preocupa com a segurança do seu abastecimento de energia. Basta ler qualquer documento do Departamento de Energia americano (DOE) para constatar que a política energética para eles é uma política diretamente ligada à segurança nacional.

O objetivo definidor da política energética é garantir o suprimento de energia necessário ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar da sociedade. Garantir o suprimento de energia implica assegurar o acesso físico (quantidade) e econômico (preço) à energia.

O sistema energético é um conjunto, extremamente complexo, de elementos técnicos, econômicos, institucionais, políticos e culturais que reunindo processos, relações, agentes econômicos e atores sociais satisfaz as necessidades energéticas a partir dos recursos naturais existentes.

O sistema energético brasileiro é fruto de uma construção complexa e sofisticada realizada a partir de uma política energética que manteve os seus elementos centrais ao longo dos diversos governos que comandaram o País a partir dos anos 1950s.

Essa política baseou-se primordialmente na autossuficiência energética, considerada fundamental para o exercício da autonomia, da independência e da soberania do País. A fundação do sistema energético sobre recursos próprios não envolveu apenas os naturais, mas também os técnicos e gerenciais, de forma a manter os elementos estratégicos do suprimento energético sob o controle (direto e/ou indireto) do Estado brasileiro.

Dada a carência natural de recursos, que não sejam os naturais, dos países emergentes, o Estado desempenhou, e ainda desempenha, um papel chave na construção do sistema energético do País, viabilizando inclusive o financiamento necessário aos pesados investimentos característico da atividade energética. Em outras palavras, graças ao Estado foi possível mobilizar os recursos necessários ao erguimento de um sistema energético moderno e vigoroso no País.

Dessa estratégica histórica do Estado brasileiro derivou-se um sistema energético, tanto na eletricidade quanto no petróleo, vigoroso o suficiente para garantir a energia necessária para o desenvolvimento econômico e social do País durante mais de cinquenta anos. Estratégia essa capaz de gerar um setor elétrico único e excepcional e uma das maiores petroleiras do mundo.

É esse sistema energético excepcional e único no mundo emergente que está sendo destruído desde 2016. Essa destruição é sustentada por uma nova política energética cujo objetivo central é retirar o Estado da garantia do suprimento energético. Trata-se aqui de uma retomada das políticas liberais dos anos 1990s, só que em uma profundidade e um ritmo muito maior e mais intenso. Portanto, estamos diante de uma opção estratégica de mudança radical da política energética brasileira (e não uma prosaica correção de erros da política do governo anterior), sustentada por uma forte visão ideológica de criminalização da intervenção estatal. Criminalização que faz com que qualquer preocupação sobre as condições efetivas da segurança energética após a retirada do Estado esteja ausente. Diferentemente do debate dos anos 1990s, em que essa preocupação, nem que seja no âmbito da retórica, estava presente nas infindáveis discussões regulatórias sobre a construção institucional de mercados competitivos.

Agora, o importante é retirar o Estado e ponto final.

No setor elétrico isto se dá mediante a simples venda da Eletrobras, que implica na ausência do governo federal em uma atividade em que ele está presente diretamente desde 1946 (criação da CHESF); justamente em um momento de dramáticas mudanças no setor aqui e no mundo.

No setor de petróleo, a retirada se dá simplesmente a partir da redução da participação da Petrobras nas atividades de distribuição, transporte, refino, importação e exploração. Pra isso, não basta criar condições econômicas para a entrada de novos players, é fundamental que a petroleira brasileira abra mão de sua participação no mercado.

Nesse sentido, no forte e pesado jogo concorrencial do mundo do petróleo, a Petrobras adota a estratégia sui generis de não competir, de não lutar pelo seu mercado, de criar condições que favoreçam o seu competidor.

Como estratégia empresarial, pra dizer o mínimo, é “jenial”. Porém, como afirma um senhor alemão, há sempre um pouco de razão na loucura.

A lógica é bastante simples: sem essa estratégia suicida da Petrobras não há como esse terreno ser ocupado pelo setor privado. Dessa maneira, o risco de perder no jogo natural da competição desaparece a partir do momento que o seu contendor não só não comparece ao jogo, como deixa muito claro que não irá aparecer.

Portanto, a Petrobras revoluciona o mundo corporativo do petróleo introduzindo a portentosa estratégia do W.O. Para os leigos, demonstrando que energia não é apenas estupidez, mas também é cultura, WO é a sigla para a palavra em inglês walkover, que traduzido para a língua pátria do botequim significa “vitória fácil”. Este termo é bastante famoso por ser utilizado no mundo dos esportes. O WO é a atribuição de uma vitória dada a determinada equipe ou competidor individual quando a equipe adversária está impossibilitada de competir ou quando não existem adversários.

Para aqueles que não gostam de anglicismo, o termo estratégia W.O. pode ser substituído por estratégia haraquiri empresarial ou, sendo mais brasileiro, por estratégia Adoniran, resumida na famosa máxima corporativa: Nóis fumo e não encontremos ninguém.

Desse modo, diferentemente do que afirmam os valorosos “especialistas” de plantão, a atual estratégia da Petrobras representa a maior intervenção política na história da petroleira estatal brasileira. Ao contrário de outras intervenções desastrosas anteriores, a fragilização da companhia não é um efeito de políticas equivocadas, mas sim de uma ação política consciente de destruição da companhia. Aqui não existe o acaso. Aqui existe a intenção.

Se para retirar o Estado do setor elétrico basta vender a Eletrobras, para retirá-lo do setor de petróleo é preciso destruir a Petrobras.

O problema é que o sistema energético, como foi dito anteriormente, é extremamente complexo. Dessa maneira, a retirada de dois pilares essenciais ao abastecimento faz com que o sistema energético brasileiro desabe. E é isto que estamos assistindo, ao desabamento do sistema energético brasileiro.

A questão simples de se prever e que a boçalidade de plantão não o faz é que esse desabamento leva junto a atividade econômica e afeta violentamente o conforto e o bem-estar da sociedade.

O sistema energético é fundamental na estruturação econômica e social de qualquer país no mundo. Desestruturá-lo da forma como está sendo feito no Brasil é uma estratégia intencional de gerar o caos econômico e social. Fazer isto durante um surto de demência neoliberal é fruto de um fundamentalismo tacanho e irresponsável que nenhum suposto ganho econômico justifica; dados os enormes riscos de descontrole econômico e social que movimentos como esses ensejam.

Destruir as colunas do templo nunca dá muito certo. Fazê-lo por fé é prova de demência. Fazê-lo por esperteza é prova de estupidez. Tempos difíceis. Tempos de Sansões dementes e espertos estúpidos. Saudades dos anões de boulevard.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

3 Comentários

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  1. país entregue às traças

    Este tal de brasilsil, antes do golpe safado, fabricava submarino nuclear, o avião de transporte militar mais moderno do mundo, exportava serviços de engenharia para todo o planeta e destinava recursos advindos do pré-sal para a saúde e educação.

    Até hoje, o golpe já  conseguiu produzir a legalização do trabalho escravo, congelar gastos em saúde e educação por 20 anos, entregar o pré-sal a preço de banana para os estrangeiros, desempregar mais 4 milhões de pessoas, cortar direitos à vontade, enfiar a democracia pela privada e, quando cede o espaço aéreo e dá de presente a base de Alcântara para USA, está dizendo que mandou a soberania nacional praquele lugar.

    Somente hoje, o animal do parente teve que assistir a “sua” empresa acumular perdas superiores a 120 bilhões, vida longa para o vendilhão, filhote de fhc, é claro.

    Quanto ao post, é o primeiro do blog que assinala crítica contundente a este ambiente ocupado somente por gente da pior espécie, ambiente nefasto que tem por objetivo destruir completamente aquele país que foi, e nunca mais voltará a ser ,a 5ª maior economia do mundo.

    A intenção da corja para os setores elétrico e petrolífero sempre foi a pior possível, e taí o resultado, que só não está pior porque ainda não sapecaram a Eletrobras.   

     

  2. PARA A MIDIA A PETROBRAS NÃO

    PARA A MIDIA A PETROBRAS NÃO FEZ NADA DE ERRADO – É impressionante a linha editorial da GLOBO, JOVEM PAN e Bandeirantes, todo o problema foi gerado pelos caminhoneiros, pelas empresas de transportes, depois pelos inflitrados dos partidos, a PETROBRAS é inocente, não fez nada de errado, Pedro Parente é otimo, está sendo vitima.

    Na GLOBO o Cmaratti ( fala  ISSO DAI  10 vezes por minuto) e todo o “coral” liderado pela Miriam Leitão POUPAM a Petrobras, que não fez nada de errado” e demonizam os caminhoneiros, na JOVEM PAN Carlos Andreazza, Vera Magaçhães é o cuspento Madureira veem conspiração nos caminhoneiros que são os viões do povo brasileiro, a PETROBRAS e o Parente são santos

    injustiçados, na BAND o egocentrado Reinaldo Azevedo (“SOU O MAIOR GENIO DA HUMANIDADE”) que tambem se acha cantor de musica brega malha pesadamente os caminhoneiros que se atreveram a perturbar o Presidente ” que jantou lá em casa”, não ve absolutamente nenhum problema real com o preço dos combustiveis, os caminhoneiros é que fazem baderna.

    A linha de frente da midia eletronica de DIREITA erro na contramão e ficou isolada, que coisa.

  3. Quem está na prisão não é Lula, é Temer, …..

    Quem está na prisão não é Lula, é Temer, pois só há uma solução, e a solução é Lula.

    Para engano de todos, aliados, indiferentes e opositores Lula fez um movimento político que somente um grande estrategista teria feito.

    Ele deixou-se ser preso, aceitando monasticamente o que o judiciário lhe impunha contra a vontade da maioria do povo e contra a lei, e enquanto ele preso está preso sem interferir diretamente nos eventos ele deixou que a má política do governo golpista mostrasse ainda mais as suas garras. Ele percebeu que ele preso simplesmente, poderia deixar que o povo fizesse a sua parte.

    Se Lula não estivesse preso haveriam denúncias contra ele, caluniando-o e dizendo que ele estaria fazendo isto ou aquilo, e agora ele está imune a qualquer denúncia e calúnia, para Lula sair da cadeia ele só sairá quando ele for a única solução para a crise.

    O movimento dos caminhoneiros escancarou os erros dos golpistas em priorizar o Império e não o povo brasileiro, poderia ser os petroleiros ou outra categoria, porém veio exatamente daquela categoria que é insuspeita, pois jamais foi uma categoria umbilicalmente ligada ao PT, Lula ou Dilma, foi uma categoria que muitas vezes fez oposição aos governos passados e agora está reagindo exatamente porque está sentindo o gosto amargo do remédio que eles mesmo transportaram.

    Porém o movimento dos caminhoneiros não será o único exemplo de movimentos que vão começar, este movimento vai repercutir e inclusive mostrar o caminho para muitos outros, o povo em geral já sentiu isto, pois as pessoas que estão nas filas de combustíveis não estão com raiva dos caminhoneiros, eles simplesmente consideram que os caminhoneiros os representam e a raiva é contra o governo.

    Naturalmente Lula sem interferir em nada está nucleando o descontentamento, e se ele tivesse livre poderia claramente haver represálias contra ele, inclusive tentativas de assassinato, ou seja, a polícia federal de Curitiba está defendendo a integridade de Lula e colocando Temer na cadeia.

    Muitas vezes utilizei a expressão clássica do Grande Xogum Shingen Takeda no filme de Akiro Kurosawa, “Kagemusha, A Sombra do Samurai”, onde alguém que era simplesmente um sósia do samurai adota o seguinte lema “A MONTANHA NÃO SE MOVE”, indicando que grandes personalidades em muitos momentos devem permanecer imóveis para que os inimigos lutem entre si e se destruam e os aliados se reagrupem.

    Lula é o nosso Xogum Shingen Takeda, ele deverá ficar imóvel, sendo guardado por uma guarda de honra que protegerá a sua integridade física e quando chegar o momento ele sairá do seu castelo para iniciar o processo de libertação do povo brasileiro, que deverá ser longo e tortuoso, mas que ocorrerá.

    O nosso Xogum quando sair para os braços do povo sairá sem alianças espúrias, sem falsos aliados que o traem e até mostrando os inimigos que estão escondidos nas suas próprias hostes, esta liberdade permitirá que ele vá muito mais longe do que no passado, esta é a verdadeira conciliação, a conciliação com o povo brasileiro.

     

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