Os inimigos da democracia e o princípio do fim do bolsonarismo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Tzvetan Todorov e o princípio do fim do bolsonarismo
Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Incapacitado de governar em razão dos compromissos contraditórios que assumiu, o presidente Jair Bolsonaro declarou solenemente que seu principal inimigo é a imprensa. Na verdade, porém, o maior adversário desse governo é a sua própria incoerência.

Nunca será possível atender, ao mesmo tempo, as demandas dos exportadores do Brasil e dos EUA e Europa. Sempre que tomar uma medida para garantir os interesses de uns Bolsonaro prejudicará os de outros. Até o presente momento apenas os norte-americanos e europeus estão sendo privilegiados pelo governo que, além da política externa equivocada, se expôs às sanções unilaterais comerciais em virtude de ter facilitado o incêndio da floresta amazônica.

Bolsonaro também não pode destruir e proteger a floresta ao mesmo tempo. Se fizer uma coisa ele ganha prestígio no exterior e perde sustentação entre os ruralistas que crescem desmatando. Se fizer outra ele trava as exportações brasileiras e se expõe ao ódio dos ambientalistas e à destruição da credibilidade internacional do Brasil. Nosso país assumiu compromissos ecológicos internacionais que esse governo já demonstrou não querer cumprir.

O ataque à imprensa também parece ser fruto de um erro de cálculo. Paralisado em razão das contradições oriundas de sua própria incapacidade de encontrar um meio termo entre a exploração da Amazônia e a preservação da imagem do Brasil, o presidente se sente frágil. Em razão disso ele projeta na imprensa uma força que ela não tem.

“Um órgão de imprensa é infinitamente mais fraco do que o Estado, portanto, não há nenhum motivo para limitar sua liberdade de expressão quando ele o critica. Quando, na França, o site Mediapart revela um conluio entre potências financeiras e responsáveis políticos, seu gesto não tem nada de ‘fascista’, digam o que disserem os que se sentem atingidos. Em contraposição, um órgão de imprensa é mais poderoso do que um indivíduo e, quando envereda pelo ‘linchamento midiático’, comete um abuso de poder. Ao funcionar como contrapoder, a liberdade de expressão é preciosa. Já como poder, ela deve, por sua vez ser limitada.” (Os inimigos íntimos da democracia, Tzvetan Todorov, Companhia das Letras, São Paulo, 2012, p. 145/146)

No Brasil a imprensa já encontra sua limitação na legislação civil e criminal. Os veículos de comunicação e os jornalistas podem ser e frequentemente são responsabilizados pelos danos que causam as pessoas inocentes. A censura, por outro lado, é proibida pela CF/88.

Ao se declarar inimigo da imprensa, o presidente se colocou fora do sistema constitucional atraindo contra si mesmo a fundada suspeita de que pre tende impor uma ditadura. Isso é mais do que suficiente para levar à instauração de um processo de Impeachment com base no art. 85, III, da CF/88.

Mesmo que consiga se manter no cargo e censurar a imprensa – algo que a mim parece muito improvável – Bolsonaro não conseguirá governar. A instabilidade do governo dele não é causada pela imprensa, mas pela falha fundamental de sua proposta contraditória de cortejar os EUA prejudicando a agroindústria brasileira fragilizada pelas importações facilitadas sem a exigência de qualquer contrapartida dos EUA e da Europa.

Nenhuma ditadura, por mais violenta e sanguinária que tenha sido, jamais conseguiu se manter no poder por muito sem garantir um crescimento econômico de 10% ao ano. O crescimento que Bolsonaro ofereceu ao Brasil em 2019 foi pífio. Aquele que está sendo projetado para o ano que vem não é muito melhor. Os cortes orçamentários que estão sendo feitos retirarão mais dinheiro de circulação criando condições para uma espiral viciosa de baixo consumo, retenção de investimentos, queda da arrecadação tributária e novos cortes orçamentários para reequilibrar as contas públicas num nível mais baixo.

Lula estava certo ao impulsionar o consumo interno. Quem disse isso foi não foi um economista de esquerda e sim um expoente do neoliberalismo que ocupou cargos importantes durante o governo FHC. Bolsonaro já demonstrou que odeia os pobres. Ele nunca será capaz de admitir que está trilhando o caminho errado que levará inevitavelmente à sua queda antes da próxima eleição presidencial. E quando isso ocorrer ele dirá que foi vítima da imprensa e não de sua própria incompetência.

Todorov refletiu demorada e profundamente sobre os inimigos da democracia. Os inimigos da tirania não são a imprensa e os jornalistas, mas as contradições políticas e econômicas que o próprio tirano não consegue, não pode ou não quer resolver.

PS: Jair Bolsonaro depositou todas as suas esperanças numa relação privilegiada com Donald Trump. Após prometer devastar a Coréia do Norte, o presidente norte-americano foi passear de mãos dadas com o tirano norte-coreano como se ambos fossem amigos desde a infância. A retórica do presidente dos EUA em relação ao Brasil é um pouco diferente. Trump faz juras de amor ao governo Bolsonaro. Todavia, até o presente momento ele não levantou qualquer barreira comercial para beneficiar os exportadores brasileiros. E para piorar a situação do tirano brasileiro, o próprio Trump corre o risco de ser deposto por um Impeachment.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

Recent Posts

Justiça determina novo prazo para prescrição de ações de abuso sexual infantil

Em vez de contar a partir do aniversário de 18 anos da vítima, prazo agora…

7 horas ago

O que diz a nova lei para pesquisas com seres humanos?

Aprovado pelo Senado, PL segue para sanção presidencial e tem como objetivo de acelerar a…

8 horas ago

Da casa comum à nova cortina de ferro, por Gilberto Lopes

Uma Europa cada vez mais conservadora fala de guerra como se entre a 2ª e…

8 horas ago

Pedro Costa Jr.: Poder militar dos EUA não resolve mais as guerras do século XXI

Manifestantes contrários ao apoio dos EUA a Israel podem comprometer a reeleição de Biden, enquanto…

9 horas ago

Economia Circular e a matriz insumo-produto, por Luiz Alberto Melchert

IBGE pode estimar a matriz insumo-produto nos sete níveis em que a Classificação Nacional da…

10 horas ago

Os ridículos da Conib e o mal que faz à causa judia, por Luís Nassif

Conib cismou em investir contra a Universidade Estadual do Ceará, denunciada por uma postagem na…

10 horas ago