Constituição não prevê intervenção militar, crime inafiançável, diz PFDC

“Nem mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa, as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais”

Foto: Defesanet
Jornal GGN – A repercussão de uma internvenção militar para resolver a crise política no Brasil, gerada desde que o general Antonio Hamilton Martins Mourão sugeriu a medida caso o Judiciário não “retire da vida pública” representantes políticos envolvidos em corrupção, motivou o Ministério Público Federal (MPF) emitir nota pública esclarecendo a impossibilidade de tal fato ocorrer.
As declarações do general, que é secretário de economia e finanças do Exército brasileiro, foram feitas em uma palestra em loja maçônica de Brasília na sexta-feira (15). Ao ser questionado sobre a corrupção no país e de um Presidente da República ter sido denunciado duas vezes pela Procuradoria-Geral da República, Mourão disse que, caso seja necessário, os militares poderiam “impor isso [a intervenção militar]”, ainda que não fosse “fácil”.
Antonio Hamilton havia respondido não apenas em posicionamento individual, mas citou a organização: “Na minha visão, que coincide com a dos companheiros que estão no alto comando do Exército, estamos numa situação que poderíamos lembrar da tábua de logaritmo, de aproximações sucessivas. Até chegar ao momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou, então, nós teremos que impor isso”.
O caso obteve repercussão e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do MPF decidiu emitir uma nota de esclarecimento de que “não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção militar autônoma – seja em situação externa ou interna, e independentemente de sua gravidade”.
De acordo com a PFDC, a Constituição Federal brasileira impõe que as Forças Armadas são integral e plenamente subordinadas ao poder civil, e que seu emprego depende sempre de decisão do presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em atendimento a pedido dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.
O MPF lembra que “nem mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa, as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais”. A nota foi assinada pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e o procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, Marlon Weichert.
No comunicado, os procuradores lembram ainda que a possível existência de uma tentativa ou planejamento de intervenção militar por iniciativa própria caracteriza-se como “crime inafiançável e imprescritível contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, segundo o artigo 5º, XLIV.
“A conformação das Forças Armadas nos termos do artigo 142 da Constituição é uma conquista democrática e expurga do cenário brasileiro o risco de golpes institucionais. O papel desempenhado nas últimas décadas pelas Forças Armadas tem notoriamente reforçado a consolidação do Estado Democrático de Direito e é incompatível com a valorização do período passado no qual o País enveredou pelo regime ditatorial e a violação de direitos humanos”, concluiram os procuradores.
Leia a nota, abaixo, na íntegra:

O papel das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito é defender os poderes constituídos

As Forças Armadas brasileiras – constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica – são instituições integrantes do arcabouço constitucional de promoção e proteção do Estado Democrático de Direito. Subordinadas à autoridade suprema do Presidente da República, receberam da Constituição Federal a função de defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Além dessas três funções constitucionais, as Forças Armadas receberam da Lei Complementar nº 97, de 1999, a atribuição de missões subsidiárias, compatíveis com a sua missão constitucional e respectivas capacidades técnicas, tais como participação em operações de paz, cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, reforço à polícia de fronteira, promoção da segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, ordenação da segurança marítima e do espaço aéreo, dentre outras.

As Forças Armadas, em qualquer caso, são integral e plenamente subordinadas ao Poder Civil, e seu emprego na defesa internacional da Pátria ou em operações de paz, assim como em atuações internas de garantia dos poderes constituídos ou da lei e da ordem, depende sempre de decisão do Presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em atendimento a pedido dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados (Lei Complementar nº 97/1999, art. 15, caput e § 1º).

Não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das Forças Armadas, em situação externa ou interna, independentemente de sua gravidade. Nem mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa, as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais. A postulação de existência de um poder de intervenção militar por iniciativa própria, em qualquer circunstância, arrostaria a Constituição, que definiu essa iniciativa como crime inafiançável e imprescritível contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV).

A conformação das Forças Armadas nos termos do artigo 142 da Constituição é uma conquista democrática e expurga do cenário brasileiro o risco de golpes institucionais. O papel desempenhado nas últimas décadas pelas Forças Armadas tem notoriamente reforçado a consolidação do Estado Democrático de Direito e é incompatível com a valorização do período passado no qual o País enveredou pelo regime ditatorial e a violação de direitos humanos.

DEBORAH DUPRAT
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Ministério Público Federal

MARLON WEICHERT
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto
Ministério Público Federal

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

View Comments

  • Intervenção militar

    Achar que a Constituição, ultimamente tão vilependiada, possa ser impedimento para uma intervenção militar é ingenuidade.

  • PFDC?

    Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do MPF?  Vai sobrar o mote: Direitos para os cidadões direitos (ou de direita?).

    Posta em movimento a engrenagem castrense não vai ser detida!

  • E o guardião da CF, o tal de STF?

    parabéns aos nobres procuradores pela nota, especialmente por ser o MP o defensor dos interesses difusos da sociedade, mas esta nota revela um questionamento  derivado de um silencio ensurdecedor.

    ou seja, o guardião da CF, o STF, não vai falar nada? 

    bem, não que seja anormal visto o estupro do golpe e o silencio dos togados.

    pelo visto a carmem lucia só se dedica a platitudes.

    o decano só se sente ofendido se o lula falar que o stf está acovardaddo.

    o iluminista do projac fala sobre tudo, menos o que interessa.

    o gilmar eu me recuso a comentar!!!!

    e o resto, juntos com os acima, SÃO O RESTO MESMO!!!!!

    RESUMO: TURMA DO SUPREMO, VCS NÃO VÃO FALAR NADA?????? (estou gritando mesmo)

  • Ora, ora!

    Um poder constituído foi ameaçado, aviltado e golpeado por outro Poder constituído e as Forças Armadas não fizeram nada!...

  • A PFDC está para o MPF como o MinC está para o GF

    Prezados,

    Por mais que tenhamos apreço pela atuação dos profissionais da PFDC, ramo do MPF destinado a defender os direitos do cidadão, sabemos da fraqueza e insiginicância dessa procuradoria no âmbito da instituição maior que ela integra. O mesmo se diga em relação ao MPT, por mais que nesse ramo do MPF trabalhem procuradores realmente empenhados em defender os direitos dos trabalhadores.

    A fraqueza e desimportância da PFDC e do MPT em relação ao MPF e sua PGR é semelhante à que verificamos entre o Ministério da Cultura e outros do núcleo duro do governo (como os Ministério da Fazenda e do Planejamento) ou ao próprio governo federal, se tomado como uma instituição do Estado.

  • A CF/88 previa o golpe do
    A CF/88 previa o golpe do Impedimento sem crime dado pelo Senado Federal com o STF com tudo para salvar os ladrões do PMDB-PSDB?

  • Generais aliados de Temer

    Existem pelo menos dois procuradores democratas no Ministério Público. E nenhum magistrado no Supremo.

    O valentão general Mourão estimulou o golpe que colocou a notável quadrilha no poder. Na prática, o general Mourão escolheu o ladrão do Temer como seu comandante e seu colega, o general Etchegoyen, é o responsável pela segurança de Temer.

  • Não caiam nessa armadilha.
    Não bastasse o apoio à intervenção militar por direitistas que faltaram à aula de história ou tiveram seus cérebros lavado por algum youtuber, ando vendo também esse apoio pela ala da esquerda (alguns poucos). Forças armadas brasileiras não se importa em proteger nossas riquezas minerais de interesses de outros governos, não se importa com desenvolvimento e independência econômica, são contra liberdade individuais e direitos cívicos básico em qualquer democracia. Objetivo deles é apenas "manter a ordem" e tornar o país uma colônia perfeita do neoliberalismo.

  • Não caiam nessa armadilha
    Não bastasse o apoio à intervenção militar por direitistas que faltaram à aula de história ou tiveram seus cérebros lavado por algum youtuber, ando vendo também esse apoio pela ala da esquerda (alguns poucos). Forças armadas brasileiras não se importa em proteger nossas riquezas minerais de interesses de outros governos, não se importa com desenvolvimento e independência econômica, são contra liberdade individuais e direitos cívicos básico em qualquer democracia. Objetivo deles é apenas "manter a ordem" e tornar o país uma colônia perfeita do neoliberalismo.

  • E a constituiç/aso q tínhamos

    E a constituiç/aso q tínhamos antes de 1964 previa golpe? Em que sitruações?

    Santa ingenuidade Batman! Eles deram o golpe em 64 e depois da ''redemocratzação'' não foram punidos. Apoiaram o de 2016 com seu silêncio c´[umplice , e estão no caminho de tomar o poder mais uma vez.

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