Lula e o efeito saturação, por Aldo Fornazieri

Lula e o efeito saturação

por Aldo Fornazieri

“Fim do jogo”, “bala de prata”, “fim da linha para Lula”. Estas foram algumas das definições expedidas por analistas e comentaristas políticos acerca do depoimento de Palocci, imputando acusações genéricas contra Lula. As evidências empíricas e as pesquisas de opinião, contudo, indicam que o que chegou ao fim da linha são os efeitos da guerra de desgaste que vem sendo travada contra o ex-presidente desde o início da atual crise política. Os que não se deram conta deste fato são, João Dória, alguns comentaristas que se consideram vacas sagradas do jornalismo político e os fascistóides empedernidos que vêem em Lula a encarnação do demônio.

A destruição da figura política e histórica de Lula era um dos objetivos iniciais da Lava Jato, particularmente dos procuradores de Curitiba e do juiz Moro, mas também dos políticos que se agregaram no golpe e de boa parte do jornalismo político. Com o estilhaçamento do bloco golpista, com a percepção de que o governo Temer é uma quadrilha e com o envolvimento crescente de políticos governistas nas denúncias de corrupção, a frente ampla de ataque a Lula se  reduziu.

A estratégia adotada pelos inimigos de Lula foi a de um fogo de barragem, uma guerra de saturação prolongada e concentrada na figura dele, depois de derrubada a Dilma. Este fogo consistiu no uso de todas as armas lícitas e ilícitas, em todas as frentes – estatais e não estatais, públicas e privadas. Lula foi apresentado desde o início como o grande chefe, o “general da propinocracia”, nas palavras do Dallagnol.

Mas a guerra de saturação produziu uma contra-face, inesperada pelos seus operadores: a saturação da opinião pública. As acusações e delações contra Lula são tantas que poucos sabem acerca do que ele está sendo acusado.  Acusações e delações contra ele esgotaram a capacidade de provocar abalos emocionais, na medida em que houve uma saciedade de emoções. Diga-se agora o que se disser a respeito de Lula, se não vier acompanhado com malas de dinheiro, com contas recheadas por milhões de reais, não produzirá mais nenhum efeito significativo, pois se produziu um estado psicológico nas pessoas que chegou ao limite a respeito do assunto. As pessoas estão saciadas de denúncias contra o ex-presidente. O que vier agora tende a ser rejeitado, provocando fastio, cansaço, aborrecimento, tédio e recusa.

Ao esgotar a sua potência emocional, as novas denúncias, pelo contrário geram incômodo e indiferença. As pessoas comuns raciocinam e chegam às suas conclusões usando o método comparativo. Com isto, percebem três coisas:  1) Lula é acusado de ser dono de um triplex, de um sítio, de um terreno para o Instituto e de um apartamento em São Bernardo do Campo que, comprovadamente, não são seus e que o MP e Moro não conseguem provar a propriedade do ex-presidente; 2) em contraste com a imaterialidade das acusações contra Lula, há a materialidade de 51 milhões no apartamento do Geddel, a mala de dinheiro de Temer e Rocha Loures, os dois milhões de Aécio Neves e várias contas, jóias e dinheiro de outros acusados; 3) há uma crença generalizada de que nada será feito contra Temer e contra Aécio Neves.

A interligação de todos esses pontos na mente das pessoas comuns reforça a crença de que se Lula cometeu pecados, estes são menores do que aqueles dos seus inimigo e de que há uma ação persecutória contra ele por parte do Ministério Público e do juiz Moro. Há que se considerar também que boa parte daqueles que lutaram pelo afastamento de Dilma e pela condenação de Lula estão estupefatos com os crimes revelados, praticados por políticos do atual condomínio de poder.

As políticas anti-sociais, anti-culturais, anti-ambientais e anti-civilizacionais praticadas pelos governistas revoltaram muitos dos seus apoiadores iniciais. O entorno fascista do governo e dos políticos que o compõem, que cresce em número e ousadia, vem colocando muitas pessoas em estado de alerta e revendo positivamente os seus posicionamentos em relação a Lula, ao PT e às esquerdas. Por outro lado, há uma clara decomposição do centro político com a crise e cisão do PSDB. Com isso, o movimento da política se desloca para uma polarização crescente, tendo Lula de um lado, e as duas faces fascistóides do outro: Bolsonaro e Dória.

Lula ou guerra?

O ex-ministro Gilberto Carvalho vaticinou que se Lula não for candidato em 2018 “vai ter guerra.  Uma guerra que não será feita por nós. Será feita por estes tantos que demonstraram agora, na caravana, o amor e a esperança que eles têm no Lula e por esta gente que estava aqui hoje e os tantos milhões de brasileiros que nós vamos abraçar em outras caravanas futuras”. Seja qual for o significado da palavra “guerra”, aqui, este é um problema, um equívoco, que as esquerdas vêm repetindo desde 1964.

Naquele ano, Jango teria movimentos sociais que o sustentariam e até mesmo uma base militar nas Forças Armadas para enfrentar os golpistas. O golpe foi sacramentado sem que ocorressem reações significativa. Com  Dilma, ocorreu a mesma coisa: existiria um exército do Stédile, e o presidente da CUT anunciou que reagiria ao golpe nas trincheiras, com armas na mão. No dia 17 de abril, os militantes e ativistas se retiraram do Vale do Anhangabaú e de outros locais, cabisbaixos e desmoralizados, sem exército e sem trincheiras.

Acreditar que o povo das caravanas fará “guerra”, espontaneamente, pela sua própria iniciativa, significando esta, provavelmente, luta, manifestações, mobilizações, significa acreditar numa ilusão. O povo das caravanas só se mobilizará se tiver comando e direção e se este comando tiver uma estratégia definida. Não é isto o que se vê no PT. Mantidas as atuais condições, se Lula for condenado, com a subtração do direito de concorrer, haverá uma manifestação aqui, outra acolá, uma retórica contundente da direção petista e nada mais. Para haver lula, mobilizações, desobediência civil, é preciso que isto tudo seja construído e organizado. Acreditar na benevolência ou no temor dos juízes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região é um ato de extrema ingenuidade.

A estratégia das caravanas é correta e necessária. Lula saiu da condição de ser um alvo fixo e passivo do juiz Moro e da Lava Jato. Saiu da defensividade para travar uma guerra mental, na fluidez de um terreno em que ele tem o domínio e que os seus inimigos não o conhecem e onde não sabem se mover. Trata-se agora de travar essa guerra conceitual e simbólica que Lula sabe travar, de confundir os juízes e de jogar o seu julgamento para o povo.

Mas as caravanas não podem ser um mero passar de Lula pelas cidades, um ato, uma caminhada, que se esgotam em si mesmos. É preciso extrair saldos organizativos das mesmas e criar a consciência de que o que se decide, neste momento, no Brasil, é se Lula pode ou não pode concorrer. Os petistas e Lula indicarão as consequências e as providências a serem desencadeadas se houver uma interdição do direito de disputar as eleições? A direção do PT precisa responder essa questão.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

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  • perfeito ..O brasileiro ainda

    perfeito ..O brasileiro ainda aguarda pelo messias  ..ou pela VOLTA dum deles  .,assim como o povo se lembra pseudo "ordem social" de quando do Regime Militar  ..o país também trás na memória o ORGULHO e exito do Governo de LULA

    resta saber se nos deixarão escolher ..pq exigir nosso direito a força  ..tenho certeza  ..a IMENSA maioria não vai se propor a fazer

    Falar em guerra, luta, constitui-se numa tremenda BOBAGEM  ..fora que provoca com vara curta os mais exaltados  ..tipo como foi a tentativa IMATURA de tentarem rever como com um ZUMBI, a lei da anistia 

    Inclusive, afirmo aqui, invasões OPORTUNISTAS como esta que esta ocorrendo em SBC mais DISTANCIAM, do que aproximam os distos movimentos sociais da NAÇÃO votante

    O brasileiro mediano busca por legalidade, moradia, respeito, cidadania, segurança  ..não por favela (em que sabe que ficará REFÈM do crime organizado por exemplo) ou condições abjetas de sobrevivência que estas fórmulas ESTUPIDAS acabam por nos impor

     

     

     

    • Sr. Romanelli

      O brasileiro mediano está começando a entender que não vivemos na legalidade, não temos direito a moradia( no Rio, os que tem vão ter sei IPTU aumentado em 37%), cidadania acabou há muito tempo, segurança não exite,então alguma coisa tem que ser feita,passeatas são recebidas a bala e gas e as manifestações também. Alguém sugere uma saída digna?

      • MArcia  ..vdd é que perdemos

        MArcia  ..vdd é que perdemos uma ótima oportunidade ao trocarmos uma política HABUITACIONAL de Estado, por um consumismo imediato

        Será que teremos outra oportunidade ainda nesta geração ? 

        O déficit habitacional gira entre 10-15 mm ..ninguém sabe com certeza

        Fato é que uma política habitacional garantiria crecimento por DECADAS e custaria uns R$ 400 bi  ..fora de enfrentar mazelas e distribuir conquistas positivas quando da sua implantaçãoi  ..isso em diversas áreas como na saúde, educação, acesso a infra, segurança, expectativa de vida e distribuição de renda, geração de emprego e riquezas, cidadania, previdência, saneamento etc

  • Fogo amigo

    Esse Gilberto Carvalho só abre a boca para falar besteiras. Não sei quem fala mais besteiras e expõe Lula e Dilma se Carvalho Rui Falcão ou JE Cardozo. Hoje, a sustentação dos ataques a Lula e em defesa do governo golpista tem nome:FSP e a Globo. Não hora que eles forem neutralizados tudo acaba.

  • Professor Aldo,
    Receio que o

    Professor Aldo,

    Receio que o povo, tal como na proclamação da república, ou no golpe de 64, ou no golpe de 2016, assistirá à interdição de Lula de forma bestializada. Tantos absurdos sendo revelados a cada hora, desde a deposição de Dilma, e, na mesma proporção que os escândalos foram aumentando, a mobilização e a resistência foram dimuindo. Enquanto a discussão política gira em torno da possível candidatura de lula, um enorme flanco está sendo aberto para a ocupação das forças fascistas. Lula, sozinho, não conseguirá unir o povo. E as lideranças petitas e dos demais partidos de esquerda ao invés de se preocuparem com o presente, e trabalhar para a união, já estão se articulando para as eleições, e de forma errada ( na minha opinião). A tal da frente ampla de esquerda para barrar o avanço neoliberal e neofascista nem foi arregimentada e já vemos rachaduras - Ciro Gomes que o diga. 

     

    Grande abraço! 

  • "Com isso, o movimento da

    "Com isso, o movimento da política se desloca para uma polarização crescente, tendo Lula de um lado, e as duas faces fascistóides do outro: Bolsonaro e Dória."

    DÓRIA... nem metade de um Collor é. Cessará meia hora depois da última reportagem. Já com Bolsonaro a história é bem diferente.

    Sobre a análise da "resistência"... PERFEITA! Se o PT, o maior PT do país, foi incapaz de se mobilizar e convencer por número e coesão aos reacionários do pato amarelo, contratados, convocados ou voluntários de que ali não era sua praia, como seria agora que todo o leite foi derramado? E sequer uma coordenação de resistência se enxerga? Repito: PERFEITA! Análise dura, real e por isso perfeita.

    • O PT não foi incapaz

      O PT não tentou, graças ao senhor das soluções intempestivas Tarso Genro e seu assessor intelectual Alfo Fornazieri, sem falar do alto comando pelego, E. Cardozo, Mercadante, Vicente Candido e toda trupe de parlamentares de facebook. Quem no PT se comunica com a CUT e o MST? Gleise? Lindbergh, Genro? O MST foi abandonado sozinho na luta e por sorte "deles" não foram varridos do mapa sozinhos.

  • A Cantanhede do GGN

    "Naquele ano, Jango teria movimentos sociais que o sustentariam e até mesmo uma base militar nas Forças Armadas para enfrentar os golpistas. O golpe foi sacramentado sem que ocorressem reações significativa. Com  Dilma, ocorreu a mesma coisa: existiria um exército do Stédile, e o presidente da CUT anunciou que reagiria ao golpe nas trincheiras, com armas na mão. No dia 17 de abril, os militantes e ativistas se retiraram do Vale do Anhangabaú e de outros locais, cabisbaixos e desmoralizados, sem exército e sem trincheiras."

  • Com tantos ataques e

    Com tantos ataques e perseguição grande parte do povo já anda fazendo questionamentos. A exploração do depoimento do Palloci fez muita gente entender que após o sucesso de uma caravana pelo nordeste onde a grande mídia tentou mas não conseguiu esconder deixou o povão de orelha em pé. Hoje, Moro, seus procuradores já não são vistos mais como heróis pois a população começa a endender a perseguição ao PT e ao Lula e a decifrar os vazamentos. o depoimento do Lula foi de uma pessoa que age com coragem, pois não se pode esconder a verdade. Nem Moro e seus procuradores conseguiram provar nada. O que Palloci falou não passou de acusações e nada mais. Eu ouvi, ele me disse sem apresentar as malas, os áudios e algo a mais já não convence. O Brasil e os brasileiros não se pode deixar manipular pela mídia. É hora de se sentarem representantes dos três poderes, as lideranças nacionais e estaduais de cada partido, entidades de classe, igrejas para discutirem o Brasil. 

  • Para mim está bem claro.

    Para mim está bem claro. Investigar Lula, punir Lula, imputar toda a culpa em Lula, faz com que todos fiquem olhando o caso de Lula e os corruptos com provas significantes nem investigados são. Quanto mais ir para a cadeia, vide o caso de Aécio Neves, foi pego em áudio negociando propina e ameaçando quem delatar, se isso não obstrução de justiça e flagrante não sei o que é. LULA É O PÃO E CIRCO PARA O BRASILEIRO FICAR ENTRETIDO, E OS CORRUPTOS E PRINCIPALMENTE O SISTEMA PERMANECERÁ O MESMO!!!! 

  • Dois equívocos

    1) "A frente ampla de ataque a Lula se reduziu". Não reduziu e ganhou uma revigoração poderosa com o depoimento do Palocci. Engana-se quem pensa que quem atacou Lula e Dilma por conta de corrupção atacará Temer et caterva pelo mesmo motivo. Se tem uma coisa que os protestos de 2013 para cá provaram incontestavelmente é que a indignação do brasileiro é seletiva. 

    2) "Se Lula não for candidato em 2018 vai ter guerra, por causa dos brasileiros que querem esperança". Ledo engano. Talvez o maior engano que o PT acalentou e ainda acalenta: o de que seria defendido pelos milhões de brasileiros que tirou da pobreza e da miséria e que ajudou a ter uma vida melhor. Os que saíram da miséria voltaram/voltarão à ela graças a Temer e o PSDB, e se resignarão por achar que "é assim mesmo". Os que saíram da pobreza e viraram classe média aderiram às elites e aos seus discursos, achando que defender o neoliberalismo selvagem é defender a si mesmos. Agarram-se às elites por achar que agora fazem parte sistema, que fazem parte do grupo que decide, quando na verdade são meramente afetados pelas decisões. Regozijam-se em ler notícias sobre os saltos seguidos da Bovespa, achando que "a economia está melhorando", mesmo tendo a consciência de que não são eles que ganham dinheiro com a bolsa...

    A maior prova disso é que enquanto as elites saíam às ruas pra derrubar o PT, com suas camisas da seleção de 300 reais, tomando espumante ao final das manifestações, os pobres ficaram olhando. A maior prova disso é que hoje pululam nas caixas de comentários dos sites da grande mídia assalariados que defendem com ardor a reforma trabalhista que lhes tirará o emprego e a reforma previdenciária que lhes eliminará na prática o direito à aposentadoria. A maior prova disso são os que aplaudiram, e ainda aplaudem, o pato da FIESP, achando que o Brasil é pobre por causa da carga tributária imposta a quem produz "e gera emregos" - os empresários, os comerciantes, sem saber que os mesmos nem sequer pagam imposto de renda...

  • Continuas ainda procurando
    Continuas ainda procurando chifre em cabeça de cavalos?
    Esse teu texto prova o quanto a esquerda está desesperada tentando blindar o ladrão-mor do Brasil.
    Segue abraçado com ele e afundaras bem junto ao mesmo.
    PS. pula fora que esse barco fez água.

    • O Zé Vanildo pulou para o barco do Aécio-Temer

      Ladrão-mór do Brasil não é quem é flagrado com malas abarrotadas de dinheiro, mas quem contra o qual não há uma prova sequer dos roubos que lhe atribuem.

  • bem observado

    No geral concordo com as observações do prof Aldo. 

    O povão que trabalha ( quando trabalha), que estuda á noite que anda de onibus e trem de suburbio não se importa com a campanha anti- lula.

    Ele sabe que os que os outros são bem piores e que nada fizeram pelo povo. Pode não ter um raciocinio muito elaborado mas não é burro. È intuitivo como Lula.

    Quem acredita nessa campanha e dá vazão na internet é aquele que acha que é classe media... tem condições de andar de carro e trabalha (quando trabalha) num escritorio limpinho.

    Claro que há o pobre de direita mas esse não tem recuperação.

     

     

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