Xadrez da grande armação da delação da OAS, por Luis Nassif

A Folha colocou repórteres experientes para se juntar à jovem equipe do The Intercept na cobertura do dossiê sobre a Lava Jato. A dificuldade que enfrentam é a ausência de acompanhamento anterior sobre tema, tanto por parte da Folha como do The Intercept, o que impede de contextualizar devidamente os diálogos (aqui).

Essa é uma das grandes dificuldades do dossiê. Cada capítulo expõe, ainda que de forma indireta, o grande apagão da mídia no período.

Tome-se o episódio de hoje, publicado pela Folha, sobre a delação de Léo Pinheiro, da OAS (aqui) As implicações são bem maiores do que foi sugerido pela reportagem. Foi a primeira evidência efetiva de que o Procurador Geral da República Rodrigo Janot havia entrado de cabeça nas armações da Lava Jato.

Expliquei o jogo no artigo “Xadrez de Toffoli e o fruto da árvore envenenada” (aqui), de 22 de agosto de 2016, em plena efervescência do episódio.

Simplificadamente, ocorreu o seguinte:

  1. Havia evidências de que Léo Pinheiro, presidente da OAS, entregaria tucanos, especificamente o governador José Serra, em sua delação.
  2. De repente, há o vazamento de um falso escândalo para a revista Veja.
  3. Com base nesse factoide, o Procurador Geral da República Rodrigo Janot ordena a interrupção das negociações com Pinheiro.

Vamos entender esse jogo em detalhes.

Peça 1 – Leo Pinheiro e o buraco do Metrô

Antes da delação de Leo Pinheiro, circularam informações, entre advogados de São Paulo, que ele seria decisivo nas denúncias contra políticos do PSDB, especialmente José Serra.

Em duas operações que, de alguma forma, envolviam Serra, a Justiça acatou a tese do “fruto da árvore envenenado” para anular o inquérito. Foi assim na Satiagraha e na Castelo de Areia – na qual há acusações graves contra o Ministro do Superior Tribunal de Justiça que anulou o inquérito. Ou seja, pegava-se qualquer irregularidade (no caso da Castelo de Areia não havia) e se recorria ao conceito do fruto envenenado para anular toda a operação.

A Castelo de Areia, por sua vez, permitiria comprovar uma das grandes suspeitas de crime do então governador José Serra, no episódio do buraco do Metrô, que deixou 7 mortos.

O trabalho era executado por um consórcio formado pela Norberto Odebrecht, CBPO, Construtora Camargo Correia, OAS Construção, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.

Quando houve o acidente, as empreiteiras foram colocadas no corner por duas ações simultâneas. A primeira, as declarações do Secretários dos Transportes José Luiz Portella, de que eles sabiam do problema (aqui), portanto, haveria dolo. E o Ministério Público Estadual pretendia indiciar os próprios presidentes das empreiteiras.

Houve uma dura negociação, com participação direta de Serra, ao cabo da qual o MPE teria concordado em indiciar engenheiros indicados pelas próprias empreiteiras. Na época, havia suspeita de pagamento de R$ 15 milhões. A Castelo de Areias identificou pagamentos de R$ 5 milhões, da parte da Camargo Correia, que poderiam estar ligados ao acerto. Mas o caso acabou anulado.

Aliás, uma das figuras-chave para a anulação da Castelo de Areias foi o intimorato Ministro Luis Roberto Barroso (aqui).

Tudo indicava que, sem ter como atender a Lava Jato, no caso do tríplex, Pinheiro ofereceria as provas contra o PSDB no episódio do Metrô.

Há uma conversa de Deltan Dallagnol comprovando essa suspeita.

Peça 2 – a jogada do falso vazamento

Aí veio a grande jogada, que consistiu em um vazamento de um episódio anódino para a Veja, envolvendo o Ministro Dias Tofolli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Era uma denúncia falsa, conforme descrevi na época:

Fato 1 – já era conhecido o impacto das delações de Léo Pinheiro sobre Serra e Aécio (http://migre.me/uJKsj). Tendo acesso à delação mais aguardada do momento, a revista abre mão de denúncias explosivas contra Serra e Aécio por uma anódina, contra Toffoli.

Fato 2 – a matéria de Veja se autodestrói em 30 segundos. Além de não revelar nenhum fato criminoso de Toffoli, a própria revista o absolve ao admitir que os fatos narrados nada significam. Na mesma edição há uma crítica inédita ao chanceler José Serra, pelo episódio da tentativa de compra do voto do Uruguai. É conhecida a aliança histórica de Veja com Serra. A reportagem em questão poderia ser um sinal de independência adquirida. Ou poderia ser despiste.

Era em tudo similar ao famoso grampo de Demóstenes Torres, que serviu para afastar o delegado Paulo Lacerda da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). Era um grampo a favor, no qual o Ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres trocavam elogios entre si. Havia em tudo o mesmo estilo, uma versão tupiniquim do mesmo padrão do incêndio do Reichstag, recurso utilizado desde tempo imemoriais.

No mesmo domingo, Janot acusa os advogados da OAS de terem vazado o episódio e ordena a anulação das negociações com ele. Não tinha pé nem cabeça. Como observei na ocasião

A alegação dos procuradores, de que o vazamento teria partido dos advogados de Léo Pinheiro, visando forçar a aceitação da delação não têm o menor sentido. Para a delação ser aceita, os advogados adotariam uma medida que, na prática, anula a delação? Contem outra.

Não havia nenhum indício de autoria do vazamento. Mais ainda: em nenhum momento a delação mencionava o episódio narrado por Veja, como se comprova, agora, nos próprios diálogos dos procuradores. Mas havia uma estratégia nítida por trás.

“Sem comprometer Toffoli, o vazamento estimula o sentimento de corpo do Supremo, pela injustiça cometida contra um dos seus. Ao mesmo tempo, infunde temor nos Ministros, já que qualquer um poderia ser alvo de baixaria similar”.

Era evidente a armação. Só não se conheciam os autores intelectuais.

De qualquer modo, trata-se de um ponto de não retorno, que ou consagra a PGR e o Ministério Público Federal, ou o desmoraliza definitivamente.

Afinal, quem toca a Lava Jato é uma força tarefa que, nas eleições presidenciais, fez campanha entusiasmada em favor do candidato Aécio Neves. Bastaria um delegado ligado a Serra e Aécio vazar uma informação anódina contra um Ministro do STF para anular uma delação decisiva. Desde que o PGR aceitasse o jogo, obviamente.

Era esse o contexto central, onde deveriam entrar os diálogos revelados pela Folha e pelo The Intercept.

Peça 3 – o fator Janot

Janot sempre foi uma figura menor no MPF, que se destacava apenas na política interna menor, tratando dos micro temas da corporação. Enquanto o PT era poder, aproximou-se de lideranças do partido, como José Genoíno, em um esquema bajulatório que incluía jantares em sua casa, regados a vinhos caros, nos quais atuava como cozinheiro e garçom. Seu principal padrinho para a PGR, e melhor amigo, procurador Eugênio Aragão, narrou em detalhes a atuação bajulatória de Janot, depois que ele mudou de lado.

No artigo em que analisamos o episódio, levantamos as suspeitas sobre a armação

Afinal, quem toca a Lava Jato é uma força tarefa que, nas eleições presidenciais, fez campanha entusiasmada em favor do candidato Aécio Neves. Bastaria um delegado ligado a Serra e Aécio vazar uma informação anódina contra um Ministro do STF para anular uma delação decisiva. Desde que o PGR aceitasse o jogo, obviamente.

Será curioso apreciar a pregação dos apóstolos das dez medidas, se se consumar a anulação da delação.

E colocava foco em Janot:

A incógnita é o PGR Rodrigo Janot. Até agora fez vistas largas para todos os vazamentos da operação mais vazada da história. E agora?

Se ele insiste na anulação da delação, a Hipótese 1 é que está aliado a Gilmar na obstrução das investigações contra Aécio e Serra. A Hipótese 2 é que está intimidado, depois do tiro de festim no pedido das prisões de Renan, Sarney e Jucá. A Hipótese 3 é que estaria seguindo a lei. Mas esta hipótese é anulada pelo fato de até agora não ter sido tomada nenhuma providência contra o oceano de vazamentos da Lava Jato.

Os diálogos revelados pela Folha servem para comprovar que a armação, nesse caso, não partiu da força tarefa.

Peça 4 – o apagão do jornalismo

Na época, toda a imprensa se calou ante uma manobra escandalosa. Aliás, seria um bom tema para ser abordado no evento da ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). A própria Veja, que, agora, se esmera em retomar os caminhos do jornalismo, poderia esclarecer melhor o episódio.

A reportagem de hoje, na Folha, esclarece muito mais pelo que não revela.

  1. A Lava Jato estava empenhada, sim, em anular a delação de Pinheiro, por não trazer elementos que incriminassem Lula.

Isso já era nítido na época:

Na semana passada o procurador Carlos Fernando dos Santos lima já mostrava desconforto com a delação da OAS, ao afirmar que a Lava Jato só aceitaria uma delação a mais de empreiteiras. Não fazia sentido. A delação depende do conteúdo a ser oferecido. O próprio juiz Sérgio Moro ordenou a suspensão do processo, sabe-se lá por que. E nem havia ainda o álibi do vazamento irrelevante. 

  1. A Lava Jato sabia que a delação de Pinheiro incriminaria os tucanos, como revelou a fala de Dallagnol.
  2. Mesmo assim, foram apanhados de surpresa pelo vazamento, indicando que a estratégia partiu de Brasília, mas especificamente de Rodrigo Janot.

A extraordinária incompetência política do PT, e de Dilma Rousseff, orientada pelo arguto Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, levou à recondução de Janot ao cargo de PGR, preterindo Ella Wiecko. Seguramente ali selou o destino do seu governo. Janot foi elemento central para o impeachment.

Os episódios narrados ocorreram em pleno apagão jornalístico. E é essencial para desnudar de vez as armações e comprovar que não se limitavam aos provincianos de Curitiba, mas ao próprio centro de poder.

De qualquer modo, Folha e The Intercept poderão retomar o tema em futuras reportagens.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Sérgio Moro para assumir o Cargo POLÍTICO de Ministro da Justiça teve que OBRIGATORIAMENTE RENUNCIAR o cargo TÉCNICO de Juiz de Direito. Ou seja, isto EVIDENCIA que um Juiz não pode decidir de forma política mas sim de forma técnica. Ocorre que o STF, a mais alta corte brasileira, em nome da governabilidade, em nome disso ou daquilo, tem DECIDIDO POLITICAMENTE os casos que lhes são apresentados. Ocorre que a política é que nem nitroglicerina: é muito volátil. E seguindo os passos de seus maiores, os Juízes de comarcas também passaram a decidir POLITICAMENTE, afinal essa é a valsa do dantesca que está sendo tocada. Isto explica a BALBÚRDIA jurídica e institucional pelo qual passa o Brasil.

  • Os rodeios dos Jatoeiros: em vez de mandar seus cupinchas disfarsarem, indo direto ao ponto, o Dallagnol os manda não deixar parecer que a celebração de acordo de delação premiada com o Leo Pinheiro é prêmio pela condenação do Lula.

    Premia-se o LP condenando-se o Lula.

  • VEJA como os promotores se mostram SURPRESOS com a citação duma tal conta NUNCA localizada, e com a destruição de provas ..FATOS que só foram levados a conhecimento do MP na frente do JUIZ MARRECO, por orientação dum advogado que NÃO VALE NADA, segundo os procuradores

    Anna Carolina
    19:52:11
    Tinha isso de conta clandestina de Lula?
    19:52:19
    Esses Advs não valem nada

    Jerusa
    19:53:02
    Nao que eu lembre

    Ronaldo
    20:45:40
    Também não lembro. Creio que não há.

    Sérgio Bruno
    21:01:10
    Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apt. Guaruja. Diziam q não tinha crime. Nunca falaram de conta.

    ...

    Anna Carolina

    08:00:43
    Li a reportagem e ela tenho quase certeza q ela está fidedigna. Só
    não achei a parte da conta. Talvez tenha sido mais um estelionato
    contra o leitor. Tá no título mas não está no conteúdo

    Jerusa
    08:01:59
    Foi o que pensei tb. Pq nao houve mencao a essa conta

    Jerusa

    13:32:25

    Houve ordem para destruição das provas. Nisso a empresa foi
    desleal, pois nunca houve afirmação sobre isso. Salvo quando leo falou
    no interrogatório sobre destruição de provas, não houve menção a este
    assunto.

  • Nassif mostrou a "big picture" que ajuda a encaixar as peças desse imenso quebra-cabeças. A conspiração foi muito maior que a república de Curitiba.

  • O que me leva a crer que a redução em 70% da pena foi por ter livrado a cara tucana do sistema, ou centro do poder, cujo principal mediador deve se revelar como STF

    o maior perigo do fascismo, no caso judicial, não são os fascistas por convicção ideológica, o que nunca foram, são os mediadores ou a submissão deles ao sistema, um sistma eterno por inalcançável quando dentro de uma suprema corte

  • Quem me acompanha aqui no Blog,a gosto ou a contragosto,sabe que sempre afirmei de forma peremptória que a Presidente Dilma Rousseff e esse inacreditavel Zé Cardoso,foram os responsáveis diretos por "azeitar"essa criminosa Operação Lava Jato,seja por ingenuidade,incompetência,me perdoem,mas também já contaminados pelo vírus da mosca azul.Sem mais delongas,o Gringo de Ouro devia contar com os prestimosos serviços do maior jornalista de sua geração Luís Nassif,para mais rapidamente e precisamente montar o quebra cabeça deste tesouro que ele tem mãos.O buraco é bem mais em cima senhoras e senhores que deste comentário compartilham.

  • Que me lembre o marreco no desespero retirou esse cidadão da cadeia e fez um acordo, que acreditou ilegal, e utilizou o seu testumunho contra Lula para condená-lo, apenas alguns dias antes de apresentar a sentença condenatporia, até aquele momento, nenhuma das testemunhas haviam corroborado a fantasiosa ladainha do maldito triplex, os proprios engenheiros disseram que Lula era potencial comprador e a reforma foi com recursos da empreiteira.........
    Tem tantas lacunas que poderiam ser elucidadas, mas to achando que só querem sujar o marreco, para tirá-lo do caminhos, sem melindrar os outros poderes.....até agora nada de audio, nada de video, nada da pf, nada dos tribunais superiores, nada de politicos..........nada dos dias mais sensiveis como o do hc, da prisão ou da condução coercitiva, deve estar dificl de achar no meio de tantos dialogos.......um cheiro queimado de panama papers.....

  • Causa-me estranheza o fato do site The Intercept procurar fazer parcerias apenas com empreendimentos jornalísticos de centro-direita, como a Folha, e de direita como a Band (Reinaldo Azevedo) e Veja e deixar de lado os sites e blogs de centro-esquerda e de esquerda.
    Parece-me que Glenn Greenwald imaginou que Folha, Band e Veja tem mais credibilidade perante a opinião pública para divulgar a grande armação da Operação Lava Jato e do juiz Moro contra Lula, o PT e o Estado Democrático de Direito e, por outro lado, considera-os empreendimentos profissionais de jornalismo que encenam com legitimidade o jogo democrático.
    Entretanto, nenhum deles tem a expertise do jornalismo investigativo de alto nível.
    Pelas reportagens em parceria divulgadas até agora, há o risco evidente de que a narrativa, baseada, sem dúvidas, em fatos reais devidamente comprovados, fique prejudicada pela parcial incapacidade de contextualização dos fatos apurados nas reportagens aos demais fatos não citados ocorridos à época, o que impossibilita a ligação dos pontos da apuração, inviabilizando, em parte, a revelação aprofundada da gravidade das denúncias.
    Fiquei impressionado pela revelação de como os jornalistas do The Intercept checaram a identidade de uma das procuradoras denominada nos diálogos como "Mô", porém, é aconselhável que o jornalista Glen Greenwald alargue o seu espectro de parcerias e incorpore algum empreendimento de jornalismo investigativo.

    • O Demori explica, que motivo maior que credibilidade, seria alcance, mas principalmente antagonismo ideológico. Se as informações ficassem apenas no campo da esquerda, elas seriam sumariamente ignoradas. Eu tinha um receio semelhante ao seu, quanto à possibilidade de omissão de um determinado veículo sobre informações que os comprometam, mas hoje me ocorreu uma provável situação curiosa e até inteligente... ainda que exista a hipótese de omissão de algum eventual veículo, o outro por sua vez vai lá e aponta, criando um ambiente interessante de auto fiscalização.

  • Muito nebuloso a " delação" do Leo Pinheiro.
    1- A delação não foi feito em acordo de delação, so posteriormente foi efetivada;
    2 - Leo Pinheiro fez a suposta delação na condição de Réu ( podendo mentir ) e não na condição de testemunha ( sujeito a perjúrio );
    3 - A verificar se o acordo rendeu que tipos de benesses ( redução da pena, liberação de multas, soltura de prisão ou prisão domiciliar )
    Estes fatos são importantes e acho que o apagão da midia foi providencial para tornar mais nebuloso este episodio.

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