Moradores de Paraisópolis desmentem PM: ‘Mataram os meninos na porrada, spray de pimenta e bombas de gás’

Falando para o Viomundo na condição de anonimato, por temerem represálias dos policiais, moradores contam que as vítimas não morreram pisoteadas como a mídia chegou a informar inicialmente.

Sob ângulos diferentes, a viela onde sete dos nove jovens foram encurralados pelos policiais e assassinados. Para Valdemir José Trindade e José Maria Lacerda, respectivamente dirigente e presidente da associação de moradores União em Defesa da Moradia, a PM age há muito tempo com truculência contra os moradores de Paraisópolis. Fotos: Lúcia Rodrigues/ Viomundo

do Viomundo

Moradores de Paraisópolis desmentem PM: ‘Mataram os meninos na porrada, spray de pimenta e bombas de gás’; para ex-coronel, policiais deveriam ter sido presos em flagrante

Vítimas de massacre em Paraisópolis morreram espancadas e asfixiadas, afirmam moradores

Para ex-coronel da PM, policiais deveriam ter sido presos em flagrante

Por Lúcia Rodrigues, especial para o Viomundo

Moradores da Favela de Paraisópolis que presenciaram o massacre que matou nove pessoas que participavam de um baile funk, na madrugada deste domingo, 1/12, desmentem a versão da polícia.

Falando para o Viomundo na condição de anonimato, por temerem represálias dos policiais, moradores contam que as vítimas não morreram pisoteadas como a mídia chegou a informar inicialmente.

De acordo com relato das testemunhas, os jovens foram muito espancados e teriam sido asfixiados pelo gás lacrimogêneo e spray de pimenta ao serem encurralados em uma das vielas da favela.

A maioria dos mortos não morava em Paraisópolis, segundo os moradores.

Por não conhecerem as ruas da favela, correram justamente para uma viela que não tinha rota de fuga.

Uma senhora conta que os corpos ficaram espalhados pelo chão, vários deles na escada que dá acesso ao beco.

“Não consegui dormir depois das cenas que vi. Foi desesperador ver o que esses meninos passaram. Os PMs bateram sem dó. Mataram na porrada e com spray de pimenta e bombas de gás. Não foram pisoteados”, revela.

“Os meninos pediam socorro, estavam passando mal. Tinha muito gás lacrimogêneo, não dava para respirar. Sete já saíram daqui mortos. Alguns estavam com os lábios roxos.”

O processo de asfixiamento pode ter sido agravado pelo fato de a viela estar localizada há mais de um metro abaixo do nível da rua e entre altas paredes.

A moradora também desmente a versão policial de que os PMs perseguiam uma moto quando deram de cara com o baile funk.

“A história da moto é mentira, balela. Não tinha moto nenhuma.”

Outro morador que concordou contar o que viu, sem revelar o nome por temer pela vida, também contesta a versão policial.

“O que o delegado está falando é mentira. Eles já vieram determinados a matar a meninada na maldade. Encurralaram e bateram com cacetete de madeira na nuca, nas costas. Foi um massacre.”

Ele explica que viaturas da Força Tática teriam chegado primeiro ao local e só posteriormente é que chegou o reforço da Rocam, a ronda motorizada.

O morador também afirma que ninguém que estava no baile atirou contra os policiais. “Eles dizem que foram recebidos à bala, mas não foram.”

Valdemir José Trindade, o Guga, que é dirigente da associação de moradores União em Defesa da Moradia, conta que a polícia age com truculência contra os moradores de Paraisópolis há muito tempo.

Vivendo em Paraisópolis desde que nasceu, há 38 anos, ele recorda que em 2010, um grupo de extermínio integrado por PMs, conhecido como Bonde dos Carecas, agredia os moradores da favela.

“Cegaram inclusive uma menina com uma bomba. A Daiane era bonita e ficou revoltada por ter ficado cega de um olho. Se entregou às drogas e hoje mora no cemitério São Luiz.”

A família da jovem denunciou o caso e passou a ser ameaçada pelos policiais.

“A denúncia não deu em nada e os familiares tiveram de se esconder. Por isso as pessoas têm medo de falar”, ressalta.

Sobre o massacre deste domingo, Guga explica que vários dos feridos não estavam nem participando do baile.

“A rua faz uma encruzilhada. De um lado tem o baile funk, de outro tem forró, de outro tem samba, do outro tem barzinhos.”

Ele critica o preconceito contra o estilo musical. “Vai matar as pessoas porque estão ouvindo funk?”

Valdemir afirma que dias antes do massacre, áudios recebidos no whatsapp por ele e outros moradores alertavam para a chacina que estava prestes a ocorrer.

“Recebemos áudios dizendo que a polícia ia fazer uma tragédia na comunidade Paraisópolis de vingança. Mas ninguém acreditou.”

Ele não aceita a postura do governador João Doria (PSDB) frente ao massacre.

“O Doria mora aqui do lado, no Palácio (dos Bandeirantes). Não adianta dizer que lamenta. Ele está dando apoio para que isso aconteça. A Polícia Militar tem uma facção miliciana.”

Valdemir também critica a falta de áreas de lazer na favela para que os jovens possam se divertir.

A mesma preocupação é compartilhada pelo presidente da Associação, José Maria Lacerda, que mora em Paraisópolis há 40 anos.

“Se não dão espaço para os jovens se divertirem. Eles vão se divertir nos bailes funk. Eles não têm dinheiro para pagar entrada em salão, com o desemprego que está aí.”

“Se não tem espaço para eles se divertirem, eu sou a favor dos meninos (se divertirem no baile). O filho do pobre não tem direito a divertimento. A gente tem filhos jovens. Conforme aconteceu com o filho dos outros poderia ter acontecido com os meus.”

José Maria também contesta a versão policial sobre a existência de uma moto que teria irrompido pelo baile. “Como uma moto entra no meio de cinco mil pessoas e não atropela ninguém?”

Esse é o mesmo questionamento feito pelo ex-tenente-coronel Adilson Paes de Souza.

“Há uma falha na narrativa, não faz sentido. Entraram com a moto no meio de cinco mil pessoas? E onde está a moto? Naquela confusão dizem que encontraram o cartucho de uma bala. Mas não encontraram uma moto?”, indaga o militar, que saiu da corporação por não concordar com o modo de atuação da tropa.

Paes de Souza preferiu trilhar o caminho universitário. Mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP, diz que a versão da PM tem muitas lacunas.

“Essa história contada pela polícia está muito estranha. Há uma falha na narrativa, não faz sentido. Tudo leva a crer que foram lá para acabar com o baile funk.”

“Foi uma ação abusiva. Os PMs deveriam ter sido presos em flagrante”, enfatiza o ex-militar.

Ele defende a entrada do Ministério Público na apuração do massacre.

“A polícia não admite suas falhas. Existe o espírito de corpo. Por isso, tem de ter uma investigação isenta. É imprescindível que o MP assuma as rédeas (do processo).”

“Não dá para deixar a investigação só nas mãos da Polícia Civil e da PM. Já tem delegado dizendo que foi uma fatalidade. E a PM diz que vai investigar, mas afirma que os policiais se defenderam. Já estão emitindo juízo (em apoio aos policiais).”

O presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Dimitri Sales, quer saber quem ordenou e quem executou a operação que ele classifica como desastrosa.

“Não dá para aceitar a versão da PM de que foram atacados. As pessoas caíram em uma emboscada. Não havia rotas de fuga”, critica.

Ele conta que o órgão já solicitou o laudo das nove mortes que ocorreram no massacre.

De acordo com Dimitri, os legistas não estavam fotografando os cadáveres. “Pedimos para fazerem as fotos para ver em que condições os corpos ficaram.”

Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, ficou estarrecida com o massacre dos nove jovens.

Há mais de 13 anos ela perdeu o filho assassinado por policiais militares no episódio que ficou conhecido como Crimes de Maio.

Ela considera que a não punição dos culpados pelas 564 mortes, que ocorreram em maio de 2006, é combustível para o massacre que ocorreu no último domingo.

“É revoltante. Se tivesse ocorrido a punição, não teriam novas mortes nos becos e nas vielas das favelas.”

E antecipa que as Mães de Maio vão recorrer ao Tribunal Internacional de Haia para buscar justiça para a morte de seus filhos.

Débora considera que o massacre de Paraisópolis pode contribuir para sensibilizar as autoridades contra o projeto de excludente de ilicitude, que libera policiais de responderem pelos crimes que cometerem.

“Esse massacre demonstra que o excludente de ilicitude é uma carta branca para os policiais matarem. Vamos barrar isso.”

Redação

10 Comentários

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  1. O massacre desses meninos é mais uma marcado do necroestado, com suas mãos cheias de sangue. O que me deixa indignada é ver o pouco caso que a população brasileira em geral faz desses casos, dessas vidas; dos filhos de marias e clarices também.

  2. Infelizmente hoje há uma grande parcela das polícias que é formada por assassinos, traficantes de drogas e de armas e praticantes de extorsão.
    Se isto é fato e de conhecimento de todos – muitos fingem não ver porque a polícia serve para protegê-los dos pobres – imaginem em uma cidade grande onde a maioria só se preocupa com o próprio umbigo.

  3. O que a esquerda deveria fazer é ir imediatamente até lá e ajudar essa comunidade a se organizar para lutar contra os abusos.
    Mas, sejamos sinceros, sabemos que isso não vai acontecer, não é mesmo?
    Por que? Perguntariam os inocentes.
    Ora, porque o que existe no Brasil é uma fakesquerda, totalmente ocupada com coisas mais importantes: lacrar na internet; ganhar eleições para “mamar”; manter oculto aquilo que fizeram no verão passado; estar sempre disponível para a primeira “conciliação” que aparecer; …

  4. O que leva um grupo de policiais a, simplesmente, transformarem-se em um bando de assassinos infames?
    Odeiam pobres? Nao curtem funk? Se crêem impunes pois outros ficam impunes?
    E as autoridades maiores? Compactuam com este arbítrio e por isso tentam criar leis abonadoras de crimes como o execrável “excludente de ilicitude”
    Esperamos que o Congresso largue bala, biblia, bola e barre estas ignomínias pensando na segurança no seu povo, sob pena de se tornarem cúmplices deste arbitrio.

  5. As cenas mais chocantes e perturbadoras ainda não foram divulgadas…
    vai mostrar que as besta humanas que a PM seleciona para este tipo de ação são assassinos e torturadores profissionais, treinados para isso mesmo, torturar, rir da vítima e matar

  6. A Elite Esquerdopata vai se juntar para promover outro Carandiru? Dirão que Governador de Estado e Secretário de Segurança de São Paulo estavam em outro planeta? Ou dois dois não são Comandantes-em-Chefe da Polícia? Alias, quem é o Secretário de Segurança de SP? Mesmo depois do massacre de 9 Jovens, não aparece nem sua cara na Imprensa? Que proteção que é esta? Outro Carandiru? Sobrará tudo para Soldados rasos cumprindo ordens superiores? A Elite Esquerdopata, inclusive da Imprensa, vai proteger e esconder Dória? Não é para atingir o Estado Ditatorial Absolutista Caudilhista nem quando se massacram crianças? Quando crianças estão expostas a sexo, drogas, armas, violência, abandono, álcool, ameça, criminalidade,… Ninguém está pedindo a renúncia de Dória? E do Secretário de Segurança, que ninguém sabe, que ninguém conhece. Nem mesmo este irá cair? O Estado Ditatorial continua assim tão inatingível, pela ordem e pela justiça? Entendemos estas 9 décadas. Estado Absolutista Assassino. Outro Carandiru? A culpa é de Soldado raso? Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  7. São Paulo deve ser o único estado brasileiro onde não tem pobres,favelados,perseguidos,massacrados .
    Parece um contrasentido o que estou perguntando ,mas não,não é,porque em São Paulo SÓ GANHAM os que perseguem,massacram,matam pobres,favelados.
    Em quem votam os habitantes da favela Paraisópolis??? Porque não é comunidade é FAVELA ,essa é uma enganação dos brancos poderosos,para enganar os favelados dizendo que eles moram num lugar civilizado.
    Assim como com a religião,os favelados são vítimas da propaganda dos poderosos,para eles se conformarem a aceitarem a vida que eles (os poderosos) lhes proporcionam.

  8. EU ACREDITO E TENHO CERTEZA QUE NÂO VAI DAR NADA PARA A PM DE SÃO PAULO,NEM PARA OS POLICIAS QUE ASSASSINARAM OS JOVENS .POR QUE VIVEMOS NO BRASIL UM PAÍS DE IMPUNIDADE E CORRUPÇÃO.
    O PAÍS COM GOVERNANTES MAIS PODES DA AMERICA LATINA.NO CASO DA MARIA DA PENHA QUE NÃO ACHO JUSTIÇA AQUI NESTE PAIS PROCUROU DIREITO INTERNACIONAL SE EU NÂO ESTOU ENGANADA.
    OS PAIS E REPRESENTANTES DESTES JOVENS E CRIANÇAS DEVEM PROCURAR JUSTIÇAS FORA DAQUI PORQUE AQUI TUDO SERÁ ENCOBERTO.
    CRIMES DOS ADOLECENTES MORTOS E DESAPARECIDOS :LAZER PERTO DA CASA E TER NASCIDO NESTE PAÍS DE ASSASSINOS DE JOVENS E CRIANÇAS.

  9. O nosso povo covarde e sem consciência, vivem na miséria, na marginalidade, são oprimidos e discriminados, mas se acomodam,não reagem, não questionam a estrutura de classes da sociedade, aceitam migalhas e anestesiam suas angustias no bar, no pancadão ou nas igrejas

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