O sigilo sobre Fukushima, por Ralph Nader

Do site Carta Maior

O sigilo sobre Fukushima

Mês passado, os partidos de coalizão japoneses tramitaram no Parlamento uma Lei de segredos de estado. É melhor que tomemos conhecimento disso.

Ralph Nader (*)

13/02/2014 – Copyleft

Sob suas disposições, somente o governo decide o que é considerado segredo de estado e qualquer civil que divulgue algum segredo pode ser preso por até 10 anos. Jornalistas pegos tornando o assunto público podem ser presos por até 5 anos.
 
Autoridades do Governo têm se mostrado prejudicadas com a constante revelação da sua negligência, tanto antes quanto depois do desastre nuclear de Fukushima em 2011, operado pela Companhia Elétrica de Tóquio (TEPCO).
 
Semana após semana, surgiram matérias na imprensa apontando para a seriedade da contaminação do fluxo hídrico, a inacessibilidade do material radioativo presente nos reatores e a necessidade de conter o vazamento radioativo que contamina, cada vez mais, a terra, as plantações e o oceano.
 
Agentes estimam que pode levar até 40 anos para limpar e desativar os reatores.
 
Há outros fatores que alimentam a certeza de um recuo democrático no país. O militarismo está motivando seu projeto de “democracia ameaçada”, originada pelo atrito com a China pelo Mar do Sul. Militares dos EUA estão pressionando para o aumento do orçamento militar Japonês.
 
A China é a mais recente justificação de segurança nacional para a “articulação para o Leste Asiático”, provocada, em parte, pelo complexo industrial-militar norte-americano.
 
Sigilo rigoroso no governo e o apressar de projetos nas casas legislativas são maus presságios para a liberdade da imprensa japonesa e para o direito de discordância da população. Liberdade de informação e fortes debates – tendo o último sido cortado pelo Parlamento em Dezembro de 2013 – são os aspectos chaves da democracia.
 
O New York Times continua, surpreendentemente, a cobrir as condições deterioradas na área evacuada de Fukushima, porém com uma boa razão. Os EUA licenciaram diversos reatores com o mesmo design e com muitos dos padrões de segurança e inspeção inadequados. Alguns reatores estão próximos de áreas propícias para terremotos e de povoados que não poderão ser evacuados com segurança em caso de danos na parte elétrica do local. Os dois reatores envelhecidos da estação Indian Point situados a 30km de Nova Iorque são um exemplo.
 
Quanto menos soubermos sobre as condições passadas e presentes de Fukushima, menos vamos aprender sobre reatores atômicos dos EUA.
 
Felizmente, muitos cientistas japoneses famosos, incluindo os ganhadores do Nobel, Toshihide Maskawa e Hideki Shirakawa, conduziram a oposição contra a nova legislação de sigilo com 3.000 assinaturas de acadêmicos em uma carta de protesto.
 
Esses cientistas e acadêmicos declararam que a nova legislação é uma ameaça “aos princípios pacifistas e direitos humanos fundamentais estabelecidos na constituição e deveriam ser rejeitados imediatamente.”
 
Seguindo essa declaração, a Associação de Cientistas Japoneses, companhias de mídia do país, Associações de cidadãos, Organizações de Advogados e algumas legislaturas regionais se opuseram à nova legislação. Pesquisas mostram que o público também se opõem a esse ataque a democracia. Os atuais partidos hegemônicos permanecem inflexíveis. Eles citam como razões para justificar a nova legislação “segurança nacional e combate ao terrorismo.” Soa familiar?
 
A história está sempre presente nos pensamentos do povo japonês. Eles sabem o que aconteceu quando o país se inclinou para a militarização da sociedade e, consequentemente, liderou uma tirania intimidadora que motivou a invasão da China, Coréia e Sudeste Asiático antes e depois de Pearl Harbor. Em 1945, o Japão estava em ruínas, terminando com Hiroshima e Nagasaki.
 
O povo americano deve se manter alerta para as provocações políticas e militares que seu governo faz para a China, que está preocupada com um possível cerco aéreo e/ou marítimo americano e de aliados. As políticas comerciais dos EUA que têm facilitado às companhias americanas a enviar indústrias e empregos do país para a China, deveriam receber total atenção de Washington.
 
A administração Obama tem de atentar para as inclinações autoritárias no Japão que suas políticas tem encorajado ou ignorado – muitas vezes por trás das cortinas do próprio sigilo crônico norte-americano.
 
(*) Ralph Nader é um autor americano, advogado, defensor dos consumidores e dono da The Nader Page.
 
Tradução de Isabela Palhares

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. “Unsafe at Any Speed”

    Relembrando Ralph Nader (ou apresentando para os que eventualmente não o conheçam), ele é o grande responsável pelo aumento da segurança nos automóveis e pelo salvamento de muitos milhares (ou milhões?) de vidas.

    Preocupado com o desprezo das gigantes (GM, Ford, Chrysler e a menor American Motors) pela segurança dos automóveis ainda na era de ouro de Detroit, quando o carro mais vendido era o Chevrolet Corvair, uma confusa mistura de Corvette com Bel-Air no nome (meu pai teve um clássico dos clássicos ’57 four-door hardtop Turbo Glide V8) e de americano com alemão, pois tinha estilo americano “compact” e motor traseiro refrigerado a ar, como o Volkswagen.

    Demonstrou em entrevistas, palestras e livro (título do comentário) a enorme insegurança dos carros americanos, onde o Corvair (GM) foi a maior “estrela” e portanto vítima. Muito rapidamente, o queridinho Corvair (que eu até curtia) caiu de mais vendido para entregue às moscas. Foi descontinuado em 2 ou 3 anos. Era o mais perigoso de todos, apesar da GM dizer o contrário.

    Durante anos Ralph sentiu o peso da industria e dos lobbies, sendo vigiado, perseguido, vilipendiado e outras cositas más.

    Não cedeu e, começando pela Califórnia, leis e metas de segurança começaram a valer e a atazanar a indústria outrora livre para entregar qualquer tranqueira que quisesse.

    Coisas tais como: “ninguém pode se machucar numa batida frontal a “x” km/h “ou “nenhuma parte do carro pode ser danificada, a menos do para choque, em colisões a “y” km/h”, etc.(o colega AA corrigirá para milhas/h, hehe). Tudo com metas iniciais crescentes (como deve ser), incluindo de poluição.

    Certamente este foi o cara que causou ou acelerou a implantação de itens como air-bags, cintos de segurança, cabines protegidas, estruturas progressivas, volantes cálice e depois planos, colunas retráteis, freios a disco, catalisadores e tantos outros itens que poupam milhões de vidas, consumo, poluição e danos todos os anos.

    Como podem perceber, além de trastes como Reagans, Bush Kids,e Obamas, há também grandes americanos.

    A ele, um Davi contra muitos Golias, rendo minhas homenagens.

  2. A situação atual de Fukushima

    A situação atual de Fukushima é uma ameaça para o proprio japão e o hemisferio norte e o EUA em particular. A lei de segredo de estado é para não divulgar tão crítico como está a radiação. Tóquio era para ter sido evacuado há tempos. O cancer de tireoide em crianças está aumentando dramaticamente.O japão não é ameaça para ninguem, a não ser para eles mesmos. Infelizmente.

  3. O lobby da energia atômica é

    O lobby da energia atômica é poderoso e violento; e teria cooptado até mesmo ambientalistas. Já teve várias notícias dando conta que o tal lobby influencia decisões políticas em diversos países do naipe da Alemanha, p/ ficar só num exemplo. Para quem quiser se inteirar mais sobre o assunto do que acontece no Brasil, vide o link. 

    http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/03/15/lobby-da-industria-nuclear-no-brasil-e-violento-diz-ex-diretor-de-angra/

     

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