Bob Dylan, quem diria, nasceu cresceu e morreu no Cariri, por Sebastião Nunes

Bob Dylan, quem diria, nasceu cresceu e morreu no Cariri

por Sebastião Nunes

Com a enxada no ombro, o jovem Bob Dylan palmilhava a tórrida estrada que levava ao algodoal raquítico. Suava que nem peba. O sol queimava, os beiços gretados pediam água. A estrada parecia interminável. Para aguentar, começou a entoar a cantiga que andava matutando nas horas de folga:

– Quantas istrada havera um home de parmilhá

Inté qui de home havera de ser chamado

Quantos mar havera uma pomba branca de sobrevuá

Inté pudê na areia drumi…

Cantava e marcava o compasso com os pés descalços. Mal percebeu que estava chegando. Música era bom por isso.

 

ORIGEM E AMIZADES

Bob Dylan era filho de judeus russos extraviados no sertão do Cariri. O pai se chamava Abram e a mãe Beatrice. O sobrenome era Zimmerman. Seu destino, Estados Unidos, onde esperavam ficar ricos. Quis o acaso que mudassem de rumo. Quando o navio aportou no Recife seu minguado dinheiro acabou e ficaram por ali mesmo, pegando biscates.

Tempos difíceis. Quase desesperados, conheceram um casal de panamenhos na mesma pindaíba: Pablo e Juana Baez. Pablo sugeriu juntarem os últimos recursos e se mandarem para o sertão do Cariri e, ali, iniciarem uma plantação de cana e algodão.

– Prantaçom muito rústica – dizia Pablo convincente. – É só começá pra enricá – argumentava ele, já assimilando o linguajar nativo.

Fazer o quê? Seguiram o conselho e, 17 anos depois, lá estava eles, morando em cafuas miseráveis num pé de serra. Abram e Beatrice geraram Bob, batizado Roberto. Pablo e Juana geraram Joana, que o padre não aceitou Juana: “Isso é nome estrangeiro”, afirmou. “Como Juana não batizo. Botem Joana que é da terra”. E assim fizeram.

 

SONHANDO O SUCESSO

Bob e Joana eram mais grudados que apaixonados e nem namorados eram. Amizade pura. Quase da mesma idade, trabalhavam feito burro e égua na lavoura, mas algum tempo de folga sempre tinham. E nele sonhavam:

– Por que não vai cantá nas rádio de Juazeiro? – incentivava Joana.

Bob ficava na dúvida e coçava a cabeça:

– Será qui lá aceitam minhas música?

– Só vamo sabê se tentá – teimava Joana, a sabedoria em pessoa.

Num domingo de folga rara lá se foram eles, de carona em carona, ambos de viola nas costas. Parecia dupla caipira: Bob & Joana. Só faltava o sucesso entre os capiaus que nem eles.

 

CANTORIA NO RÁDIO

De carroça em carroça, de caminhão em caminhão, chegaram a Juazeiro, aquele mundão de casas e de gente.

Chegaram à rádio.

– Cês aceita cantor novato? – indagou Joana ao porteiro.

O porteiro não sabia e mandou que os matutos procurassem o diretor artístico, que naquela hora estava selecionando novos talentos no auditório.

Daí que entraram e ficaram assuntando.

– Gente danada de boa – disse Bob para Joana. – Acho que num adianta tentá.

– Deixa de bobeira, Bob – respondeu teimosa Joana. – Tentá num custa nada.

E assim esperaram.

Lá pelas tantas, o diretor artístico, um tal de Chico Science – vê lá se isso é nome de diretor artístico que se preze! – atendeu a dupla.

– Ele veio cantá – disse Joana ao tal Chico.

– Então canta – disse Science. – Pega o violão e canta.

Bob tirou o violão do saco esmolambado, dedilhou uns acordes, e cantou:

– Quantas istrada havera um home de parmilhá

Inté qui de home havera de ser chamado

Quantos mar havera uma pombinha branca de sobrevuá

Inté pudê na areia drumi…

– Não dá – disse Chico Science, o diretor artístico. – Primeiro, a letra é muito ruim. Segundo, você é fanho pra danar. Se fosse nos Estados Unidos até que você podia emplacar e ficar famoso. Mas aqui no Cariri? Nem sonhando.

 

DE NOVO NO SERTÃO

De caminhão em caminhão, de carroça em carroça voltaram para casa. Dia após dia continuaram cavando, plantando, capinando.

Na varanda da cafua, nas noites quentes e estreladas, Abram dizia para Beatrice, Pablo e Juana:

– A gente devia de tê feito um tiquim de esforço e chegado nos Istados Unido.

– Devia mermo – concordava Pablo. – Lá cum certeza a gente enricava.

E assim se passaram os anos. Bob morreu de gripe encruada, Joana casou com um peão vizinho e eles nunca souberam que, nos Estados Unidos, um tal de Bob Dylan fazia o maior sucesso, cantando pelo nariz uma música que começava assim:

            How many roads must a man walk down
            Before you call him a man
            How many seas must a white dove sail
            Before she sleeps in the sand…

Sebastiao Nunes

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