Promotor omite espião do Exército e denuncia jovens do “Fora Temer” por associação criminosa

Jornal GGN – Os jovens presos em São Paulo antes de um protesto contra o governo Temer, em setembro passado, foram denunciados pelo Ministério Público do Estado por associação criminosa. De acordo com o promotor Fernando Albuquerque, todos os envolvidos tinham a intenção de depredar patrimônio público e ferir policiais militares acionados para acompanhar a manifestação, que se concentrou na Avenida Paulista.

O promotor do caso já se envolveu em polêmicas, de acordo com reportagem do portal Ponte Jornalismo. Uma delas foi ter esmurrado um advogado durante um julgamento.

O promotor, na denúncia, só usou a versão dos delegados e omitiu que entre os jovens estava um agente do Exército disfarçado, que é acusado de plantar provas para viabilizar as prisões e indicamentos.

Por Fausto Salvadori

Do Ponte Jornalismo

Para promotor, jovens presos em protesto anti-Temer são “organização criminosa”

O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou, por associação criminosa e corrupção de menores, 18 manifestantes de um ato Fora Temer presos pela PM em 4 de setembro no Centro Cultural São Paulo, na zona sul da capital paulista.

Na denúncia, enviada em 15 de dezembro ao juiz de direito da 3ª Vara Criminal Criminal da Capital, o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza afirma que os 18 adultos e os três adolescentes detidos no CCSP “associaram-se para a prática de danos qualificados consistentes na destruição, inutilização e deterioração do patrimônio público e privado e lesões corporais em policiais militares”.

Para justificar a denúncia, o promotor aponta o fato de a polícia ter apreendido com os manifestantes frascos com vinagre (“utilizado para minorar os efeitos do gás que a polícia usa para debandar arruaceiros”) e materiais de primeiros socorros (“que seriam utilizados em comparsas que viessem a sofrer lesões no confronto com policiais militares”) e um “disco de metal que seria utilizado como escudo”, além de uma câmera fotográfica, que os suspeitos usariam para “registro de ações criminosas e posterior divulgação em redes sociais e outros meios de veiculação de ideias”.

Dos objetos listados na denúncia, apenas um seria capaz de provocar danos: uma barra de ferro, que, segundo o promotor, serviria “para desferir golpes que lesionariam policiais e danificariam patrimônio público e particular”.

A presença da barra de ferro com os integrantes do grupo, contudo, está cercada de dúvidas: o jovem com quem o objeto teria sido apreendido nem ao menos levava mochila e afirma que a barra foi “plantada” no local por um policial, informação confirmada pelo testemunho de outros manifestantes presos. Segundo o jovem, a barra teria sido deixada pelo soldado Farani, que também o teria agredido com um soco nas costelas. Atualmente, o soldado é alvo de um procedimento no Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) que apura a denúncia de agressão.

Esqueceram do capitão

Nada disso aparece na denúncia do promotor. Albuquerque também omite a principal controvérsia envolvendo a prisão dos jovens no CCSP: a presença do capitão do Exército Willian Pina Botelho, que havia se infiltrado entre os jovens detidos com o nome falso de Balta Nunes.

Em outubro, o comandante-geral do exército, general Eduardo da Costa Villas Boas, afirmou à Rádio Jovem Pan “houve uma absoluta interação” do Exército com o governo Geraldo Alckmin (PSDB) no episódio do CCSP. Dois meses depois, o Exército recuou e, numa resposta dirigida a um ofício do deputado federal Ivan Valente (PSOL), disse que o governo paulista não sabia das ações de Botelho nem teria passado informações à polícia que levaram à prisão dos manifestantes.

A versão do promotor na denúncia repete a afirmação dos policiais militares, registrada no boletim de ocorrência do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), de que teriam ido ao CCSP avisados por “populares”. Não há registro de quem seriam os “populares”, nem explicação de como a denúncia teria levado a PM a mobilizar, de uma hora para outra, o aparato que utilizou na detenção dos manifestantes: dez viaturas, um ônibus e um helicóptero.

No final de sua denúncia, o promotor pede à Justiça que interrogue os denunciados e “as pessoas arroladas abaixo”, mencionando apenas os policiais militares e o delegado do Deic reponsáveis pela detenção.

Não é a primeira vez que o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza se envolve em assuntos polêmicos. Albuquerque foi um dos mais de mil promotores a assinar um manifesto em apoio aos colegas Cássio Conserino, Fernando Henrique de Moraes Araújo e José Carlos Blat, que haviam sido ridicularizadospor conta de um pedido de prisão do ex-presidente Lula em que trocavam os nomes dos filósofos Hegel e Engels e faziam citações sem sentido a Nietzsche.

Em 2011, o mesmo promotor foi processado por esmurrar um advogado durante um tribunal do júri. O processo chegou ao fim dois anos depois, com Albuquerque aceitando uma transação penal proposta pela Procuradoria Geral de Justiça e oferecendo o pagamento de dois salários mínimos.

Natal

Na época, as ações da polícia paulista em 4 de setembro — que, além de prender 21 jovens no CCSP, também detiveram cinco secundaristas durante o protesto na avenida Paulista — foram alvos de diversas críticas. O ouvidor das polícias Julio César Fernandes Neves e políticos do PT que visitaram os suspeitos na delegacia, entre eles o vereador Eduardo Suplicy, levantaram a suspeita de que os 26 detidos teriam sido alvo de “prisões políticas”, com o objetivo de inibir as manifestações contrárias ao governo Michel Temer.

No dia seguinte às prisões, na audiência de custódia, que serve para determinar se um suspeito pode responder às acusações em liberdade, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo ordenou a liberação dos 18 adultos detidos e comparou a ação da polícia com a ditadura militar. “O Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob o pretexto de que estudantes reunidos poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. Esse tempo, felizmente, já passou”, afirmou. Os adolescentes detidos também tiveram a prisão relaxada.

Publicada sábado (24) na coluna da jornalista Monica Bergamo na Folha de S.Paulo, a notícia sobre a denúncia do promotor estragou o Natal dos suspeitos, que, após a decisão do juiz Tellini e as revelações sobre a presença de um infiltrado do Exército nas prisões, imaginavam que as denúncias da polícia não seriam levadas mais a sério pela Justiça.

Se a denúncia do promotor foi aceita pela justiça e os denunciados acabarem condenados, tanto a pena para associação criminosa como para corrupção de menores podem chegar a 4 anos de reclusão. “Só penso que pode ser meu último Natal em família por muitos anos” desabafou uma das denunciadas, ontem, na noite de 24 de dezembro.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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    • Denunciamos, oras. Ou alguém

      Denunciamos, oras. Ou alguém vai alegar que não há porque surpreender-se e menos ainda porque indignar-se apelando para o discurso de que isso é apenas a "realpolitik"? Esse negócio de posar de "maduro", alegar "realpolitik" com ares de realista é recurso que serve bem aos conservadores... Basta dizer que é "realpolitik" que, pronto, nada mais há a fazer exceto ficar de quatro, é isso?

      Será que o povo islandês acha que engendrar um tipo de PROER na Islândia é "realpolitik"? Ou nós é que estamos acovardando-nos? Ou pior, sendo coniventes? Olha que a gente é brasileiro, hein? E possivelmente os serão nossos filhos e netos...

      • As armas da crítica não podem substituir a crítica das armas

        É hora de passar à crítica das armas.

        Os inimigos já foram identificados, refutados. Agora eles devem ser eliminados. Enquanto não eliminarmos esses ratos, eles vão nos eliminando um a um.

  • Nas jornadas de Junho
    Nas jornadas de junho, na fase em que o movimento ainda não havia sido tomado pela direita e por isso combatido pelo conluio midiatico penal, catador de lixo foi condenado a 5 anos de prisao por portar vidro de detergente. Nosso MP é bem eficiente quando seu alvo não é tucano...nao sendo tucano, casos como trensalão sao esquecidos no gavetao como o do procurador Rodrigo de Grandis...sendo da Senzala o alvo, vale uma condenaçao com base em algum enredo inventado...

    https://www.vice.com/pt_br/article/a-unica-pessoa-condenada-pelas-jornadas-de-junho?fb_comment_id=734684076543724_822234907788640

  • Estado policial ?

      Não, trata-se de uma situação bem mais grave, alem de um "estado repressor ", é bem pior, pois significa uma "manifestação da vontade", individual, de carater ideológico, advinda de uma "autoridade" empoderada a qual não admite qualquer duvida a respeito de sua conduta, ele ordena, " DIZ " , "Dicta", e acabou : È a verdade, punam-se os culpados, afinal do alto de sua investidura, de seu Poder, quem decide o que ´um crime ou não, é ELE.

       Manifestações de vontade, sempre individuais no inicio, representam ações fascistas/totalitárias, oriundas de um posicionamento corporativo, pois a "autoridade" quando lança um édito, sabe, tem plena certeza, que receberá a anuência e apoio de seus pares diretos e do sistema, no caso o Judiciario paulista.

        Esta manifestação deste "insigne " membro do MPSP , não possui nem parametro histórico, é uma péssima novidade, pois em 1968 meu irmão foi detido, eu fui detido em 1978, ambos em manifestações contra a ditadura civil-militar, foi uma encheção de saco, mas nem eu nem ele, ou os que com nós estavam, sequer "tocaram piano", meu irmão até quando se sua detenção estava "armado" ( com bolinhas de gude para cavalos tropeçarem ), e não deu em nada.

         Parece que os excelsos e magnificos promotores, em sua marcha pela salvação do País, visando estritamente purgar os pecados da sociedade e conduzi-la ao caminho da retidão e da Fé, desejam suplantar beneméritos como foram Sérgio Paranhos Fleury, Newton Cruz e outros de péssimas lembranças, sempre com auxilio da Lei.

          Mas a Lei tambem foi o escudo, que todas as ditaduras utilizaram-se para agredir e silenciar a seus contrarios, a Inquisição tinha um arcabouço legal, as leis de Nuremberg existiram, os expurgos de Stalin tiveram apoio em leis, todos os "terroristas" nos anos de chumbo no Brasil, foram processados e julgados de acordo com leis vigentes a época, portanto uma ditadura ou mesmo um arremedo de Democracia necessita de Leis, podem até serem fantasia, mas existem.

           Obs.:  Acido acético ( vinagres ) ou seus derivados, não servem de nada contra os novos compostos lacrimais e desorientantes ( os derivados da capsaicina - pimenta ), aliás pode até piorar a situação.

  • Na próxima manifestação eu vou levar uma panela de pressão

    Os parasitas sociais e seus lacaios, como esse promotor de bosta, são meia dúzia, Nós somos milhões. Apesar disso, eles fazem o que bem entendem com esses milhões, enquanto nós seguimos, tangidos por eles, sob chicotadas, ao matadouro.

    Agora seria a hora de todos defenderem esses pobres rapazes, que apenas lutam por um mundo melhor.

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