Pobre esquerda, sempre dando murro em ponta de faca!

Por Zé Gomes

São Paulo, 1993 ou 1994.

Numa clara manhã ensolarada de um sábado de 1993, ou 1994, saí eu de meu lar, uma kit no 13º andar de um prédio, situado dentro de uma galeria no cruzamento das ruas 24 de Maio e Dom José de Barros, no centrão mais cruel de São Paulo, arrastando um carrinho de feira. 

Por que centrão cruel? Experimentem habitar naquilo e saberão. Nada mais posso dizer, para não me indispor com os habitantes, geralmente tão ciosos de que estão morando num lugar invejável do Brasil. Talvez um dia, com muito tato, com muita discrição, poderei falar sobre as minhas experiências naquela cidade. Se é que isso pode interessar a eventual leitor.

Ia eu com meu carrinho de feira realizar mais uma rotina das manhãs de sábado: garimpar livros usados no Sebo do Seu Lisboa, ali na Rua São Francisco, aquela pequena rua que sai do Largo do São Francisco, na frente da Faculdade de Direito da USP e vai em declive até a Praça da Bandeira. Seu Lisboa era um velhinho sisudo que passava o tempo todo remarcando o preço dos livros com um lápis. Estávamos em hiperinflação. Feliz de quem não sabe o que é isso.

Quando entrei no Viaduto do Chá, vi de longe um homem, camelô, sendo preso e espancado por policiais de uma viatura. Multidões de pessoas passando no viaduto e um homem sendo espancado com murros no rosto por dois policiais. Ultrapassei a viatura e, parando uns vinte metros adiante, entre a multidão, continuei a observar a cena, com uma tremenda indignação interior.

Um dos homens me viu! Caminhou na minha direção. Um mulato forte, bonitão, apesar de bombado. Os bombados não me atraem, pois é verdade o que dizem os maledicentes: Se não suceder de serem Barbies, com muita frequência são brochados.

Quando percebi que vinha em minha direção, mirando-me com olhar aniquilador, senti minha bexiga se contrair com tanta força que cheguei a pensar que iria mijar na calça. Dizem que são os hormônios do perigo que se liberam (a adrenalina, etc.) em face de uma situação ameaçadora.

Parou a um metro de mim e perguntou: -Alguma coisa a dizer?  Eu, me sentindo o próprio São Pedro na negação dos três cantos do galo, consegui balbuciar: Não. Ele respondeu: Assim tá bom. Virou as costas e voltou em direção à viatura. Eu também virei e comecei a caminhar, tremendo, ainda a tempo de ver o pobre espancado por a cabeça pra fora da viatura e gritar: Ô, Chico, guarda as minhas caixas!

Voltei para casa. Procurei na lista telefônica uma corregedoria de polícia. Como era sábado, a única de plantão era no quartel da Rota, perto do metrô Tiradentes. Liguei para meu único amigo na cidade avisando o que ia fazer. 

Nessa época eu só possuía um amigo em São Paulo. O psiquiatra de Aracaju. Antes, eu tinha dois. Mas acabei brigando com o filósofo de Goiânia, meu grande amigo de muitos anos, por motivos fúteis. Pura inabilidade e falta de prudência e juízo. Em estadia naquela cidade, temporária ou definitiva, nunca, nunca mesmo, brigue com os amigos que porventura tenha, sob pena de terminar por compreender, de forma amarga, o que querem dizer aquelas palavrinhas enunciadas por Nélson. 

Meu amigo, o psiquiatra de Aracaju, ficou aflito. Disse-me: Não faça isso, não vá, pelo amor de Deus. Respondi: Vou agora. Vou, mesmo sabendo das Mães de Acari e de Vigário Geral.

Vesti meu blazer feito de lãzinha da Vicunha, estampa Príncipe de Gales, tecido comprado nas antigas Casas Hudderfields, alguns anos antes, na Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, e confeccionado, sob medida, pelo alfaiate Sr. William Mallaco, na Rua Caetés.

Chegando ao quartel da Rota procurei a Corregedoria. Sentei-me e esperei cerca de uma hora. Apareceu um indivíduo bombado (outro, branco, dessa vez), fez sinal para que eu me aproximasse e pareceu que ia adentrar uma sala, mas parou no portal e virou-se para mim, no corredor. Queixo levantado, olhando-me de cima para baixo: O cidadão deseja o quê?  Olha, eu estava no Viaduto do Chá…   Anotei o número da viatura… Ele lhe bateu? Eu: Não. Ele lhe agrediu com palavras de baixo calão? Eu: Não. Então o senhor não tem o que denunciar. O suposto agredido é quem deveria denunciar e nesse caso o senhor poderia ser testemunha, traga ele aqui.  Eu: Obrigado.

Saí dali um pouco reconfortado. Não conseguira nada, mas, de certa forma, sentia que tinha resistido um pouquinho à desumanidade da metrópole. Não sei se meu paletó de lãzinha, estampa Príncipe de Gales, confeccionado sob medida, me salvou de alguma coisa.   Peguei o metrô de volta e cheguei em casa são e salvo.   

Brasília, 2006

Estava eu em meu rotineiro bar de paquera gay. Na verdade um quiosque. Lotado. Mesas por toda parte. Um local misto. A população que mora próximo, vai ali também, ou para bisbilhotar a vida gay ou porque no boteco tem música, coisa rara em Brasília, ao contrário de Goiânia, onde qualquer barzinho tem som, mesmo que seja um radio ligado.

Penélope Charmosa chegara e arranjaram para ela uma mesa extra. Infelizmente colocaram-na ao meu lado. É Vanessa, um travesti enjoativo pelo excesso adocicado de feminilidade. Conhecia-a desde que chegara a Brasília e ela ainda era um molecote vindo do interior de Minas. Às vezes “se montava” colocando uns trapos no sutiã para simular os seios. Rapazes que saiam com ela me contavam tudo… Em troca de algumas cervejas. Depois operou e colocou os silicones.

Tínhamos ficado de mal anos antes, quando, ao chegar ao boteco, deparei-me com uma triunfante Penélope me dizendo: Saí com seu namorado ontem. Verdade. Cássio era cachorro vira-lata, um “gato em teto de zinco quente”.

Não nos falamos mais depois disso. Apenas jogávamos farpas mútuas e disputávamos os rapazes, cada um com suas armas. Ela, com juventude e beleza, eu, com dinheiro e “simpatia”. Um dia ela passou a viajar para a Itália regularmente e adquiriu a minha principal arma. Só me restou como arma exclusiva a “simpatia”. O que, absolutamente, não era suficiente. Então se iniciaram tempos difíceis para mim na concorrência com Penélope Charmosa.

Naquela noite de 2006 apareceu na região do boteco, não se sabe de onde, um tipo meio morador de rua, meio doido, que ia de mesa em mesa pedindo coisas, agarrando o copo de bebida das pessoas, perturbando todos. Pareceu-me um tipo inofensivo, embora um tanto invasivo e molesto. Talvez um doente mental descompensado, evadido de casa.  Veio até mim e pediu um cigarro do maço que estava sobre a mesa. Não fumo, mas tenho um maço sempre sobre a mesa. Tática –antiquada- para atrair os rapazes. Dei logo o maço todo. Ao passar pela mesa de Penélope, não sei que pirueta fez com o corpo que deixou cair um canivete no chão.    Foi um deus-nos-acuda. Penélope, em total histeria, foi até o dono do estabelecimento e, juntos, chamaram a polícia em segredo. O pobre doido continuou por ali circulando. Quando a polícia chegou, o doido estava numa esquina oposta ao lado onde eu estava sentado. Começou uma seção de espancamento público. De imediato senti que deveria tentar intervir em socorro do doido. Por uns momentos fiquei suando sangue, como Jesus Cristo no Horto das Oliveiras, antes de iniciar o calvário, paralisado de puro medo. Depois logrei levantar-me, com o coração disparado, e fui abrindo caminho entre as mesas. Ouvi uma voz dizer, atrás de mim: -Lá vai uma bicha se meter. Quando consegui chegar do outro lado, o doido já tinha sido liberado da pancadaria e estava correndo, fugindo para longe. Então preferi não me meter mais. Voltei para minha mesa, provavelmente escapei também de ser espancado. Perdi a graça da noite e tomei o caminho de casa. O sujeito que falou atrás de mim era um conhecido pobre coitado, vivia de bicos na região, uma potencial vítima da violência policial, um lúmpen.

Essas pequenas experiências pessoais com a violência policial são fichinhas diante do que todos conhecemos ou ouvimos falar Brasil afora. Amarildo, Candelária, Vigário Geral, os Dias de Maio de 2006, em São Paulo, as façanhas da polícia de Goiás, as milícias do Rio, etc. são conhecidas em todo o país. É o nosso pesadelo. É um dos lados de nosso pesadelo.

O outro lado de nosso pesadelo são os bandidos.  

Brasília, 2007

Abro o jornal e leio: Aconteceu uma briga de trânsito em Ceilândia. Um dos motoristas desce do carro e mata o outro com tiros. A polícia puxa a ficha do sujeito. Ele tem um histórico de dez homicídios, em vários estados brasileiros, estava foragido. Somos obrigados a pensar que se houvesse uma legislação mais rigorosa nos crimes contra a vida, esse assassino não teria saído mais da cadeia a partir de sua segunda vítima e oito seres humanos, cidadãos, teriam tido sua vida poupada.

Goiânia, 2010

Balneário Meia Ponte é um bairro pobre mas delicioso de Goiânia. Ruas arborizadas e sombreadas. Barzinhos simpáticos vendendo espetinhos no prato com acompanhamentos e outros petiscos. Cadeiras espalhadas nas calçadas largas. Parece bairro de rico. Parece tranquilo. A duzentos metros de nossa casa surgiu um ponto de venda de drogas. Dois rapazes e uma moça (um dos rapazes e a moça menores de idade), irmãos, nascidos no bairro mesmo. Começaram a fazer festas com som automotivo na frente da casa, incomodando os vizinhos. No carro tinha um adesivo com uma caveira e a frase: Acabou o Sossego. Aterrorizavam todo mundo. Imagine um vizinho colado na casa desses tipos tendo que aguentar eles chegarem 2:00 hs da manhã com o som no mais alto volume, estremecendo todas as paredes. E quem vai trabalhar ou estudar no dia seguinte? Um dia os vizinhos ouviram gritos de horror, vindo de dentro da residência. O rapaz menor estava matando um viciado com uma chave de fenda. Primeiro arrancou os olhos da vítima, depois enfiou a chave de fenda no coração. Tinham ficha extensa de homicídios. Que fazer?

Valparaíso de Goiás (Entorno de Brasília) 2013

Um menor mata a ex-namorada, filma tudo e joga na internet. Debocha dizendo que será preso, mas logo estará solto. Dois menores fazem o mesmo com um senhor, para assaltá-lo, são presos e debocham na frente das câmeras: Daqui a um mês estamos soltos.

Samambaia-DF, 2015.

Meu parceiro Cássio contou: Estavam um rapaz e duas senhoras numa parada de ônibus em Samambaia, bem cedo, indo para o trabalho. Três crianças (10, 12 e 13 anos) passaram a agredir um homem, aparentemente bêbado, com garrafas de cerveja quebradas. Amedrontados, nenhum dos presentes tentou socorrer o homem. Quando a polícia chegou ele foi levado ao hospital e lá morreu. Cássio conhecia as crianças. Moraram de aluguel próximo a sua casa. O pai fora abandonado pela esposa e os filhos viviam largados. Depois sumiram, se mudaram. Agora Cássio os reconhecera como protagonistas dessa história macabra e cruel. A própria polícia não quis deter os meninos. Alegou que era inútil e que eles seriam inimputáveis.

A população vê isso tudo e fica tonta.   

E começam os chavões, incentivados pela direita da mídia (os Datenas) e da política (os Bolsonaros e Fragas): Direitos humanos só para bandidos. Os bandidos estão soltos e nós atrás das grades. O PT defende bandidos. O PT não quer a redução da maioridade penal, etc.  Dessa forma o assunto redução da maioridade penal chega à política e às eleições. Com potencial devastador para a esquerda, se essa teimar em não querer enfrentar o problema de frente.

O bandido, de menor ou de maior, policial ou não, ataca o cidadão[1].

O policial violento e o bandido tem o mesmo modus operandi: eles rebaixam o cidadão a uma coisa, a um saco de pancadas para aliviar o seu mau humor e o seu sadismo, e se elevam à condição de um juiz e um deus: eles tiram vidas e dignidades, exterminam sonhos. Nisso eles, agindo no nível micro, se igualam ao capitalismo predador e monopolista que age no nível macro.  Eles acabam com os planos de vida de um cidadão e sua família num piscar de olhos. Extinguem o futuro.

O bandido, de menor ou de maior, e o policial bandido são ambos horríveis. O policial bandido é pior, porque ele elimina nossa esperança e nosso direito de ter alguém a quem recorrer quando somos agredidos. Ele é o funcionário do Estado que ajudamos a manter para nos defender se, porventura, formos agredidos: mas se é ele próprio quem nos agride, a quem vamos recorrer?

Os bandidos comuns, porém, são mais numerosos. Estão em todos os bairros, em todas as ruas. A percepção que a população tem deles geralmente é maior que a percepção do policial bandido. 

A esquerda deve combater tanto o capitalismo predador como a bandidagem comum ou policial, de maior ou de menor, porque todos ofendem a população. Se quiser ganhar credibilidade, ganhar as eleições e adquirir poder para agir e melhorar o mundo. 

O que fazer, dentro da democracia?

Fazer mudanças dentro do ambiente democrático, na verdade, não é uma opção, é a única alternativa, pois o ambiente “revolucionário”, em minha opinião sempre bem-vindo, nem sempre acontece quando queremos e, nas raras ocasiões em que acontece, às vezes é cooptado por paranoicos, sádicos e narcisistas que podem tornar a vida da população ainda mais dura que antes. Antes que algum afoito me tache de “reacionário”, grito: Viva a Revolução!  Quando for possível, e mesmo com seus riscos.

Bem, como não temos revoluções todos os dias, mesmo com o povo frequentemente em extremo sofrimento, então temos de optar pelas mudanças dentro do ambiente democrático. Ambiente democrático esse que deve ser eternamente louvado (e não adianta vir com extremo desprezo adjetivando a Democracia –democracia burguesa!- pois se a Democracia é apenas burguesa então não é Democracia). Democracia, dizem os filósofos, dever-se-ia entender como o processo completo de participação da população nas decisões da República, com aperfeiçoamento contínuo dos mecanismos de representação e de participação direta. Mesmo após uma revolução a democracia é insubstituível. A Democracia é eterna.

Bem, se optamos por fazer mudanças dentro do ambiente democrático, obedecendo a nossos ritos eleitorais, com seus vícios incríveis, temos de convencer o povo, apresentar argumentos.

Para mudar as coisas a esquerda tem de ganhar a eleição. E para ganhar a eleição tem de analisar com realismo quais os anseios populares, conquistar maioria e ir mudando o senso comum paulatinamente, com educação intensiva.

Vimos em nossa experiência recente que pessoas de bem no comando do Estado não podem fazer tudo, mas podem fazer alguma coisa que nos permita dar um primeiro passo para sair do labirinto de opressão em que nos encontramos. Que nos desculpem os anarquistas e similares, o Estado é importante. É um instrumento poderoso para administrar alguma justiça.

A esquerda sabe o que produz os “menores infratores” e a criminalidade: a exclusão, a desigualdade. Mas, porque sabe disso, a esquerda vai fazer vista grossa aos crimes dos menores e dos bandidos maiores? Como a população amedrontada entende isso? Que a esquerda apoia a “bandidagem”. Sabemos que não é isso, mas a população entende assim. E a população é quem escolhe o governo e o parlamento.

Se a esquerda perde o governo, não pode continuar atuando contra o fator causal primordial: a exclusão e a desigualdade, o capitalismo predador.

Se a direita ganha o governo, ela vai endurecer as penas, vai reduzir a maioridade penal de forma unilateral, sem contrapesos, vai aumentar o poder de vida ou morte que a polícia detém atualmente, vai aumentar a renda dos mais ricos, concentrando a riqueza ainda mais, vai privatizar cada vez mais a comunicação pública, vai entregar mais ainda o país para o estrangeiro, já que se acha como parte da elite imperial, etc. E não vai ter sucesso em suas medidas de segurança pública, pois sem redução da exclusão e da desigualdade, nenhuma medida tem sucesso. Teremos a polícia matando mais, bandidos e inocentes; os bandidos (inclusive menores) matando mais gente, especialmente da população mais pobre; mais miséria, mais escravidão, mais desespero.   E isso vai trazer alguma revolução?  Difícil.

Revolução traz uma esquerda séria no governo, regulando o Estado. Agindo para reduzir a exclusão e a desigualdade. Criando escolas tanto Técnicas –para dar uma profissão- quanto escolas “do Espírito” instituindo o estudo generalizado da filosofia no ensino fundamental, médio e superior, para ensinar as pessoas a se livrarem das ideologias nefastas que só levam à dominação, ao individualismo e à violência.

O que fazer, esquerda?

Sabemos o que a polícia faz e o que os bandidos fazem. Sabemos também o que o individualismo, o patrimonialismo e o capitalismo feroz em que vivemos fazem com a vida das pessoas, especialmente com a vida das crianças pobres.

Sabemos que há bandidos que roubam para comer e há bandidos que matam. E muitos quase sempre matam para construir o seu pequeno reino, o seu pequeno estado tirânico. Os súditos que devem obediência ao senhor são as pessoas comuns da sua rua, do seu bairro.  Nenhum desses bandidos enfrenta o alto capitalismo, nenhum quer fazer uma revolução. Eles agem para serem os reis do seu pedaço, para extorquir e humilhar as pessoas comuns, os cidadãos que vivem na região.

Quem sabe, querida esquerda, se houver um endurecimento das penas nos crimes contra a vida não forçará essas pessoas, que matam e esfolam para construir o seu pequeno reino de tirania, a perceberem que o único caminho para mudar o curso da vida é a política? Especialmente se há um governo de esquerda que luta pela melhoria dos meios de vida da população, pela desconcentração de renda e pela educação?

Quem sabe os jovens, expostos à possibilidade de um castigo maior por um lado, e por outro, melhoria das condições de vida econômica e da capacidade de pensar (bandeiras a serem perseguidas pela esquerda no poder, inclusive com a adoção da filosofia nas escolas e nas provas do ENEM e Vestibular) não percebam que a luta política, ao lado da esquerda, seja a maneira mais segura e menos dolorosa de sair do pântano em que um capitalismo cruel nos jogou a todos?

Mas como a esquerda vai ser governo com maioria parlamentar, como ela vai ganhar as eleições para poder governar se ela não compreende bem a relação dos bandidos com a população? Se ela teima em romantizar a vida bandida enquanto a população pobre sofre nas mãos deles e não entende porque a esquerda é tão “tolerante” com eles? E população, é sempre importante lembrar, escolhe o governo e o parlamento.

Se a direita, sempre pronta a matar, esfolar “bandido”, ganha, por isso, o apoio majoritário da população e vai para o governo, então, vamos dizer de novo, temos a continuação da barbárie: concentração de renda, aumento do patrimonialismo, desmonte do Estado, apoio à violência policial, Pinheirinho, falência da educação, distribuição de revistas Veja nas escolas, etc. Vai rebaixar a maioridade, vai dar mais privilégios para os policiais violentos, vai monopolizar cada vez mais tudo e nos fazer mergulhar mais profundamente na violência cotidiana.

Estamos assim em um círculo vicioso.

Alessandro Molon (PT-RJ) disse: “Estamos decidindo mandar para um sistema falido adolescentes que a sociedade quer supostamente recuperar. É um enorme contrassenso”.

Se o argumento básico que a esquerda oferece para ser contra a redução da maioridade penal para crimes contra a vida for desse tipo, ele não convence. Porque se equivale a dizer: “Se não temos condições de construir presídios-escolas para menores, e administrá-los de maneira decente e justa para efetivamente recuperar os internos, então é melhor deixar tudo como está”. Mas deixar como está o povo, os eleitores, já não suportam. Por isso lotaram os legislativos com as bancadas da bala e a oportunista direita se locupleta, livre, solta e feliz.

O que fazer na prática?

A gente sabe que a redução da maioridade penal não vai resolver muita coisa, mas o senso comum não acha assim.

Reduzir a maioridade penal, penas mais longas, tem o efeito de sinalizar à população vítima, que alguma coisa está sendo feita ou prometida contra seus algozes.

Endurecer leis contra violência policial (demissão sumária, extinguir desacato à autoridade, etc.) também sinaliza à população vítima que alguma coisa está sendo feita.

Se a esquerda tivesse a coragem de sair dos dogmas, poderia propor e lutar pela implantação conjunta das medidas:

Redução ou extinção da maioridade penal para crimes contra a vida;

Regulamentação rigorosa de prisões-escolas especiais para menores de 18 anos;

Prisão perpétua para reincidentes em homicídios.

Punição rigorosa para crimes de policiais com demissão sumária inclusive para agressões (“uso desnecessário da força”);

Extinção dos crimes de desacato, resistência e desobediência em relação a policiais (arts. 329 a 331 do Código Penal); a profissão já embute a necessidade de lidar com pessoas fora de si, bêbadas, loucas, enfurecidas, etc.

Cursos preparatórios com ênfase em direitos humanos;

Publicidade das ações policiais através do sistema de câmeras obrigatórias;

Combate sem trégua, com forças federais, a crimes de formação de quadrilhas e milícias policiais.

O policial tem de sair do curso de formação convencido de que bater na cara de um cidadão é um crime grave, pelo qual ele responderá inclusive com a expulsão da corporação. Exceto, lógico, quando for em legítima defesa comprovada pelas câmeras.

O que a esquerda não pode fazer é “ir ao STF” para proibir as propostas de redução da maioridade penal ou fazer discursos ilógicos e incompreensíveis sobre o assunto à população vítima.

Sobre o senso comum isso tem um efeito fulminante: Eles (o PT) defendem os bandidos. Como posso votar em alguém que defende os bandidos? Dá um nó no entendimento das pessoas comuns. A esquerda precisa saber desatar esse nó, fazendo propostas que sejam razoáveis à grande maioria da opinião pública sedenta de justiça ao mesmo tempo em que não permitam a entrega da carne fresca dos jovens e crianças pobres à sanha sangrenta dos leões.

Central de whatsapp do governo para liquidar boatos, grande portal de notícias na internet (idéias acho que do Azenha), TV Brasil nos moldes da Telesur, Voz do Brasil nas televisões (cinco minutos diários basta), Filosofia obrigatória no ensino médio, faculdades, nas provas de ENEM, redação inclusive, vestibulares e nos concursos públicos. Já!! Este é um combo mínimo contra a barbárie!

[1] Ver textos de Alba Zaluar. O Comentarista Morgana Profana/Obelix uma vez os indicou aqui no Blog do Nassif.

 

Redação

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O texto ate que é bom, já é

    O texto ate que é bom, já é um grande avanço que propõe.

    O GRANDE erro é a parte de como vê o que é direita. Visão esteriotipada,cheia de rótulos, e preconceito sobre o que e a direita. Tantas instituições conservadoras  que aliviam a dor dos menos favorecidos.

    Se aumentar o rigor da lei, atinge também o policial bandido,

    A mesma lei que prende bandido, prende policial bandido.

     

     

     

     

    1. Lei não prende ninguém.
      Quem

      Lei não prende ninguém.

      Quem prende é a polícia (salvo os raríssimos casos de prisão cidadã).

      Quem vai prender policial bandido? Se todos, ou muitos, ou os com mais poder, forem policiais bandidos, ninguém, ou só os abnegados, sob o risco de serem as próximas vítimas de policiais bandidos.

      1. Quem prende e a justiça,

        Quem prende e a justiça, outorgada  pela sociedade.

        O estado e o preposto da sociedade. Ou seja e a sociedade que faz a lei e a executa.

        1. Substantivos abstratos não

          Substantivos abstratos não põem algema em ninguém. Para prender é preciso ter mãos, pernas, cabeça. Se essas mãos, pernas e cabeças forem corruptas, você não tem garantia nenhuma de que quem vai preso é quem precisa ir preso para garantir sua segurança.

          Haja vista:

          mendigo incomodando em bares, camelô vendendo muamba = violência & arbitrariedade policial (no primeiro caso, inclusive, gratuita: não houve sequer prisão; no segundo, vai saber – é repressão legítima ao contrabando, ou é meramente caça à propina de cada dia?).

          Bando de traficantes fazendo zoeira de madrugada para vender drogas = cadê a polícia, que ninguém viu?

          Não tem lei que mande fazer isso. Tem é polícia que faz, mesmo sendo ilegal.

          Quem prende os policiais que maltrataram gratuitamente o mendigo?

          Quem prende os policiais que eventualmente achacam camelôs?

          Quem prende os policiais que não fazem a ronda e/ou preferem não se meter com traficantes?

    2. Direita no Brasil = extrema-direita em um país civilizado

      É… em se tratando de Brasil, pátria do sádico e injustificável apartheid social e econômico, sim, sem rótulos e sem preconceito, direita, aqui, não sejamos injustos, equivale à extrema direta em qualquer país civilizado (Dinamarca, Suécia, Suíça, Bélgica, Noruega, Islândia e outros). Mas, interessante refletir, em tal contexto, o que dizer da extrema-direita no Brasil?

      1. A maioria da direita no

        A maioria da direita no Brasil e composta de pobres.

        Não é rico que é de direita, mas os pobres.

        É a nossa cultura e a esquerda NUNCA vai mudar isso, pelo menos de forma não violênta.

        E porque vota na esquerda, porque é uma maioria silênciosa se submetendo a vontade de uma minoria barulhenta.

        As manifestações do dia 15 de março e do futuro dia 12 abril chegaram para mudar  este paradigma.

         

         

  2. Soluções efetivas absolutamente sonháticas

    O texto, apesar de sua alegada racionalidade, é uma grande contradição em termos. Ao fim e ao cabo, apesar do tom só aparentemente sóbrio, apoia-se nos mesmos emocionalismos que diz condenar e nas mesmas inverdades que diz combater. Ora, a esquerda – pelo menos a que detém parte do poder hoje no Brasil – já abriu mão de uma série de dogmas, seja por necessidade e/ou gosto.

    Além disso, para quem diz procurar uma solução efetiva para o problema, as soluções propostas são de longuíssimo prazo, pois esbarram numa série de problemas que teriam de ser solucionados primeiro. Começando pelo pior deles, que é o corporativismo das polícias militares e que governo nenhum tem a coragem de enfrentar,  pois seus membros se acham pessoas mais iguais do que as outras desde os tempos do duque de Caxias. E depois, a população (em geral) é tão odienta que quando a polícia mata um ladrão (do que quer que seja, inclusive os que “roubam para comer”) a maioria esmagadora das pessoas bate palmas. Ninguém acredita numa recuperação de uma vida de crimes, e as estatísticas de nossas prisões mostram isso claramente.

    Além disso, por mais crueis que sejam, os crimes relatados pelo autor são a exceção e não a regra. “Ah, mas falando assim você não leva em conta os sentimentos dos familiares das vítimas etc. etc.” Ora, o ódio e a vingança nunca foram bons conselheiros para a vida. E não podemos esquecer que esse ódio, essa vingança são estimulados pelos Datenas, que instilam esse fogo de barragem de ódio dia sim, outro também – com informações cedidas gentilmente pela própria polícia, que deveria ser a primeira a impedir esse tipo de coisa! O autor tem a ilusão de que a contra-educação vai dar conta desse problema?

    Mas o pior mesmo é o lance da “implantação conjunta das medidas”. É um plano falho porque, além de ser de longuíssimo prazo, se qualquer uma de suas pernas falhar, o plano inteiro desmorona. Pergunto:

    * Antes de tudo, será que não é mais importante lembrar às pessoas e educá-las para saibam que os policiais estão a serviço delas, sendo pagos inclusive com o dinheiro dos impostos que o governo recolhe?

    * O autor realmente pensa que a cultura da carteirada vai ser extinta por uma canetada? Porque esse crime já é previsto pela legislação atual. Isso passa pela minha crença de que, antes de tudo, TODO MUNDO tem que ser igual perante a lei, e que não pode haver lei que permita discriminar as pessas por qualquer motivo que seja. Direitos iguais pra todo mundo: seja pobre, seja rico, seja homo, seja hétero, seja preto, seja branco, seja café com leite, seja índio (coloque sua maioria ou minoria predileta aqui).

    * O autor realmente acredita que a força policial consiga ser educada PARA ONTEM que bater na cara de um cidadão é um crime grave? Sendo que esse também é outro crime previsto pela legislação atual?

    * O autor realmente acredita que as forças federais aceitarão combater a formação de milícias policiais, sob o risco de serem mal-interpretados?

    * O uso de câmeras pelos policiais vai ser algo que impeça que os crimes cometidos pela polícia ocorram, sem tocar no problema principal que é o corporativismo da tropa? Ou os policiais vão filmar daí os espancamentos e assassinatos para postar no YouTube e WhatsApp, com suporte do dinheiro público para esse fim?

    * O autor realmente acredita que a bancada da bala vai aprovar leis que permitam a punições rigorosas dos policiais em caso de agressão?

    * O autor realmente pensa que a população quer prisão perpétua para homicidas? (Não, o que a população quer é pena de morte mesmo, nem que seja um furto de 40 reais, como os linchamentos que vemos com frequência se encarregam de demonstrar)

    * O autor não sabe que a tal “regulamentação rigorosa de prisões escola”  já existe, mas não é cumprida pela maior parte dos governos estaduais?

    * E, finalmente: o autor não vê que, se existem crianças e adolescentes homicidas, isso se deve ao fato de que há pais e mães que não honram esses papeis? Essas crianças não aprenderam a matar sozinhas, aprenderam isso com alguém antes. Onde estavam o pai e a mãe? E a família? E na falta destes, o Estado?

    Em resumo, o “o que fazer na prática” sugerido no artigo acabaria por igualar a esquerda à direita mais retrógrada. O que faria com ela perdesse qualquer chance de se diferenciar da direita, e faria com que as pessoas “votassem no original ao invés da cópia apagada”. Dilma Rousseff está passando por esse processo exatamente neste momento com as contradições de sua nova política econômica, enquanto digitamos.

    1. Há coerências sim mas, pontos principais não foram mencionados: DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS, unificando-as às polícias civis. Outra coisa interessante é estudarmos a MUNICIPALIZAÇÃO dessas polícias, já desmilitarizadas, a pequenos/médios municípios. Planificação das carreiras policial e jurídica; fim de concurso público para procuradores e juízes estaduais e federais: passam a ingressar como oficiais de Justiça, agentes, escrivãos, peritos, investigadores, et cetera, ascendendo na carreira.

  3. nossa, criticar a esquerda…

    a esquerda brasileira é um dos poucos fatores que civiliza o capitalismo brasileiro.

    sem ela ainda seríamos algo com uma feitoria de escravos e milhões na fome e na mais absoluta miséria.

    essa história de direita ilustrada, preocupada com a responsabilidade social, etc., etc., ainda não passa de percentual insignificante. a direita brasileira é o que se verá nas ruas do próximo domingo – atraso, ódio e egoísmo. 

    viva a esquerda brasileira!

  4. “Reduzir a maioridade penal,

    “Reduzir a maioridade penal, penas mais longas, tem o efeito de sinalizar à população vítima, que alguma coisa está sendo feita ou prometida contra seus algozes.”

    Quem vai prender os criminosos pra que eles cumpram uma pena mais longa?

    A polícia que você descreve, sempre pronta a espancar camelô e mendigo, e sempre ausente quando estacionam um carro com som ligado a todo volume debaixo das suas janelas?

    Seria engraçado, se não fosse completamente sem graça.

  5. crime organizado é empresa capitalista

    Pera aí.. se eu entendi direito a ‘esquerda’ deve seguir os ‘anseios populares’ (como se esses fossem unanimes!). Então se por exemplo,  houver “anseio popular”(como se mede???) por perda de direitos trabalhistas, privatização, e até por uma ditadura militar, a esquerda deve seguir ‘o senso comum’??? ahhh??? Então o único  objetivo da esquerda é chegar ao poder a qualquer custo para fazer ‘a revolução’??. O que importa são os meios, e os fins e principalmente aos princípios, que se danem???

    Quanto a ‘bandidagem’ o autor esquece um ponto que me parece fundamental. Hoje quando se fala de ‘crime organizado’ se fala de empresas que seguem a lógica capitalista, mesmo na ilegalidade – a máfia italiana, por exemplo, atingiu um nível de sofisticação ‘empresarial’ que não fica nada a dever as empresas capitalistas. E o tráfico também! As fronteiras entre a legalidade e a ilegalidade são facilmente transponiveis: vide HSBC, helicópteros cheios de coca desembarcando em festas do high society…. Prender ‘avioeszinhos’ é fácil, quero ver prender donos de helicópteros…

  6. Muito bom mesmo, eu vou

    Muito bom mesmo, eu vou compartilhar! É preciso sair da caixa doutrinária e se permitir entender a dor não somente das vítimas das barbáries policiais, mas também dos pequenos tiranetes bandidos.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador