Com a vitória de Lula, quais são as perspectivas para os BRICS?

Lula foi um dos fundadores do bloco ao lado dos presidentes Putin e Xi Jinping, que já expressaram intenção de cooperar

Os presidentes da China e da Rússia já manifestaram sua disposição em “intensificar a cooperação estratégica” com o Brasil durante o terceiro mandato de Lula da Silva – Pavel Golovkin /AFP

do Brasil de Fato

Com a vitória de Lula, quais são as perspectivas para os BRICS?

por Michele de Mello

A eleição de Luiz Lula da Silva para presidir o Brasil movimentou a diplomacia global. Em menos de 24 horas da divulgação do resultado oficial, Lula recebeu a visita do presidente argentino Alberto Fernández e felicitações de todos os chefes de Estado e de governo da América Latina. Além do reconhecimento regional, os líderes das maiores potências econômicas mundiais também manifestaram sua disposição em trabalhar com o presidente eleito. 

O mandatário chinês, Xi Jinping, que também acaba de ser reeleito para assumir um terceiro mandato, disse que a China está pronta “para trabalhar com Lula para fortalecer conjuntamente a parceria estratégica global China-Brasil para um novo nível, de modo a beneficiar os dois países e dois povos”. 

O mandatário russo, Vladimir Putin também parabenizou o petista e disse que espera garantir, através de esforços conjuntos, “o desenvolvimento de uma cooperação construtiva russo-brasileira em todas as áreas”, publicou em comunicado na segunda (31). 

Com o alinhamento do Brasil, Rússia e China pode abrir-se um novo período de cooperação interna no BRICS, bloco criado em 2009, durante o segundo mandato de Lula, entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 

Durante a última Cúpula Anual dos BRICS, em junho deste ano, o presidente chinês, Xi Jinping, anunciou um fundo de US$ 4 bilhões (cerca de R$ 20 bilhões) para a cooperação Sul-Sul, prometendo a abertura de um centro tecnológico para avançar nos mecanismos da chamada revolução 4.0 e a abertura de um laboratório, com sede no território chinês, para desenvolvimento de medicamentos de interesse comum do bloco.

As diretrizes do 14º Plano Quinquenal chinês, que será aplicado até 2025, preveem o financiamento de projetos de economia verde na América Latina, por meio dos seus “Policy banks”, China Development Bank e China Eximbank.

O encarregado de negócios da embaixada chinesa no Brasil também disse que Pequim está disposta a diversificar o comércio, aumentando o valor agregado das importações brasileiras. Desde o boom das commodities, em 2003, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, e responde pela compra de 70% da soja cultivada no país. 

“Temos condição de melhorar nossa relação com a China, mas diante da ausência de um projeto político mais claro, diante da diferença de poder bélico, dos investimentos em tecnologia, e da diferença do nível de poder sobre a politica econômica, eu sou cético sobre uma inserção diferente do Brasil no mercado internacional, a não ser que apostemos todas as fichas no desenvolvimento tecnológico”, destaca ao Brasil de Fato o economista Francisco Pessoa. 

Para a diretora do BRICS Policy Center da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Ana Saggioro Garcia, dificilmente a China abandonará a importação de commodities, já que o agronegócio brasileiro é o único capaz de produzir alimentos na escala demandada pelo mercado chinês.

“Uma alternativa para a inserção da América Latina nos mercados globais de valor seria o ideal, mas os fluxos de comércio e investimento que a China traz são todos voltados para a indústria extrativa ou para a cadeia do agronegócio”, afirmou. 

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As previsões do BRICS Policy Center, indicam que as exportações de proteína animal e grãos da região para a China tendem a aumentar, em função do crescente alargamento da classe média chinesa. O Plano Quinquenal prevê saltar de 400 milhões para 700 milhões de pessoas consideradas de “classe média”.

O economista Francisco Pessoa concorda: “precisamos pensar numa estratégia de inserção autônoma. Não podemos contar com a boa vontade dos nossos parceiros, porque são relações de conveniência. O que realmente norteia a decisão dos importadores chineses por um mercado ou outro vai ser ver quem está vendendo mais barato, por mais que haja uma boa vontade do governo chinês em relação ao Brasil”.

A volta dos governos do PT no Brasil poderia ser o estímulo que faltava para garantir a expansão do bloco. A Argentina já formalizou seu pedido de ingresso e a visita de Fernández a Lula pode apontar esse interesse mútuo. 

“A meu ver não há grande mudança do bloco em si, mas a mudança de um governo que dará mais importância estratégica ao BRICS”, destaca Ana Saggioro Garcia.

Relações ambíguas 

Apesar das relações tensas do ponto de vista diplomático entre Brasil e China, durante o início do governo de Bolsonaro, o país não perdeu espaço dentro da gestão econômica do bloco, conseguindo nomear o brasileiro Marcos Troyjo para presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco dos BRICS, e manter nove projetos apoiados pela entidade bancária, sendo o país com maior acesso a financiamento.

“É impressionante como Bolsonaro utilizou o banco do BRICS a seu favor sem que houvesse qualquer constrangimento”, comenta a professora Ana Saggioro Garcia. Em 2019, além de nomear Troyjo para a presidência do NBD, o governo brasileiro também garantiu financiamento para a mineradora Vale, no mesmo ano do crime de Brumadinho

Para a pesquisadora esta seria mais uma evidência de que não se pode afirmar que os BRICS são uma aliança contra-hegemônica. 

“A aliança entre China e Rússia dá esse caráter de um BRICS mais geopolítico, o que não é anti-hegemônico, porque a disputa por hegemonia significa que estes países criaram formas de convencimento no aspecto cultural e isso não acontece. O modelo chinês ou o modelo russo não necessariamente conquistam corações e mentes pelo mundo”, destaca.

No entanto, para a diretora do BRICS Policy Center, uma postura mais altiva do Brasil poderia ser decisiva para colocar fim à guerra na Ucrânia. 

“O ideal é que o conflito cessasse, mas para isso é necessário um mediador. Hoje não há esse mediador de peso em um nível internacional. Ninguém tem essa legitimidade no momento, a ONU não está agindo nesse sentido, e o Brasil de Lula poderia assumir esse papel”, defende Ana Saggioro Garcia. 

O grupo, criado em 2009, representa hoje 26% do PIB global, 20% do comércio internacional e concentra cerca de 42% da população mundial. De 2016 para cá, com o golpe sobre Dilma Rousseff, apesar da continuidade das atividades do grupo, alguns projetos foram engavetados, como a criação de uma universidade conjunta. 

Durante 2022, foram realizados cerca de 50 encontros para debater áreas como tecnologia, segurança e comércio. Além da Argentina, México, Irã e Nigéria são alguns dos países que já expressaram seu interesse de aderir ao Brics. No entanto, a admissão deve ser por consenso de todos os membros.

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Redação

5 Comentários

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  1. O Brasil não poderá depositar suas fichas apenas no agronegócio. Será abdicar de seu futuro como nação soberana. A atual “guerra dos chips” já deveria ter acendido uma luz amarela entre aqueles que se preocupam de forma estratégica com o nosso futuro.

    Em relação a isso já fiz alguns comentários em outros posts e vou reproduzi-los outra vez.

  2. EUA e China encontram-se em meio a uma grande guerra tecnológica, batizada de “guerra dos chips”. Guerra esta declarada, pelos EUA contra a China, ao perceber que o status de potência mundial mais poderosa do mundo está em vias de ser trocado por um, ainda assim invejável, posto de segundo lugar. Em um verdadeiro cavalo de pau, os EUA renegaram todo o antigo e conhecido discurso sobre as virtudes da livre competição econômica, sem a intervenção do estado, e o substituíram por um outro, igualmente antigo e conhecido, mas que, até então, para os EUA, sempre foi associado, de maneira pejorativa, a países atrasados e “populistas”. Em meio a essa briga de cachorro grande entre as duas grandes potências, o mundo é comunicado que a capacidade de projetar e fabricar os cada vez mais minúsculos chips semicondutores passou a ser considerada estratégica. Para os EUA é necessário impedir, a qualquer custo, que a China prossiga em seu caminho de domínio tecnológico capaz de, até mesmo antes do final da década, ultrapassar os EUA no domínio desta posição estratégica. E nós aqui no Brasil, o que fazemos diante disso? Ah! Nós aqui destruímos nossa biodiversidade amazônica para fortalecer o agronegócio e nos posicionamos como o maior exportador de alimentos do mundo; ainda que nossa população retorne ao vergonhoso e calamitoso mapa da fome do qual havíamos conseguido escapar não faz muito tempo. Com o novo governo eleito, o Brasil deveria olhar com mais atenção para essa briga de cachorro grande e entrar no ringue, não contra os EUA ou contra a China, mas sim a favor dos nossos interesses estratégicos a médio e longo prazo.

  3. O projeto e a fabricação de chips é uma atividade que requer uma massa crítica de engenheiros e é extremamente intensiva em capital.
    A importância da formação dos quadros técnico científicos para o domínio dessas capacidades foi aqui subestimada desde a época da reserva de mercado.
    Coisa que a Coreia do Sul, Hong Kong, Taiwan e a China Continental, silenciosamente e com muito afinco, correram atrás.
    Fizeram o dever de casa. Hoje, para o Brasil entrar nesta guerra, mais do que necessária para a nossa sobrevivência como nação soberana, com os cofres exauridos após os descaminhos percorridos nos últimos anos, não será muito fácil.
    Como fazê-lo então? A resposta sugerida a esta pergunta segue nos próximos comentários.

  4. Nesta situação calamitosa na qual nos encontramos teremos que pensar grande ao mesmo tempo em que teremos que reconhecer a nossa humilhante posição de partida.
    Minha sugestão passa pelos seguintes pontos:

  5. 1) Declarar ao mundo que entrar neste ringue tecnológico é um objetivo estratégico nosso e que pretendemos seriamente envidar todos os esforços para consegui-lo.
    2) Declarar que este esforço não será feito contra a potência A nem contra a potência B, mas sim com a ajuda tanto de A, quanto de B; e também de todas as demais letras do alfabeto que quiserem cooperar com nosso esforço.
    3) Estimularemos o projeto e a fabricação de chips no Brasil por todas as empresas internacionais que detêm a tecnologia para isso.
    4) Criaremos polos tecnológicos em cidades como Campinas, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife que possuem alguma tradição na formação de quadros técnicos de qualidade.
    5) Em troca dos estímulos de infraestrutura, isenção de impostos, acesso amplo a mercados e outros, pediremos apenas uma contrapartida para a criação de centros de formação de quadros mais qualificados nessas e em outras cidades além de mecanismos de transferência de tecnologia.
    6) Procurar mostrar aos interessados que a instalação em território brasileiro lhes será benéfica do ponto de vista estratégico já que o Brasil, tendo muito boas relações comerciais com todos os países do mundo, não irá cercear o escoamento da produção e exportação para nenhum mercado eventualmente na lista negra deste ou daquele país.
    Uma declaração altiva de princípios e fins como esta certamente poderá provocar reações e pressões muito fortes provenientes de alguns atores internacionais.
    Mas é aí que o Brasil precisará mostrar-se soberano, falar grosso e defender seus interesses com unhas e dentes. Que o tempo perdido ainda possa ser recuperado por um governo atento aos interesses do país.

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