
Na última segunda-feira (31), o golpe militar de 1964 completou 61 anos – data marcada por diversas manifestações, nas redes sociais, para que não se esqueçam os horrores cometidos até 1985.
Para falar sobre o assunto, o programa TVGGN contou com a participação da procuradora e presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Eugênia Gonzaga, para falar sobre os crimes da ditadura militar e o papel de responsabilização do Estado em relação aos criminosos e de Justiça às vítimas.
O primeiro contato da procuradora regional dos direitos do cidadão do Estado de São Paulo, foi em 2002, quando foi nomeada para o cargo e assumiu o Grupo de Trabalho de Perus, pois já atuava na área de direitos humanos.
Ela herdou o inquérito sobre a demora da identificação dos restos mortais de Flávio Molina, militante político executado pelo Estado brasileiro e cujos restos mortais estavam em uma vala clandestina.
“Comecei a ter contato com as famílias, com reuniões, e sempre aquele pleito forte, né, de falta de justiça, de falta de abertura de arquivos. Um dia a Suzana Lisboa, me lembro bem quem foi, ela falou assim: ‘Não, a gente só quer o seguinte, que encontre os restos mortais dos nossos entes queridos, identifique, que abra arquivos e que responsabilize os autores dessas atrocidades'”, lembrou a procuradora.
Foi nesta ocasião que Eugênia percebeu que aquele caso não se resumia a um inquérito, mas se tratava da expectativa das famílias, além de se deparar com a falta de responsabilização e insuficiência de reparação das vítimas da ditadura. “Nunca vai haver dinheiro suficiente, pedido de desculpas suficientes, porque a falta de responsabilização vai deixar sempre essa ferida em aberto.”
Depois de realizar uma cerimônia para entregar os restos mortais de Molina, a procuradora abriu vários outros inquéritos, com um objetivo ainda maior: começou a tomar as primeiras iniciativas para estudar como a responsabilização dos agente da ditadura poderia ser feita, mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) entendesse que os casos esbarrariam na Lei da Anistia.
“Nessa época, o que havia era uma interpretação sedimentada na sociedade, nas faculdades de direito, de que anistia, exemplo de anistia, a gente estudava na faculdade de anistia, anistia política de 79, sem a menor contextualização, e aquilo era tomado como pronto e acabado. Só que, na verdade, quando a gente vai ler a Lei de Anistia, ela não diz que ela é expressa ao perdoar os crimes praticados pelos agentes de Estado”, emenda.
A procuradora citou, por exemplo, crimes considerados como continuados, a exemplo da ocultação de cadáver e sequestro, não cobertos pela Lei da Anistia.
Vítimas
Um dos casos que chama a atenção sobre a truculência dos militares foi o do Venezuelano Miguel Sabá Nué, morto simplesmente por não falar português e escrever poesias. A família, no entanto, acreditava que ele os tinha abandonado.
“Naquela época, me marcou muito que o filho falou: ‘Olha, vocês não estão aqui entregando os depósitos do nosso pai, vocês estão devolvendo a nossa vida, porque nós crescemos acreditando ter sido abandonados pelo nosso pai, nós jamais imaginávamos que nosso pai tinha morrido no cárcere no Brasil, e uma história assim… Por que ele foi preso?’ Ele foi, bom, primeiro, ignorância extrema desses agentes da ditadura, qualquer pessoa, eles prendiam, batiam, para depois perguntar, e ele falava muito mal português, falava em espanhol, e justamente por conta da depressão que ele vinha enfrentando, com a história da separação, ele ficava escrevendo muito tempo num caderno, num diário, e citando pensamentos que eles não entenderam muito bem do que se tratava aquilo”, continua Eugênia.
Graças à atuação de busca pela verdade dos mortos da ditadura, Eugênia foi convidada para presidir a Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos em 2014, ocasião em que pode expandir o trabalho para outros pontos do país.
Confira a entrevista na íntegra em:
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A única justiça eficaz seria permitir aos familiares prender, sequestrar e torturar os militares ou seus descendentes.
Só isso fecha essa ferida.
Mas, ultrapassamos essa noção de reparação faz tempo, embora os EUA ainda a pratique com sofisticação processual.
A responsabilidade penal é um tratado de estabilização social, apenas.
Usa a dor das vítimas de crimes para justificar o processo, que dará uma sanção ao autor, com o único objeto de mostrar a todos, e demover a todos de seguirem o mesmo exemplo.
É a natureza chamada de pedagógica da sentença.
Quando não há nem a eficaz justiça retributiva direta (e primária), nem a pedagógica, não se pode falar em “fazer justiça”.
Nunca.
Não é uma ferida aberta, é uma necrose em todo o tecido social.
A prova?
Ainda estamos no golpe de 2016, e sequer nos damos conta disso.
Nenhuma restituição institucional aconteceu com as vítimas do golpe de 2016.
Ninguém foi punido.
A presidenta está “exilada”, ainda que ela jure que não.
A história foi alterada, uma eleição roubada, e 700 mil pessoas morreram.
64 é fichinha perto de 2016.
Bilhões de reais em juros foram surrupiados desde 2016.
Uma reforma trabalhista que nos remete ao período pré Vargas.
É isso.
O povo precisa se conscientizar da tragédia que foram os anos de ditadura no Brasil.
Os assassinatos, agravados pela ocultação de cadáveres, continuam impunes em sua maioria e os aprendizes destas atrocidades hoje ocupam espaços importantes nas redes onde negam diuturnamente os crimes cometidos.
Redes sociais e igrejas (principalmente as ditas evangélicas), louvam os cretinos que atentam contra a democracia. Acrescentem os clubes militares onde míticos de pijama continuam incitando contra quem ousa mexer em suas polpudas e vitalicias aposentadorias.
Mas por falar em clubes, vamos falar dos importantes que hoje, 1o de Abril, dia em que a ditadura foi imposta, clubes com historia democrática publicaram contra esta aberração.
Manchete de hoje:
“No dia que marca início da Ditadura, clubes brasileiros se manifestam pela democracia
Vasco, Botafogo, Bahia, Corinthians e Sport fazem publicações nas redes sociais”
É um caminho para que as ruas sejam retomadas pelas frentes progressistas.
A maioria dos militares e policiais que torturaram e mataram brasileiros por razões políticas durante a Ditadura estão mortos. Eles não podem mais ser processados, julgados e condenados. Mas isso não significa que os restos mortais deles devam ficar em paz nos cemitérios. O MPF deveria entrar com um processo para obrigar o Estado a fazer algo realmente simbólico. Esses canalhas devem ser exumados, os restos mortais deles deveriam ser jogados no compartimento de carga de um navio velho. Esse navio seria então rebocado até o meio do Atlântico e afundado fora do território brasileiro.