Homenagem a Dulcina de Moraes nos seus 107 anos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Mara L. Baraúna

Dulcina de Moraes (Valença, 3 de fevereiro de 1908 — Brasília, 28 de agosto de 1996)

Filha e neta de atores, ao nascer Dulcina indicou que seu destino era mesmo ser atriz. Em 1908, seus pais, Átila e Conchita de Moraes, dois grandes atores da época, excursionavam com uma companhia pelo interior do Rio de Janeiro, quando chegaram à cidade de Valença. Conchita, grávida de Dulcina e  prestes a dar à luz, ia apresentar uma peça naquela mesma noite.

No hotel onde o elenco se hospedaria, o casal foi proibido de permanecer, quando o  proprietário do lugar percebeu que alguém iria nascer a qualquer momento ali dentro. Houve um início de tumulto, com o elenco revoltado e se negando a ficar hospedado naquele local.

O incidente chegou aos ouvidos da Condessa de Valença que, imediatamente, liberou um casarão desabitado para receber os artistas. Um colchão foi providenciado e toda a população demonstrou solidariedade trazendo mantimentos. Com grande audiência e aplausos de todos, nascia Dulcina de Moraes no dia 3 de fevereiro de 1908. Seu nome foi dado em homenagem a sua avó materna Dulcina de Los Rios Vallina, que também era atriz.

Com 15 anos fez sua estreia como protagonista na Companhia Brasileira de Teatro, na peça Lua Cheia, a convite de Leopoldo Fróes, um dos maiores mitos teatrais do século XX, sendo considerada uma verdadeira revelação.

Em 1926, segue com a companhia para uma temporada de sucesso na Argentina e no Uruguai. Em Buenos Aires também agradou em cheio e era saudada como “la chica de Fróes”. Estava ao lado dos jovens Procópio Ferreira e Jaime Costa, dois futuros grandes intérpretes da comédia brasileira. Daí em diante integrou as mais importantes companhias teatrais.

Casou-se com o ator Odilon Azevedo, em 1931, e com ele criou a sua própria companhia de teatro, a Cia. Dulcina-Odilon, responsável por grandes êxitos nos nossos palcos. Uma  das mais atuantes de que se tem notícia, encenou importantes dramaturgos brasileiros e internacionais. Foi a Cia D-O quem, pela primeira vez, apresentou ao público brasileiro autores como García Lorca (Bodas de Sangue), D’Annunzio (A Filha de Iório), Bernard Shaw (César e Cleópatra, Santa Joana, Pigmaleão) e Giraudoux (Anfitrião 38). Os autores nacionais também brilharam no repertório de Dulcina, como Viriato Correia (A Marquesa de Santos), Raimundo Magalhães Jr (O Imperador Galante) e Maria Jacintha (Convite à Vida, Conflito, Já é Manhã no Mar), entre muitos outros.

Em 1933, a companhia estreou em São Paulo, com um de seus maiores sucessos, a peça Amor, assinada por Oduvaldo Vianna. No ano seguinte foi levada para o Rio de Janeiro, na inauguração do Teatro Rival, percorrendo, então, todo o País.

Dulcina e Odilon em Amor

Se brilha como atriz, propõe o fim de modelos obsoletos, como o uso do ponto (aquele profissional que sopra o texto para o ator da boca de cena). Muda a relação trabalhista, estabelecendo a segunda-feira como dia de descanso para os atores (até então, todas as companhias funcionavam de segunda a segunda, tinha-se teatro todos os dias).

À Dulcina de Moraes deve-se o fim da “carteira de prostituta” dada às atrizes. Era um documento maldito, retirado na polícia, que permitia à mulher trabalhar na área de diversão.

O sucesso da atriz atinge as camadas mais altas da sociedade e Dulcina inspira o público feminino com os vestidos que usa em cena.  

Em 1937 viaja com o marido para os EUA e faz tour pelos teatros.

Ganha a medalha do mérito da Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT), como melhor atriz do ano de 1939 pelo conjunto de trabalhos.

Teve apenas uma experiência em cinema com o filme 24 horas de sonho, de Chianca de Garcia, de 1941, onde contracena com Oscarito, Odilon Azevedo, Átila e Conchita de Moraes.

Em 1945 veio para Dulcina a maior consagração de sua vida, maior ainda do que Amor: o espetáculo Chuva, adaptação de uma novela de Somerset Maugham, estreava no Theatro Municipal, dirigida e protagonizada por ela, vivendo a personagem Sadie Thompson. Foi encenada por anos seguidos em todo o país, na América Latina e em Portugal, deixando centenas de admiradores. 

Em 1949, ganha novamente o Prêmio ABCT, agora como melhor direção por Mulheres, de Claire Boothe.

Idealista, fala de ética profissional e da necessidade de se criar um curso superior em artes cênicas. E vinte anos depois da criação da Cia. D-O e dez anos depois do estrondo de Chuva cria, em 1955, a Fundação Brasileira de Teatro, no Rio, com professores do porte de Cacilda Becker e Ziembiski. A FBT realiza o I Festival Nacional de Teatro Amador, em 1957.

Para dedicar-se integralmente a este sonho, a Fundação Brasileira de Teatro, por quem ela viveu e morreu, deixou até um pouco de lado sua gloriosa trajetória como atriz, diretora e empresária.

A FBT funcionou primeiro no prédio onde hoje está o Teatro Dulcina (antigo Theatro Regina), no centro do Rio de Janeiro e, a partir de 1972, em Brasília, formando centenas de atores, dando dignidade à profissão.

Em 1966, morre o marido e grande companheiro Odilon Azevedo.

Ainda voltaria ao palco algumas vezes entre a mudança definitiva para Brasília e a dedicação exclusiva à FBT: Mulheres, uma nova montagem de Tia Mame e, em 1981, a convite de Bibi Ferreira, que a dirige em O Melhor dos Pecados, de Sérgio Viotti, escrito especialmente para a atriz. No mesmo ano inaugura a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes.

No ano seguinte recebe um Prêmio Molière Especial.

Dulcina sempre lutou pela sua amada Fundação, que só abandonou quando não tinha mais forças.

Dulcina faleceu aos 89 anos, em 28 de agosto de 1996, no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, onde estava internada tratando o pós-operatório de uma cirurgia de diverticulite.

Foi uma mulher admirável, que morreu cheia de dívidas, porém com um legado imaterial incalculável para atores e público: respeito, humor, profissionalismo, perseverança, cultura, delicadeza e amor pelo teatro.

Fontes:

Biografia de Dulcina de Moraes, por Sérgio Fonta 

Dulcina de Moraes na Enciclopédia Itaú Cultural 

Dulcina de Moraes no Memorial da Fama 

Dulcina de Moraes: memórias de Bárbara Heliodora 

Dulcina de Moraes: vida e obra 

Dulcina de Moraes e a Fundação Brasileira de Teatro, por Álvaro de Sá 

GDF vai assumir o projeto pedagógico da Faculdade Dulcina

Mitos do teatro brasileiro

Uma viagem aos bastidores teatrais do século XX 

Vídeos:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Quero aprender!!

    Olá, queria muito aprender a editar as fotos, intercalando-as com o texto. Não é a primeira vez que fazem por mim e ficou bem bonito. Agradeço ao autor!

    Que tal botar nas tags teatro brasileiro; Odilon Azevedo e tirar 107 anos? (acho que ninguém procuraria por esse termo)

    Obrigada

    Abraços

    Mara

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