Geopolítica Sino-Russa na Eurásia e disputas China-EUA: Elementos para entender a crise Rússia-Ucrânia

China e Rússia estão articulando suas estratégias e paradigmas de política externa com base em suas próprias visões projetadas com foco na Eurásia.

Crédito: Mikel Jaso/The Economist

do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

Geopolítica Sino-Russa na Eurásia e disputas China-EUA: Elementos para entender a crise Rússia-Ucrânia

Por Marcos Cordeiro Pires e Lucas Gualberto do Nascimento*

A grande massa terrestre eurasiática é uma zona geopolítica chave no sistema internacional. Segundo o cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, em seu livro A Segunda Guerra Fria: geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos (Editora Civilização Brasileira, 2014), a Eurásia é a massa de terra que se estende da Europa à Ásia, tendo seu Heartland essencialmente na Ásia Central. O controle desta “área-pivô”, como denominada por H. J. Mackinder, no clássico geopolítico The Geographical Pivot of History (Royal Geographical Society, 1904), garante a um país a vantagem do poder terrestre – a World Island, naquela que é conhecida como “a maior fortaleza natural da Terra”. O ator que dominar o Heartland, na lógica do poder terrestre, domina a Eurásia. Portanto, um melhor posicionamento geopolítico na Ásia Central é um fator decisivo nas disputas hegemônicas atuais, em que se contrapõem atores de peso como Estados Unidos, União Europeia, Rússia e China.

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Teoria do Heartland: o mundo segundo Mackinder (Fonte: obra do autor)

As novas reconfigurações políticas e econômicas da Eurásia têm sido um tema cada vez mais relevante nas relações internacionais. Potências regionais que foram subjugadas pelo imperialismo estão novamente em pé, como China e Índia. As tradicionais áreas de influência da Rússia são objeto de ações políticas de potências extrarregionais, como Estados Unidos e União Europeia. A Rússia tenta recuperar seu terreno por meio da União Econômica Eurasiática (EAEU, na sigla em inglês); a China oferece a Belt and Road Initiative (BRI) aos países asiáticos (mas não apenas); enquanto os Estados Unidos procuram se alinhar com Índia, Japão e Austrália por meio do Quad, como instrumento para refrear a crescente influência chinesa. Nesse sentido, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX), liderada por Rússia e China, busca organizar estratégias de segurança regional para fazer frente, originalmente, à insurgência sunita, mas que tem como objetivo aumentar a coordenação, ao incorporar Índia, Paquistão e Irã, entre outros.

Eurásia como espaço de disputas hegemônicas

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Para se refletir sobre a importância geopolítica da região eurasiática, é importante resgatar as ideias de teóricos que destacaram a importância do poder terrestre no equilíbrio da política internacional. Como vimos, diferentes potências ao longo da História fizeram tentativas de estabelecer sua hegemonia, buscando conquistar esta parte do mundo. Em seus escritos sobre os desenvolvimentos geoestratégicos da Eurásia (The Great Chessboard, Basic Books, 1997), o ex-conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos Zbigniew Brzezinski (1977-1981, governo Jimmy Carter) enfatizou a importância da geopolítica da Eurásia para o grande jogo de poder nas relações internacionais. Sendo um dos principais objetivos da política externa dos Estados Unidos garantir a prevenção de uma parceria rival contra-hegemônica eurasiática, a identificação e a “tutela” de potências-pivô na Eurásia vem sendo uma estratégia constante da política externa dos Estados Unidos, adotada para quebrar a possibilidade de alianças entre as potências regionais contra Washington.

Seguindo a mesma estratégia geopolítica, Brzezinski afirma, na referência mencionada acima, que “A identificação dos principais pivôs geopolíticos da Eurásia Pós-Guerra Fria, e protegê-los, é, portanto, também um aspecto crucial da geoestratégia global da América. […] Nas atuais circunstâncias globais, pelo menos cinco atores geoestratégicos importantes e cinco eixos geopolíticos […] podem ser identificados no novo mapa geopolítico da Eurásia. França, Alemanha, Rússia, China e Índia são atores importantes e ativos. […] Potencialmente, o cenário mais perigoso seria uma grande coalizão de China, Rússia, e talvez Irã, uma coalizão ‘anti-hegemônica’ unida não por ideologia, mas por reivindicações complementares”.

As ações de China e Rússia são vistas como forte ameaça pelo governo de Washington, percepção que remota ao governo Obama, principalmente depois dos incidentes da Ucrânia, em 2014. Recentemente, o governo dos Estados Unidos, por meio do documento Renewing America’s Advantages: Interim National Security Strategic Guidance, (ou “Renovando as Vantagens da América: Orientação Estratégica Provisória de Segurança Nacional”, de 2021), reafirmou as preocupações com relação a China e Rússia presentes em outros estudos prospectivos que buscam apoiar as estratégias de defesa do país.

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De acordo com o texto, “Devemos também enfrentar a realidade de que a distribuição de poder pelo mundo está mudando, criando novas ameaças. A China, em particular, tornou-se rapidamente mais assertiva. É o único competidor potencialmente capaz de combinar seu poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para lançar um desafio sustentado a um sistema internacional estável e aberto. A Rússia continua determinada a reforçar sua influência global e desempenhar um papel perturbador no cenário mundial. Pequim e Moscou investiram pesadamente em esforços para verificar os pontos fortes dos EUA e nos impedir de defender nossos interesses e aliados em todo mundo”.

Não é o caso de descrever todos os movimentos recentes que tratam do aumento das rivalidades entre Estados Unidos, de um lado, e China e Rússia, de outro, pois, independentemente de flutuações conjunturais, o tema das disputas estratégicas no espaço eurasiático é um problema estrutural e como tal merece ser tratado. Logo, é preciso compreender as movimentações de “placas tectônicas” que ocorrem na região e como isso impactará o cenário internacional. Nesse aspecto, as novas articulações econômicas devem ser mais bem compreendidas, pois não conformam apenas à construção de infraestruturas, mas de laços de interdependência que podem embasar novos níveis de articulação política.

Eurásia e cooperação para o desenvolvimento

Formada com base na EAEU e na BRI, a parceria da Grande Eurásia, entre China e Rússia, assenta-se nos seguintes pontos: (a) Reaproximação sino-russa, ligando BRI e EAEU; (b) Agrupamentos não-ocidentais, especialmente OCX, Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) e Brics; (c) Parceria de Estados não-ocidentais nos objetivos da Grande Eurásia; (d) Convergência de interesses políticos e econômicos para a superação da percepção de unipolaridade buscada pelos Estados Unidos, em um movimento semelhante à Conferência de Bandung, de 1955; (e) Parcerias econômicas como plataformas para uma maior cooperação, especialmente através da Ásia Central e da Europa, com o estabelecimento do Cinturão Econômico da Rota da Seda (Silk Road Economic Belt – SREB) e da Rota da Seda Marítima, por meio de parceiros da Asean, ambos setores da BRI; (f) A Grande Eurásia é uma parceria aberta, desde que respeitados os princípios da não-interferência e da multipolaridade; portanto, países europeus e outros possíveis parceiros podem ser incluídos.

Em síntese, China e Rússia estão articulando suas estratégias e paradigmas de política externa com base em suas próprias visões projetadas com foco na Eurásia. Apesar de terem prioridades diferentes em suas orientações geoestratégicas, China e Rússia têm buscado interesses complementares na Eurásia, especialmente no que diz respeito a uma maior integração econômica e ao estabelecimento de parcerias preferenciais. A União Econômica Eurasiática, liderada pela Rússia, juntamente com a Belt and Road Initiative, liderada pela China – especialmente o Silk Road Economic Belt – demonstraram sinergias no sentido de construir uma parceria estratégica sino-russa de modo a influenciar desenvolvimentos futuros na Eurásia, em um movimento de ambas as potências em seus termos geoestratégicos.

Principais aspectos da União Econômica Eurasiática (EAEU)

Oficialmente lançada em 2015, a União Econômica Eurasiática (EAEU) é uma organização internacional crucial na política externa russa contemporânea. A União representa as concepções russas sobre comércio regional, integração e inserção internacional. Anteriormente à sua criação, a Comunidade de Estados Independentes (CEI) era a principal organização regional a congregar as repúblicas pós-soviéticas, sobretudo, na década de 1990. Os primeiros três Estados-membros – Rússia, Belarus e Cazaquistão – juntaram-se à Armênia e ao Quirguistão na criação da EAEU, que entrou em vigor naquele ano. Atualmente, a EAEU é uma organização regional na Eurásia que representa 183 milhões de habitantes, com um Produto Interno Bruto (PIB) combinado de US$ 2,2 trilhões e trocas comerciais de US$ 900 bilhões. Embora seja preocupante para a Rússia a não participação da Ucrânia, devido às disputas geopolíticas em termos de alianças regionais e de segurança – em especial em relação à UE e à OTAN –, a EAEU é um avanço da atual política externa russa nos assuntos regionais e da Eurásia.

Principais aspectos da Belt and Road Initiative (BRI)

Lançada oficialmente durante uma visita do presidente Xi Jinping ao Cazaquistão, em 2013, a Belt and Road Initiative se configura como um ambicioso corredor econômico, que tem como objetivo integrar o Extremo-Oriente à Europa Ocidental, principalmente da Rússia, por sua via terrestre, e do Oceano Índico, por sua via marítima. Este projeto foi inspirado na antiga Rota da Seda, que teve grande relevância entre os séculos II a.C. e o século XV. No total, a iniciativa engloba seis corredores econômicos, com 60% da população global e um terço do PIB mundial.

Para a análise dos desdobramentos do plano de ação da BRI, esta é esquematizada nos seguintes corredores prioritários:

1) New Eurasian Land Bridge: Eixo conector da China à União Europeia, precursor da União Econômica Eurasiática (EAEU);

2) China-Mongolia-Russia Economic Corridor: Eixo conector do nordeste da China à Mongólia e à Sibéria russa, por meio ferroviário, oleodutos e gasodutos; há projetos paralelos, visando a fomentar o turismo, a agricultura e a ciência e tecnologia;

3) China-Pakistan Economic Corridor: Corredor da BRI capaz de ligar a província ocidental de Xinjiang ao Oceano Índico, partindo do porto paquistanês de Gwadar;

4) Bangladesh-China-India-Myanmar Economic Corridor: Eixo conector da Baía de Bengala e do Oceano Índico ao sul da China, através de ferrovias, rodovias, portos oleodutos e canais;

5) China-Indochina Peninsula Economic Corridor: Eixo conector da península do Sudeste Asiático ao sul da China, por meio de trens de alta velocidade e portos;

6) China-Central Asia-West Asia Economic Corridor: Eixo que perpassa a Ásia Central, o Irã e a Turquia, até chegar ao continente europeu.

Parceria estratégica sino-russa na BRI e na EAEU: Grande Eurásia e Ásia-Pacífico

Conforme discutimos na seção anterior, foi com base na gestão de objetivos pragmáticos de política externa que Rússia e China iniciaram um processo de reaproximação, voltado para uma nova centralidade da Eurásia. A partir de novas diretrizes assentadas no Tratado de Amizade, de 2001, as relações sino-russas se intensificaram rapidamente desde então. Diversos resultados positivos foram obtidos, graças a um maior entendimento mútuo, a destacar os seguintes: resolução das questões fronteiriças remanescentes; forte intensificação das relações comerciais; importantes programas de integração político-econômica e de infraestrutura, como BRI e Brics. Tais fatores são preponderantes para se analisar a aproximação sino-russa como um elemento constituinte de uma dinamização da crescente integração eurasiática.

2001 चीन-रूसी मैत्री संधि इतिहास देखें अर्थ और सामग्री - hmoob.inOs líderes russo, Vladimir Putin, e chinês, Jiang Zemin, após assinatura do Tratado da Amizade, no Kremlin, em Moscou, em 16 jul. 2001 (Fonte: ThinkChina/Wikimedia/kremlin.ru)

A estratégia de mútua acomodação de interesses tem-se mostrado positiva. Nela, o governo chinês adota a postura de estabelecer acordos com os países-membros da EAEU em bloco, e não separadamente, o que mantém a estrutura da integração regional liderada pela Rússia. Assim, ambos os países acomodam seus principais interesses na região: a expansão econômica e comercial chinesa, que necessita de novos mercados para seus produtos; e a manutenção da zona de influência russa pós-soviética, concentrada, principalmente, em termos de segurança e energia. A parceria sino-russa, juntamente com a integração de seus respectivos projetos econômicos, representa uma concorrência geoestratégica frente às posições defendidas pelos EUA na Eurásia.

Disputas China-EUA na Eurásia: do conceito de Ásia-Pacífico ao de Indo-Pacífico

A intensificação das disputas comerciais e tecnológicas entre Estados Unidos e China impactou as relações político-econômicas na Eurásia. Os avanços chineses em produção, finanças e tecnologia mudaram o cenário da disputa. O país asiático tem grande capacidade de ação, dadas as suas enormes reservas cambiais, que chegam a cerca de US$ 3 trilhões; uma grande capacidade de importação que rivaliza com o volume dos EUA; uma estratégia para apoiar investimentos produtivos e de infraestrutura em todo mundo por meio da Belt and Road Initiative; e, recentemente, avanços tecnológicos no setor de tecnologia da informação, como a criação de uma base competitiva para Internet 5G e sistemas de Inteligência artificial, que também rivalizam com os EUA. Todos estes fatores tornam a RPC uma forte concorrente de Washington, cuja política de contenção da China se intensificou a partir de 2011, quando foi lançada a estratégia de um “pivô para a Ásia”, também conhecida como a estratégia de “Um século americano na Ásia-Pacífico”.

Mais recentemente, ocorreu uma mudança bastante significativa da estratégia americana de contenção da China. O que antes englobava apenas a “Ásia-Pacífico” se estendeu para a bacia do Oceano Índico, em um claro intento de envolver a Índia, vizinho com o qual a China possui controvérsias sobre a delimitação da fronteira. Esta nova posição é representada pelo Quadrilateral Security Dialogue (Quad, ou Diálogo Quadrilateral de Segurança), formado por EUA, Japão, Austrália e Índia, e pela visão geoestratégica de contenção do Indo-Pacífico. Esta geoestratégia para a Eurásia busca uma contraposição à gradativa preponderância chinesa na região da Ásia-Pacífico. O Comando do Pacífico dos EUA – rebatizado em 30 de maio de 2018 como Comando do Indo-Pacífico (USINDOPACOM) – promove esta visão com relação à Eurásia desde a Guerra Fria, quando a influência soviética passou a ser mais presente rumo a saídas para o Índico. A atualização desta narrativa regional acompanha as preocupações, sobretudo de segurança, de Austrália, Índia e Japão, que temem o estabelecimento de um alinhamento sinocêntrico na denominada Ásia-Pacífico, pondo o Indo-Pacífico como uma visão concorrente de contenção.

INDOPACOM Drafts Regional Strategy For All-Domain Ops - Breaking Defense  Breaking Defense - Defense industry news, analysis and commentaryÁrea de atuação do INDOPACOM (Fonte oficial)

A estratégia do Indo-Pacífico busca alternativas de contrabalanceamento da forte presença da China no comércio dos principais aliados dos Estados Unidos na região, como Japão, Indonésia, Coreia do Sul, Filipinas e a província de Taiwan. Nesse sentido, merece destaque a Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP, ou “Parceria Econômica Abrangente Regional”), firmada em novembro de 2020, que surge como acordo de comércio substitutivo à Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), iniciativa liderada pelos Estados Unidos e frustrada pelas visões antimultilateralistas do governo Trump.

Nesse sentido, na perspectiva dos Estados Unidos e de seus aliados, além da BRI como proposta chinesa para a Eurásia – partindo-se, principalmente, conforme exposto, da Silk Road Economic Belt (SREB) e da 21st Century Maritime Silk Road –, a RCEP é percebida como uma ameaça, uma vez que é capaz de aproximar ainda mais a Asean da China como novo centro de gravidade da economia mundial.

Em contrapartida, o Quad afirma buscar um “Indo-Pacífico livre e aberto, […] inclusivo, saudável, ancorado em valores democráticos, e livre de coerção”. Em 2019, no documento A Free and Open Indo-Pacific: Advancing a Shared Vision (“Um Indo-Pacífico Livre e Aberto: Promovendo uma Visão Compartilhada”), o Departamento de Estado dos EUA cita abertamente a República Popular da China (RPC) como adversária e contrária aos valores preconizados pela parceria Quad. Nas menções feitas a Beijing, a RPC é acusada de reprimir brutalmente minorias étnicas em Xinjiang, de interferir na província do Tibete e de impedir a autonomia de Hong Kong. Além disso, ao definir critérios para a segurança marítima, Washington urge Beijing a resolver controvérsias no Mar do Sul da China “sem coerção”, classificando as reivindicações chinesas como “provocações” que estariam impedindo o acesso de membros da Asean a receitas de US$ 2,5 trilhões em recursos energéticos. Por último, o Quad estaria respondendo a tais agressões por meio de exercícios militares conjuntos. Portanto, a retórica destinada à RPC tem a estratégia militar como cerne, é antagonista e estabelece as iniciativas e interesses chineses como uma ameaça aos países do quadrilátero e da Asean.

Na competição estratégica China-EUA, a contenção estadunidense frente ao avanço chinês é a tônica da disputa por parcerias geoestratégicas na Eurásia: a China, mediante sua preponderância econômica na região; e os EUA, usando de seu maior poder militar, apesar das perdas de liderança no poder econômico. Nestes planos concorrentes, o poder de barganha de países como Índia, Indonésia e Austrália se eleva, a depender de como serão inseridos nos acordos estabelecidos por Pequim e Washington.

A movimentação política levada a cabo por Estados Unidos, Rússia e China é variável-chave para a compreensão dos rumos da política internacional nas próximas décadas. Há três posturas que se destacam nesse processo: 1) dos Estados Unidos, quando buscam criar os meios para refrear o avanço de seus concorrentes com vista a estender sua posição hegemônica; 2) da Rússia, que procura restabelecer seu status de grande potência ao reconstruir sua influência no contexto eurasiático, tal como fora no período da URSS; e 3) da China, que busca garantir os meios para alcançar seu fortalecimento interno, a modernização da economia e atingir a condição de país plenamente desenvolvido em 2049.

Especificamente com relação às disputas entre China e Estados Unidos, é importante considerar o aumento da influência da China no contexto da Ásia-Pacífico e as estratégias de contenção dos EUA na frente europeia, contra a Rússia, assim como na frente recém-denominada de Indo-Pacífico contra a China. Podemos observar diferentes percepções na atuação destes atores: de um lado, uma posição cooperativa chinesa; de outro, uma posição estadunidense defensiva e agressiva, partindo de uma lógica de segurança e de contenção. Em vez de apresentar planos de cooperação econômica paralelos aos chineses na Eurásia, de mesma magnitude, os Estados Unidos não oferecem alternativas econômicas, pelo contrário: desde o início do governo Trump, e agora com o governo Biden, vemos aumentar o protecionismo e as iniciativas de reconstruir em seu território as cadeias produtivas baseadas na Ásia, principalmente após os episódios de desabastecimento decorrentes do impacto econômico da propagação da pandemia da covid-19.

Em contraste, temos visto incentivos para a cooperação sino-russa na Ásia Central e uma maior aproximação com a Asean e outros países da bacia do Oceano Pacífico. Portanto, a partir da convergência sino-russa de iniciativas de integração econômica na Eurásia, a EAEU, a BRI e a RCEP formam, juntas, o eixo sino-russo de cooperação na Ásia-Pacífico. Os EUA organizam, por sua vez, uma estratégia de contenção deste avanço coordenado, tendo como base a geoestratégia do Indo-Pacífico, centrada no Quad, de modo a disputar preponderância principalmente na Asean.

Apesar das fortes pressões exercidas pelos Estados Unidos e por seus aliados, buscando conter a ascensão da China e de um novo status da Rússia, a realidade tem mostrado que os avanços até aqui realizados pelas duas potências eurasiáticas serão difíceis de se reverter. A estratégia dos Estados Unidos de rivalizar com ambas as potências cria cenários indesejáveis pelos formuladores da política externa do país, qual seja, evitar a cooperação entre dois gigantes, como China e Rússia. Isso coloca os EUA em posição defensiva, pois ambos os países são membros do Conselho de Segurança da ONU, possuem armamento estratégico e, mais especificamente com relação à China, têm um peso econômico que a extinta URSS jamais projetou. O caminho da História está sempre aberto, mas constranger simultaneamente duas grandes potências parece ser um erro estratégico da potência hegemônica.

Marcos Cordeiro Pires é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp-Unicamp-PUCSP). Também é coordenador do Grupo de Pesquisa BRICS (Unesp) e do Latino Observatory e membro do INCT-INEU. Contato: [email protected]Lucas Gualberto do Nascimento é doutorando em Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em EPI (PEPI-UFRJ), mestre em Ciências Sociais (Unesp) e membro do Grupo de Pesquisa BRICS (Unesp) e do Núcleo de Pesquisa Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ). Contato: [email protected].

** Recebido em 3 fev. 2022 e publicado com revisão e edição final de Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. A versão integral deste artigo foi publicada na Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, v.10, n. 20, Jul./Dez. 2021. p.27-50.

*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti, [email protected].

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