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A reação contra o Supremo

Leitores, conhecidos jornalistas às vezes me escrevem ou telefonam desanimados com o quadro atual: será possível que não haja freios à ação de Gilmar Mendes, aos absurdos que comete? E sempre lhes digo: é impossível a manutenção de superpoderes – ou da ilusão de superpoder – em ambiente democrático. Impossível!

Sempre que surge um superpoderoso – real ou aparente – a tendência da opinião pública é criar anticorpos até repor o equilíbrio anterior.

Foi o que  ocorreu com o Ministério Público na segunda metade dos anos 90. A cumplicidade procuradores-mídia criou um aparente superpoder, com procuradores plantando denúncias, perseguindo colegas, forçando as provas. Foi o pior momento do MP depois da Constituição.

Criou resistências no próprio ambiente do MP. Surgiu uma nova geração profissional, discreta, rigorosa e combativa, indignada com o antigo Procurador-Geral, taxado de “engavetador”, mas sem avalizar os abusos cometidos pelos xiitas. A grande mudança ocorreu na gestão Cláudio Fontelles, simultaneamente ao trabalho realizado por Paulo Lacerda na Polícia Federal, e à consolidação do trabalho em equipe dos órgãos de repressão ao crime organizado, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência – que Gilmar Mendes pretende destruir.

Agora, a percepção de abuso de poder surge de onde menos se esperava, do Supremo Tribunal Federal, devido à ação arbitrária de Gilmar Mendes. E a reação começou.

Confira na matéria abaixo, do Estadão.

”Corre-se o risco de uma hiperconcentração de poder”

Por Denise Madueño

A atuação cada vez mais intensa do Supremo Tribunal Federal (STF) nas decisões políticas tem provocado uma concentração de poderes nas mãos dos 11 ministros e a distorção do sistema republicano, afirma o deputado Flávio Dino (PC do B-MA). Ele quer acabar com a vitaliciedade dos ministros, fixando prazo de permanência no cargo, como forma de evitar a submissão da política por uma “aristocracia judiciária”.

Por que o sr. diz que os ministros do Supremo devem ter mandatos?

Nós tínhamos um tribunal historicamente mais técnico que político. Na medida em que o Judiciário, em geral, e o STF, de modo mais evidente, assume crescentemente o papel de arbitramento de outros conflitos, que não aqueles classicamente submetidos ao Judiciário, mas sim conflitos que têm uma dimensão política, econômica e social cada vez mais ampla, a consequência para mim é que deve ter uma regra que permita uma alternância. Se há um tribunal com papel político mais alto e é vitalício, corre-se o risco de uma hiperconcentração de poder e, portanto, um desequilíbrio entre os Poderes do Estado. Com o Supremo assumindo crescentemente um papel político, um papel de supremacia sobre os outros Poderes, que haja mandato. Esse é o caminho democrático de alternância para que outras maiorias tenham possibilidade de se formar.

Como deve ser o mandato?

Minha proposta seria de um mandato de 11 anos. Ele não pode ser muito longo, porque equivaleria a vitaliciedade, mas não pode ser muito curto, porque teríamos instabilidade institucional, sem o tempo que permita a consolidação de orientação jurisprudencial e o amadurecimento das teses. Na Justiça Eleitoral, que o mandato é de dois anos, há um nível de instabilidade muito alto e a jurisprudência muda muito. As competências clássicas devem migrar para o Superior Tribunal de Justiça, como instância mais técnica. É a busca do modelo continental europeu, em que todos tribunais constitucionais têm mandato.

(…) O que passaria para o STJ?

Alguns temas que hoje vão ao Supremo e que são objeto de muita controvérsia devem ficar no STJ. Por exemplo, a competência criminal. O Supremo ficaria com essa competência apenas no que se refere a presidente e parlamentares. O STF julgar casos criminais, por mais relevantes, é atípico para tribunal constitucional.

Como o caso de Daniel Dantas?

Entre outros. Na verdade, Daniel Dantas é apenas um réu conhecido. Mas lá também têm João, Pedro e Maria. Se você pegar a pauta do Supremo, vai ver que o tribunal julga várias causas criminais por ano. Isso é uma atipicidade. A competência criminal do STF deve ser excepcionalíssima, até para que ele tenha tempo de se dedicar ao papel de definir grandes questões, como o uso de células-tronco embrionárias e o caso do aborto em casos de anencefalia.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Nassif,

    Embora poucas
    Nassif,

    Embora poucas figuras na face da Terra me despertem tanto asco como a do Presidente do STF, não concordo com grande parte do escopo do enquadramento proposto pelo Congresso.

    Primeiro porque legisla, para variar, em causa própria; segundo porque não traz idéias concretas para melhoria para o funcionamento da justiça ou melhoria das leis do país; terceiro porque atrelar a votação do aumento dos vencimentos dos membros do STF e MP aos humores (ou rancores) dos deputados é de um amadorismo típico do Congresso Nacional.

    Parafraseando Lula, que vai "sifu" novamente somos nós, cidadãos-contribuintes.

    Li a matéria no seguinte link:

    http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090106/not_imp302962,0.php

    abraços,

    Alexandre

  • Ele tem razão. Nos EUA até os
    Ele tem razão. Nos EUA até os juízes de primeira instância são eleitos, e sempre achei que deveria haver alternância no judiciário também.

  • "Com o Supremo assumindo
    "Com o Supremo assumindo crescentemente um papel político, um papel de supremacia sobre os outros Poderes, que haja mandato. Esse é o caminho democrático de alternância para que outras maiorias tenham possibilidade de se formar." Flavio Dino

    Bem, entendo que se for para o STF assumir um 'crescente papel político e de supremacia sobre os outros Poderes', então, a definição de um mandato para os seus membros não é suficiente.

    Eles também teriam que ser eleitos diretamente pelo povo. Este seria o único jeito da população saber quem é que está, de fato, governando o país. Elegendo-os diretamente.

    Se o STF pretende governar o Brasil (e é o que se conclui da fala do deputado Flávio Dino) então os seus membros tem que ser eleitos diretamente pelo povo.

    Senão, cairemos numa nova Ditadura, pois estaremos sendo governados por pessoas não eleitas pelo povo, mas que decidem os destinos do país.

    Depois da Ditadura Militar, parece que estamos caminhando para a Ditadura Judiciária.

    Ao que me consta, a República comporta apenas 2 sistemas de governo, que são o Presidencialismo e o Parlamentarismo. Nunca ouvi falar da existência de um 'Judicialismo'.

  • Será mesmo que isso é o
    Será mesmo que isso é o começo de uma reação? Será que esse tipo de proposta tem respaldo no Congresso? Vamos aguardar.

  • Penso que o vício não está
    Penso que o vício não está tanto na vitaliciedade dos ministros do STF, como na forma de escolha de seus membros. Descarto, a priori, a eleição direta, haja vista a inescondível deficiência de nosso processo eleitoral, que dispensa maiores comentários. Não fosse isso, como, por exemplo, que um “tribunal inferior” – o TSE – poderia conduzir com isenção e sem “temor referencial” um processo de escolha de membros do “tribunal superior” – o STF? Poder-se-ia pensar num processo em que não haveria coincidência nos mandatos dos ministros, cujo processo eleitoral, neste caso, seria conduzido pelo próprio STF, com o inconveniente de que, aqui, haveria um desvio de função.

    Deixar a indicação como prerrogativa do Chefe do Poder Executivo, modelo atual, nos remete à seguinte questão: se a indicação fosse realmente pessoal, haveria o suposto da natureza ditatorial da decisão; com as sondagens e as consultas, envolvendo inclusive a oposição, como efetivamente acontece, os acordos têm se revelado inadequados, inclusive quando há possibilidade de a oposição vir a ser situação.

    Por qualquer prisma que se visualize a forma vigorante, vê-se defeitos por todos os lados.

    Talvez uma ampliação do processo de escolha, com maior envolvimento da sociedade (direito legítimo), do Congresso (caráter político, não partidário), da própria magistratura e do ministério público (componente técnico), da OAB (não sei muito bem porque, mas tudo bem).

    P.S.: Final da carreira da magistratura, nem pensar!

  • " Vitaliciedade e STF "

    Dr.
    " Vitaliciedade e STF "

    Dr. Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues -
    Desembargador aposentado do TJ/SP

    (trechos do artigo, mas vale a leitura por inteiro no site informado ao final)

    A garantia constitucional da vitaliciedade é necessária e inevitável nas instâncias “inferiores”. Não, porém, no tribunal máximo de qualquer país. As nações têm o direito de se defender daqueles que pensam totalmente diferente delas. Para isso, seria o caso dos constitucionalistas pensarem qual a alternativa para a vitaliciedade na instância máxima. O mais cogitável é conferir um tempo certo de ocupação do cargo — por quatro ou cinco anos, digamos — com direito de recondução se sua atuação foi aprovada pelo mundo jurídico e a opinião da parte mais esclarecida da sociedade.

    Na Corte Internacional de Justiça o juiz não e vitalício. É nomeado por um período de nove anos — talvez um exagero, provavelmente em razão da complexidade de julgar longos litígios, envolvendo dois países soberanos. Mas o juiz de Haia pode ser reconduzido ao cargo por igual período, se assim desejar e se desempenhou bem suas funções. Como esse tribunal decide em única e última instância, fez bem a ONU em permitir o revezamento das cadeiras. Seria o caso de o Brasil conjeturar alguma analogia com o critério da mais alta corte judiciária do planeta?

    Fonte do artigo : http://jusvi.com/artigos/35523

  • " Agora, a percepção de abuso
    " Agora, a percepção de abuso de poder surge de onde menos se esperava, do Supremo Tribunal Federal"....mas matéria refere uma reação de um deputado...portanto "Agora, a percepção de abuso de poder surge de onde menos se esperava, da Cãmara de deputados" ??? Estou perdendo algo?

  • Seria um modelo interessante,
    Seria um modelo interessante, pois, como poderiam juízes nomeados politicamente se comprometerem de maneira exclusiva com as questões técnicas. Penso até que os juízes da suprema corte deveriam ser eleitos por seus pares nos variados níveis da própria justica.
    À toa não é a substituição desses juízes em paises que promovem as reformas políticas, pois com o juduciário (na sua instância maior) comprometido com o status quo é impossível avançar para modelos políticos e sociais mais próximos dos anseios da população como um todo. Esforçam-se em atender aos interesses corporativos e satifação da demandas do poder econômico.

  • Sinto falta das opiniões, até
    Sinto falta das opiniões, até independentes (em relação ao partido) dos senadores Pedro Simon e Eduardo Suplicy.
    Hoje faltam políticos que tenham coragem de criticar os ministros do supremo.
    Talvez sejam por medo de serem julgados no futuro por eles, haja vista que o presidente do STF tem um comportamento vingativo.

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