Leia o acordo da Lava Jato para blindar Banco Safra, após negociar com Youssef

Em troca, o banco se comprometia com práticas de compliance e aceitava pagar R$ 4 milhões, sob o argumento de garantir a propriedade do hotel

Sugerido por Antonio Neves
Comentário no post Clipping do dia

Jornal GGN – A força-tarefa de Curitiba arquivou, em outubro passado, uma investigação contra funcionários do Banco Safra, sobre um empréstimo milionário para uma empresa de fachada do doleiro Alberto Youssef em 2012. Em troca, o banco se comprometia com práticas de compliance e aceitava pagar R$ 4 milhões, sob o argumento de garantir a propriedade do hotel, imóvel de Youssef reivindicado pelo Safra.

“Quase três anos antes do encerramento do inquérito, porém, a força-tarefa fechou um termo de ajustamento de conduta (TAC) que blindava o Safra de qualquer ação civil pública sobre a condução do negócio com Youssef. Pelo texto firmado em abril de 2016, os procuradores abriram mão inclusive de questionar legalmente eventuais falhas de compliance, como mostra o documento”.

O acordo da Lava Jato que blindou o Banco Safra de punições por negociar com o doleiro Alberto Youssef
Do El País Brasil

Os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba arquivaram, em outubro deste ano, um inquérito sob segredo de Justiça que investigava a suspeita de crime financeiro por funcionários do banco Safra. O caso envolvia a concessão de um empréstimo milionário para uma empresa de fachada do doleiro Alberto Youssef em 2012, quando ele já havia sido condenado no caso Banestado e era considerado um “perfil de alto risco” para transações financeiras. No documento sigiloso, analisado pelo EL PAÍS em parceria com o The Intercept Brasil, os procuradores concordam em encerrar o caso deixando de lado suspeitas que eles mesmos haviam levantado contra o banco em conversas pelo Telegram, obtidas pela reportagem. O coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, chegou a afirmar em mensagens que, se o Safra tivesse avisado as autoridades sobre o empréstimo suspeito, a Lava Jato, deflagrada em 2014, poderia ter começado dois anos antes. “Não houve checagem sobre quem era o doleiro ou comunicação de operação suspeita, o que poderia ter antecipado a descoberta do grande esquema criminoso da Lava Jato”, escreve Dallagnol, em conversa com o procurador Paulo Galvão em março de 2018 pelo Telegram.

A trama começa em março de 2014, quando a Lava Jato prendeu Youssef, que se transformaria em delator e confessaria ter um papel central no esquema de desvio de recursos públicos destapado pela operação. Naquele momento, o então juiz Sergio Moro determinou o sequestro e congelamento de dezenas de negócios e movimentações do doleiro. Dentre eles estava o Web Hotel Príncipe da Enseada, em Porto Seguro, na Bahia. Ocorre que a propriedade havia sido dada como garantia de um empréstimo que Youssef havia conseguido junto ao banco Safra. Por meio de uma empresa de fachada, a GFD Investimentos (investigada desde 2014 na Lava Jato), o doleiro conseguiu cerca de 10,5 milhões de reais emprestado do banco. Porém, ao ser preso, deixou de pagar a dívida. Por isso, o banco foi à Justiça reclamar com Moro pelos direitos ao imóvel.

A reclamação do Safra chamou a atenção dos procuradores para o caso. A força-tarefa pediu então, em 2015, a abertura de um inquérito para apurar suposto crime dos funcionários do banco na negociação com o doleiro. Em tese, essa tratativa deveria ter sido reportada ao Conselho de Controle de Atividades Econômicas e Financeiras (COAF), mas não foi. “Não avisaram o Coaf então?!”, questiona Dallagnol, em março de 2018 no Telegram —a transcrição das conversas e documentos preserva a grafia encontrada nos arquivos originais. O procurador Januário Paludo, também da FT da Lava Jato, diz então que o Safra sabia “muito bem” com quem estava lidando. O EL PAÍS apurou que o doleiro era cliente antigo do banco, pelo menos desde a época do caso Banestado.

Quase três anos antes do encerramento do inquérito, porém, a força-tarefa fechou um termo de ajustamento de conduta (TAC) que blindava o Safra de qualquer ação civil pública sobre a condução do negócio com Youssef. Pelo texto firmado em abril de 2016, os procuradores abriram mão inclusive de questionar legalmente eventuais falhas de compliance, como mostra o documento:

Trecho do TAC entre o Safra e o MPF, de abril de 2016.
Trecho do TAC entre o Safra e o MPF, de abril de 2016.EL PAÍS

Em troca, o banco se comprometeu a melhorar suas práticas (ainda que não haja nenhum mecanismo previsto para a verificação) e aceitou pagar 4 milhões de reais sob a justificativa de garantir a propriedade do hotel. Divulgado à época como um instrumento para encerrar uma disputa sobre a propriedade de um imóvel de Youssef reivindicado pelo Safra, o TAC acabou esquecido em meio à enxurrada de informações da Lava Jato.

A história voltou à pauta dos procuradores, em março de 2018, quando Dallagnol enviou uma mensagem ao procurador Paulo Galvão perguntando sobre o caso. “Houve um banco que aceitou uma garantia imobiliária dada por Alberto Youssef, que estava na mesa de negociação, por meio de empresa em nome de laranja que ele controlava, e uma violação completa do sistema de compliance”.

“Violação completa do sistema de compliance”

Galvão responde que o acordo, no caso o TAC, já havia sido homologado: “É bem simples. não é uma leniência, mas um TAC para acabar com uma discussão judicial. talvez até o melhor nome fosse transação judicial, mas como tem cláusula para não propor nada cível, e tem cláusula de que o banco se comprometeu com compliance, preferimos chamar de TAC”, respondeu o procurador. Dallagnol então escreve: “PG, no termo do Safra não se diz que era o Youssef que estava na reunião com o banco, mas era, certo? Eles não reportaram a operação como suspeita pro COAF, certo? Veja por favor se a seguinte descrição está adequada please”.

Para tentar entender a trama à qual estavam se referindo, o próprio Dallagnol descreve a negociação entre o Safra e Youssef. “Numa terceira situação, uma dada empresa X tinha dívida com um banco, que penhorou a marca X. Então apareceu um doleiro, representando uma empresa Y. Ele tinha antecedentes por crimes graves e seu nome não estava no contrato social da Y. Ele negociou com o banco a liberação da marca X, oferecendo uma garantia real da empresa Y. Não houve checagem sobre quem era o doleiro ou comunicação de operação suspeita, o que poderia ter antecipado a descoberta do grande esquema criminoso da Lava Jato”.

Ao responder à mensagem três dias depois, Galvão pediu a Dallagnol que consultasse o colega Januário Paludo, procurador que negociou o TAC com o Safra. Dallagnol enviou mensagem a Paludo no mesmo dia, com a mesma equação descrita na mensagem acima. E Paludo responde: “Isso mesmo. E o banco só liberou por que o youssef negociou pessoalmente. Ou seja: eles não só sabiam com uem negociavam, como também “alguém” disse que que era para fechar a operação sem comunicar o coaf”.

Continue a leitura no El Pais Brasil

 

 

Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Isto tudo, com os demais casos formavam pelo menos duas frentes: a garantia de faturamento através do esquema da indústria lavajatista de delação, além de irem preparando o mercado de empresas, bancos e estatais que seriam atendida pela fundação de pilantragens sob nome de compliance. Como fizeram com os 70% não investigados para terem defensores e protetores. É o esquema de blindar agora, para brindar mais adiante, como as milícias fazem.

  2. Tempos estranhos!
    Há alertas sobre uma nova crise financeira mundial que se avizinha. Dizem, será maior que a de 2008. Diferença: o que foi usado em 2008 está esgotado (exemplos: QE e reduzir juros).
    Governo prepara mecanismos para socorrer os bancos que, apesar do baixo crescimento do país, batem recordes de lucros.
    Surgem ‘notícias’ com potencial para envolver os bancos em grandes cortinas de fumaça: guarida a doleiros (Oh…!), omitir comunicação ao COAF e volta do caso Banestado.
    Estaria sendo montada uma operação para socializar os “prejuízos” da plutocracia financeira?
    Faria parte da operação dizer que os bancos precisam ser socorridos porque, coitados, foram coagidos a se envolver com o “maior esquema de corrupção, desde a concorrência para construir a arca de Noé”?

  3. Isto tudo, como os demais casos revelados ou ainda não, formavam pelo menos duas frentes: garantir faturamento através do esquema da indústria lavajatista de delação, além de irem preparando o mercado de empresas, bancos e estatais que seriam atendidas pela fundação de pilantragens sob nome de compliance. Como fizeram com os 70% não investigados para terem defensores e protetores. É o esquema de blindar agora, para brindar mais adiante, como as milícias fazem.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador