Jornal GGN – Em artigo para o Jornalirismo, o jornalista cultura, Leonardo Cássio, relembra os movimentos do governo interino de Michel Temer na extinção e recriação do Ministério da Cultura. Para ele, o fato de ser sequer cogitado extinguir o MinC mostra que somos uma nação “desculturalizada”. “E isso é péssimo. Mesmo que o MinC não tenha deixado de existir, ele está paralisado, sem futuro definido e com os programas, estes, sim, perigando de sumir”.
Em sua opinião, o governo federal dá um mau exemplo quando pensa em fundir o Ministério da Cultura ao da Educação. “Quando a secretaria da Cultura está vinculada à da Educação a primeira sofre porque educação é, sempre será e tem de ser PRIORIDADE. Então, qualquer ação de cunho educacional estará à frente de algo cultural. Em segundo lugar, cultura e educação andam de mãos dadas e muitas vezes é difícil dissociar o que é o quê. Essa distinção se faz necessária, justamente, quando falamos de dinheiro. Se o governo federal acena para essa fusão, ele dá aval para que todos os governos estaduais e municipais façam o mesmo, retrocedendo, portanto, anos de trabalho de profissionalização e gestão em um planejamento extenso”.
Do Jornalirismo
Por Leonardo Cássio
Poucos dias após o 12 de maio de 2016, data em que o então vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), tornou-se presidente interino com o afastamento de Dilma Rousseff, um assunto tomou conta da pauta cultural do país: a extinção do MinC (Ministério da Cultura). Virou uma bagunça. De forma imediata ao anúncio do fim do ministério, grupos de artistas, coletivos e outras representações do setor cultural se mobilizaram para reverter a medida.
A proposta da atual gestão federal era a de subordinar o Ministério da Cultura ao Ministério da Educação, transformando-o em uma secretaria. A justificativa era a de diminuir os gastos públicos, por meio do enxugamento da máquina estatal. Os críticos alertaram para um retrocesso no âmbito das políticas públicas culturais, afirmando ser essa “economia” obtida com a transformação do ministério em secretaria esdrúxula frente ao rombo orçamentário, uma vez que a pasta é a que possui um dos menores orçamentos entre todas as existentes.
Após muita discussão, cartas de repúdio ao ato, manifestos em redes sociais, bate-boca de diversas formas e ocupação de equipamentos culturais, no dia 24 de maio de 2016 tomou posse o novo ministro do recriado Ministério da Cultura, Marcelo Calero, até então secretário da Cultura da gestão Eduardo Paes (PMDB) na cidade do Rio de Janeiro.
Com tudo resolvido é hora de comemorar, certo? Negativo. Não há nada certo e não há o que comemorar.
Desculturalização
O fato de se ter cogitado a extinção do MinC demonstra no mínimo uma coisa sobre o Brasil: somos uma nação, em todas as esferas, desculturalizada. E isso é péssimo. Mesmo que o MinC não tenha deixado de existir, ele está paralisado, sem futuro definido e com os programas, estes, sim, perigando de sumir.
Em 2010 foi aprovado o Plano Nacional de Cultura (leia aqui). Composto de 53 metas e mais um grupo de ações, o documento visava profissionalizar ainda mais o setor, distorcer erros, ampliar o conjunto de ações para atender mais pessoas e democratizar o acesso a bens culturais por todo o Brasil. Uma das questões centrais era a desvinculação das secretarias da Cultura municipais das pastas da Educação e Turismo para que se pudesse determinar 1% do valor do orçamento municipal para a cultura (PEC 150/2003). O objetivo é simples: saber quanto se pode gastar, quanto efetivamente se investe e o que é feito em termos culturais nos municípios.
Quando a secretaria da Cultura está vinculada à da Educação a primeira sofre porque educação é, sempre será e tem de ser PRIORIDADE. Então, qualquer ação de cunho educacional estará à frente de algo cultural. Em segundo lugar, cultura e educação andam de mãos dadas e muitas vezes é difícil dissociar o que é o quê. Essa distinção se faz necessária, justamente, quando falamos de dinheiro. Se o governo federal acena para essa fusão, ele dá aval para que todos os governos estaduais e municipais façam o mesmo, retrocedendo, portanto, anos de trabalho de profissionalização e gestão em um planejamento extenso.
Neste exato ponto temos um problema de cunho institucional vivenciado pelo MinC, motivo pelo qual se observa a quantidade de matérias e artigos jornalísticos rasteiros e errôneos publicados, além do não conhecimento por parte do público do funcionamento do ministério:
O MinC não é a Lei Rouanet e não é para artistas da Globo e sertanejos.
Quando iniciou-se o movimento contra o fim do MinC, a polarização da discussão ficou em cima de argumentos, como “entidade que fornece milhões para petralhas” e “quem é artista famoso não precisa do ministério para conseguir recurso”. E fica nisso, no benefício fiscal para artistas.
O Ministério da Cultura mantém uma série de programas multiplurais, que salvaguardam a cultura indígena, a cultura quilombola, manifestações populares, como o jongo, ações para público LGBT, políticas de acesso cultural para pessoas com necessidades físicas (cegos, surdos, pessoas com mobilidade reduzida etc.), políticas para artesanato e folclore, criação de Pontos de Cultura, ações para bibliotecas, manutenção e salvaguarda de museus, programas de intercâmbio e uma infinidade de coisas para públicos que não são midiatizados.
Desconhecimento e ignorância
Quando se argumenta por esse ponto de vista, que mal é retratado pela mídia, ouvem-se coisas do tipo: “Para que servem essas coisas?” ou “Por que fazer projeto para índio?”. Quer dizer, não se tem a dimensão do que de fato é cultura. Cultura não é apenas arte; cultura é um conjunto de ações, símbolos e conhecimentos que engloba uma sociedade, um povo. A arte está subordinada à cultura. E arte não é teatro musical, novela, filme e música sertaneja financiada pela Lei Rouanet. É o circo, o teatro mambembe, o teatro de rua, a literatura de cordel, os festivais regionais, as pequenas exposições de artes em pequenos municípios, o frevo, a capoeira, as manifestações populares de cunho religioso e tantas e tantas outras atividades. Para elas, o MinC é fundamental.
A atriz Regina Duarte possui condições de levantar recurso pela figura pública dela, pontuando que ainda sim ela usa a Lei Rouanet. Os exemplos acima não desfrutam da lei. Sem políticas específicas, muita coisa simplesmente deixará de existir. E uma nação que não respeita e salvaguarda sua história, suas tradições, sua particularidades não se torna autêntica e não evolui, não tem soberania.
Abordamos esse assunto no artigo “O Soft Power Brasileiro” (veja aqui), um tipo de posicionamento de excelência em uma área cultural/intelectual que acaba por destacar em âmbito internacional uma nação. O Brasil, pela diversidade cultural, tem condições de se posicionar desta maneira. Se houver investimento. Se houver entendimento do que faz o Ministério da Cultura.
Todo o quadro de investimento do MinC se faz com um orçamento de aproximadamente R$ 2 bilhões. É menos do que 10% do que é destinado à Educação, com uma verba de cerca de R$ 30 bilhões. Ou seja, o fim do Ministério da Cultura faria uma economia pequena e traria um ônus gigantesco.
É preciso ficar claro que o apoio às ações regionais movimenta a cultura local de municípios, aumentando o valor da cadeia produtiva e dando oportunidade a uma enormidade de profissionais que nem sequer são regulamentados pelo Ministério do Trabalho.
Quem apoiava o fim do MinC não sabe sobre isso ou tem menosprezo, mostrando preconceito e um pensamento limitador e egoísta. Então, frases, como “Está certo, precisa mandar dinheiro para Educação e Saúde”, é míope. As verbas de Educação e Saúde precisam de mais do que têm e precisam de planejamento melhor e o fim da corrupção. Assim como a Cultura precisa de mais investimento para ajudar trabalhadores que não são reconhecidos e produzem riquezas em forma de cultura infelizmente ainda sem valor de mercado para o país.
O Brasil é um país desculturalizado. O papel do MinC é enxergado de maneira obtusa, focalizando os holofotes apenas na bendita lei de incentivo. Inclusive, há outras pastas do governo com incentivos fiscais que não têm essa fiscalização ou interesse da mídia. O incentivo à cultura é questionado porque os investimentos em cultura não são tidos como importantes. Claro, há erros que ajudam a fortalecer esse diagnóstico, como a dependência de algumas ações exclusivamente do poder público.
Não se faz cinema em larga escala no Brasil sem patrocínio via mecanismo fiscal. No entanto, é preciso uma indústria que fomente o setor. Ao contrário do que alguns formadores de opinião acham, não é possível viver de bilheteria no Brasil, justamente pela falta de organização corporativa. Então o cinema feito sem patrocínio é messiânico, tem uma incrível qualidade, mas não tem capilaridade de distribuição, sem falar que a maioria das vezes dá prejuízo ao empreendedor.
Independentemente da manutenção do MinC, o trabalho a ser feito é culturalizar o brasileiro, as estâncias públicas e privadas, e acabar com a turbidez em torno da pasta e em torno do papel da cultura.
São milhares de pessoas trabalhando com pouco recurso, mantendo em grande escala uma cadeia produtiva rica e importante, sem amparo trabalhista e sem reconhecimento popular.
É preciso extinguir o preconceito em torno da pasta. É preciso pesquisar antes de reproduzir e compartilhar matérias torpes, que resvalam sempre no incentivo para artistas. Vamos discutir a reforma da Lei Rouanet? Sim, coisa que estava sendo feita. Agora, apresentar o Ministério da Cultura como fonte de renda de artistas famosos é desmoralizar milhares de trabalhadores honestos. O MinC não é uma extensão da Rede Globo e merece mais respeito; afinal, um dos grandes problemas do Brasil é a falta de cultura e no caminho em que estamos há de piorar.
Crédito da imagem: Marco Favero/Agência RBS, 19 de maio de 2016. Grupo ocupa representação do MinC, em Florianópolis
Leonardo Cássio é Formando em Publicidade, Propaganda e Criação pelo Mackenzie-SP e Pós-Graduado em Gestão Cultural e Organização de Eventos pela ECA-USP. Atua como jornalista, redator e gerador de conteúdo desde 2004, quando trabalhou no portal da rádio Antena 1 e Editora Saraiva. Atualmente é sócio-proprietário da Carbono 60, empresa de marketing cultural com foco em leis de incentivo, e da plataforma digital cultural Cult Cultura.
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Soberania
Não é este o maior ojetivo desse Golpe?
¨…uma nação que não respeita e salvaguarda sua história, suas tradições, sua particularidades não se torna autêntica e não evolui, não tem soberania.¨
Um governo extinguir o
Um governo extinguir o ministerio da cultura, em pleno seculo XXI, ja seria em si um ato de total absurdo.
Igualmente absurdo,porem, é estarmos aqui ainda falando sobre “o valor da cultura para um povo”.
A cultura ja deveria ser amplamente compreendida como um dos elementos fundamentais para o desenvolvimento de qualquer nação, sobretudo para as mais pobres, que sofrem ataques constantes atraves de invasões culturais, por parte dos paises mais ricos.
O texto do “jornalista cultura”, Leonardo Cassio, fala que ” o MinC não é a Lei Rouanet e não é para artistas da Globo e sertanejos”.
Engano.
A lei Rouanet é uma aberração que destorce totalmente o desenvolvimento da cultura.
Ela favorece que a maior parte das verbas publicas destinadas a cultura seja destinada justamente aos “artistas da Globo e sertanejos”. Acrescentaria ainda, e a tudo de pior que produz a industria do entretenimento.
Defendendo ações do MINC, sem definir a gestão elogiada, afirma:
“O Ministério da Cultura mantém uma série de programas multiplurais, que salvaguardam a cultura indígena, a cultura quilombola, manifestações populares, como o jongo, ações para público LGBT, políticas de acesso cultural para pessoas com necessidades físicas (cegos, surdos, pessoas com mobilidade reduzida etc.), políticas para artesanato e folclore, criação de Pontos de Cultura, ações para bibliotecas, manutenção e salvaguarda de museus, programas de intercâmbio e uma infinidade de coisas para públicos que não são midiatizados.”
Quem le tal declaração deve imaginar que não vivemos num pais onde a juventude mais privilegiada, a com acesso a universidade, gosta de “sertanejo universitario”. Prefere escutar essas “duplas sertanejas” cacarejando de que as musicas de Milton Nascimento, João Bosco ou Djavan.
Quem le afirmações assim pode ter tambem a impressão de que não vivemos num pais onde os museus caem aos pedaços por falta de verbas para manutenção e que nos “programas de intercambio” levamos ao estrangeiro a Daniela Mercury, “para representar a musica brasileira”.
“Não se faz cinema em larga escala no Brasil sem patrocínio via mecanismo fiscal.”, diz ainda.
O autor do post fala sobre o que não entende, o “cinema em larga escala”, ou melhor, os produtos da industria do entretenimento ligadas a Globo, não precisam de “patrocínio via mecanismo fiscal”, pois levam milhões de pessoas as bilheterias, gerando lucro. É um comercio como outro qualquer.
Quem precisa de patrocinio publico é o cinema autentico, inovador, construido numa linguagem propria.
“O trabalho a ser feito é culturalizar o brasileiro”, acrescenta o “jornalista cultura” as suas afirmações.
Acontece que para “culturalizar o brasileiro” precisamos primeiramente incentivar o desenvolvimento da cultura.
Acontece que não temos mais Tons Jobins, Cartolas, Badens, Caymis,mas “duplas sertanejas”, copias mal feitas de musicais americanos, no lugar do nosso teatro, filmes dirigidos e contracenados por globais, dentro de uma linguagem global.
Estamos estagnados culturalmente em decorrencia de uma lei que deveria ter sido derrubada pela gestão petista e não foi.
Grave erro.
Defendo a unhas e dentes a presidente Dilma, mas em relação a cultura, o seu governo e o do Lula foram um desastre.
O governo atual, interino, tentou acabar com o MINC, os anteriores escolheram como ministros, Juca, Gil, Marta Suplicy.
Quanta cegueira. Ariano Suassuna estava vivo.