Quando a guerra acabar, por Alberto Dines

Do Observatório da Imprensa

Quando a guerra acabar…

Por Alberto Dines

Versão ampliada de artigo originalmente publicado na Gazeta do Povo (Curitiba, PR) e do Correio Popular(Campinas, SP), 9/5/2015; intertítulos do OI 

Abre parêntese: há momentos – felizmente raros – em que a história pessoal se impõe às percepções conjunturais e o relato na primeira pessoa, embora singular, parcial, às vezes suspeito, sobrepõe-se à narrativa impessoal, ampla, genérica. Fecha parêntese.

O descaso e os indícios de esquecimento que na sexta-feira (8/5), rodearam os setenta anos do fim da fase europeia da Segunda Guerra Mundial sobressaltaram. O ano de 1945 pegou-me com 13 anos e a data de 8 de maio incorporou-se ao meu calendário íntimo e o cimentou definitivamente às efemérides históricas que éramos obrigados a decorar no ginásio.

Seis anos antes (1939), a invasão da Polônia pela Alemanha hitlerista – e logo depois pela Rússia soviética – empurrou a guerra para dentro da minha casa através dos jornais e do rádio: as vidas da minha avó paterna, tios, tias, primos e primas dos dois lados corriam perigo. Em 1941, quando a Alemanha rompeu o pacto com a URSS e a invadiu com fulminantes ataques, inclusive à Ucrânia, instalou-se a certeza: foram todos exterminados.

A capitulação da Alemanha tornara-se inevitável, não foi surpresa, sabíamos que seria esmagada pelos Aliados. Nova era a sensação de paz, a certeza que começava uma nova página da história e perceptível mesmo para crianças e adolescentes A prometida quimera embutida na frase “quando a guerra acabar” tornara-se desnecessária, desatualizada.

A guerra acabara para sempre. Inclusive para nós brasileiros, os únicos latino-americanos que foram ao Velho Mundo ensinar que o ódio não era a solução, sobretudo o ódio aos “diferentes” e “inferiores”. Enquanto os destacamentos da Força Expedicionária (FEB) e da Força Aérea Brasileira (FAB) retornavam da Itália e eram delirantemente recebidos na Avenida Rio Branco, da ex-capital federal, matutinos e vespertinos – mais calejados do que a mídia atual – nos alertavam que a guerra continuava feroz não apenas no Extremo Oriente, mas também na antiquíssima Grécia, onde guerrilheiros de direita e de esquerda, esquecidos do inimigo comum – o nazifascismo – se enfrentavam para ocupar o vácuo de poder deixado pela derrotada barbárie.

Sete décadas depois – porção ínfima da história da humanidade –, aquele que foi chamado Dia da Vitória e comemorado loucamente nas ruas do mundo metamorfoseou-se em Dia das Esperanças Perdidas: a guerra não acabou. Os Aliados desvincularam-se, tornaram-se adversários. A guerra continua, está aí, espalhada pelo mundo, camuflada por diferentes nomenclaturas, inconfundível, salvo em breves hiatos sem hostilidades, porém intensos ressentimentos.

Modelo de paz

Gerenciadora da memória, nossa imprensa deixou escapar um marco importantíssimo na história da humanidade. Deixou para o dia seguinte o registro álgido das solenidades, passou para as gerações seguintes a sensação de que nada de importante acontecera e que a História é um mero conjunto de histórias encerradas. Sabemos que não é.

A Guerra Fria foi quentíssima, continua acesa, sem ideologias, mas com bandeiras tacanhas, esfarrapadas, ainda mais ensandecidas. As Guerras Santas acirraram-se. A deportação de povos inteiros iniciada ainda na Primeira Guerra Mundial com o genocídio armênio e seu mortífero aperfeiçoamento na Segunda Guerra Mundial com o Holocausto dos judeus europeus continua até hoje. Os sucessivos extermínios na África por razões tribais ou religiosas liquidam milhões de inocentes e produzem êxodos e naufrágios que convertem o Mediterrâneo, berço da civilização ocidental, num silencioso memorial de calamidades.

Se a fugaz promessa e a brevíssima paz do 8 de maio não mereceram as devidas comemorações e revivescências, a certeza de que as guerras são contínuas, infindáveis, deveria ser constatada aos brados. Como advertência de que não basta suspender tiroteios ou obrigar vencedores e vencidos a sentarem-se juntos, em pé de igualdade, para assinar uma papelada inútil.

Indispensável extirpar os motivos que levam à loucura nações e civilizações aparentemente sábias e sossegadas. França e Alemanha são admiráveis exceções que não podem ser esquecidas. Compreenderam que conflitos entre nações são transbordamentos de conflitos internos que democracias desleixadas e a demagogia dos canalhas permitem magnificar e espalhar-se.

A Guerra Fria nos impôs a trágica experiência da ditadura militar. Outras guerras distantes poderão nos aproximar e enfiar em confrontos indesejados. Guerras podem começar como casos de polícia, vitrines quebradas e espancamentos – a Noite dos Cristais, a Kristallnacht, na Alemanha de 1938 está aí para nos lembrar que um quebra-quebra pode desembocar em catástrofes além-fronteiras.

Pivôs centrais de cinco catástrofes europeias e mundiais (a partir do século 17 até o 20), França e Alemanha deveriam servir de modelo para construir a paz efetiva, real, funcional.

“Quando a guerra acabar” é o título de um sonho cabível, perfeitamente realizável. Exige apenas a obrigação de lembrar e esperar.

A imprensa do dia seguinte

Não fosse a estreia do novo longa-metragem de Vicente Ferraz, A Estrada 47, que tem como cenário a participação da FEB na luta contra o nazifascismo na Itália, os jornalões de sexta-feira (8/5) teriam passado ao largo do fim da Segunda Guerra na Europa. Graças à resenha de Luiz Zanin no “Caderno 2” do Estado de S.Paulo, o mais internacionalista dos jornais brasileiros manteve uma tradição que o descabido destaque ao inacabável Chatô evidencia estar prestes a encerrar-se.

Graças a um suplemento pago pelo governo russo, a Folha de S.Paulo lembrou a data com um viés distorcido, absurdamente russófilo, que em 1945 mesmo a imprensa oficial soviética teria escrúpulos em assumir. “Com a indiferença dos Aliados”, diz o chapéu da capa, “o evento promete pompa.” Preparado sem a participação da redação da Folha, o folheto coloca a URSS fora da esfera dos Aliados e esquece que a ausência de chefes de governo europeus é uma represália ao empenho do Kremlin em açambarcar um país independente e vizinho, a Ucrânia. Esta é uma matéria paga – ou informe publicitário – que o jornal veiculador tem obrigação de comentar nas edições seguintes sob pena de parecer vendido ao antigo “ouro de Moscou”.

A grande surpresa do mais recente 8 de maio foi o material histórico produzido pelo Jornal Nacional. Apesar dos problemas de edição ou emissão que o editor-chefe/âncora William Bonner driblou com bom-humor, o burocrático JN mostra que mantém as condições de voltar a ser palpitante. E adulto.

Redação

7 Comentários

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  1. mauro silva

    a visão distorcida é de alberto dines: russóbica.

    em tempo: dines foi um entusiasta da quartelada de 1º de abril de 64.

    a data é ironicamente apropriada para homenagear os anti-comunistas hidrófobos (e alguns russos-brancos ou judeus que não se furtaram a receber com flores e delações os agentes da gestapo na terra eslava invadida), que apoiaram a ditadura: o dia da mentira; da farsa; dos farsantes.

  2. Só Freud explica.

    Os sucessivos extermínios na África por razões tribais ou religiosas liquidam milhões de inocentes e produzem êxodos e naufrágios que convertem o Mediterrâneo, berço da civilização ocidental, num silencioso memorial de calamidades…

    …Indispensável extirpar os motivos que levam à loucura nações e civilizações aparentemente sábias e sossegadas. França e Alemanha são admiráveis exceções que não podem ser esquecidas. Compreenderam que conflitos entre nações são transbordamentos de conflitos internos que democracias desleixadas e a demagogia dos canalhas permitem magnificar e espalhar-se.

    Tenho que discordar. As “razões tribais ou religiosas” são apenas “uniformes” para distinguir grupos em competição pela supremacia do poder e recursos. Ou seja, a verdadeira razão é sempre o vácuo de poder e a escassez. Assim quando um país estruturado como a Líbia é bombardeado para destruir seu Estado não alinhado aos interesses dos civilizados “ocidentais”, a violência que se segue e o êxodo do norte da África pelo mediterrâneo têm culpados que nada tem a ver com aspectos culturais. E nesse caso em particular da Líbia, os franceses decantados pelo autor tem vergonhosa parcela de culpa.

     

    …o folheto coloca a URSS fora da esfera dos Aliados e esquece que a ausência de chefes de governo europeus é uma represália ao empenho do Kremlin em açambarcar um país independente e vizinho, a Ucrânia. 

    Quem quer “açambarcar” a Ucrânia?

    Pelo que sei a Ucrânia já estava na esfera de influência da Rússia. Basta dizer que o russo também era língua oficial e que a Criméia sediava uma importante base militar russa. E foi graças a um golpe de Estado promovido descaradamente pelos americanos que fizeram o governo da Ucrânia passar para o lado “ocidental”. Ou seja, quem está a pretender açambarcar a Ucrânia definitivamente não são russos a não ser que se admita agora a lógica do ladrão gritar “pega ladrão”.

    Só posso entender que essa visão absurdamente distorcida se explica pelo aspecto da história pessoal do autor quando a Rússia stalinista invadiu a Polônia. Porém, é interessante notar que os alemães fizeram o mesmo primeiro como ele mesmo observa, e curiosamente está agora a elogiar a Alemanha e criticar a Rússia. Só Freud explica.

  3. nem Freud explica

    o sr Dines.

    Fraquissimo jornalista.

    Anticomunista ferrenho, russófobo, etc.

     

    Sabujo de Mrinhos, Civitas, Mesquitas, Frias e congeneres. Da SIP…

    Enfim, deveria ser guindado a prócer do Instituto Millenium – se não o é.

    1. Prezados,Todo esse desabo só

      Prezados,

      Todo esse desabafo irado só porque ele escreveu algo que não concordas? Mais precisamente o relacionado com o contencioso na Ucrânia envolvendo esta e a Rússia? 

      Eu, e acho que muita gente, se interessaria mais pelos teus argumentos contrários aos deles que o vociferar de ofensas pessoais. 

      Em tempo: também não concordo com a visão(simplista) dele do conflito ucraniano. 

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