Um ano sem Audálio Dantas, por Antonio Barbosa Filho

Que o exemplo de Audálio esteja sempre presente nas mentes e ações dos jornalistas brasileiros. E que não nos esqueçamos da lição básica que Audálio ouviu de um sertanejo e não se cansava de repetir: "Repórter, meu senhor, é um homem que faz perguntas"

do Blog do Miro

Um ano sem Audálio Dantas

por Antonio Barbosa Filho*

Há exatamente um ano atrás, os jornalistas brasileiros perderam um de seus mais emblemáticos representantes – falecia, aos 88 anos de idade, o repórter, escritor, sindicalista e militante político Audálio Ferreira Dantas. Com ele foi-se um pedaço importante da história das lutas democráticas contra a ditadura anterior, aquela de 64-85, e da própria memória do Jornalismo nacional.

Dizem que ninguém é insubstituível, mas a ausência de Audálio pode demorar um pouco a ser preenchida. Temos brilhantes jornalistas, temos grandes militantes nas novas mídias, temos exemplos de ética profissional. Poucos, entretanto, somarão essas características de maneira tão marcante quanto podemos encontrar em Audálio. Infelizmente, o Jornalismo vive momentos de abastardamento que, num futuro em breve, envergonhará boa parte da categoria profissional.
Neste cenário desolador, a figura de Audálio emerge como um ícone, felizmente admirado e imitado por vários grandes profissionais ainda em atividade, todos lutando contra o clima de mediocridade geral.
Audálio não era propriamente um saudosista, ao contrário, vivia cheio de planos e sonhos. Mas via com muita amargura a transformação dos jornalistas nos últimos anos em porta-vozes dos patrões que, por sua vez, viraram empresários mercantilistas, sem “tinta nas veias”. O verdadeiro sucesso profissional não vinha mais da coragem, da honestidade e fidelidade “canina” aos fatos (para roubar a feliz expressão de outro grande mestre, Mino Carta). Ao contrário, a docilidade, o não-questionamento das linhas editoriais impostas, viraram mérito.
Num Brasil repleto de mistérios, escândalos ocultos, quando não de censura explícita (patronal ou governamental), desapareceu da velha imprensa o “jornalismo investigativo”, que agora busca refúgio nas novas mídias. O que a velha mídia revela de inédito resulta de vazamentos, quase todos ilegais, feitos por autoridades que vão de juízes a delegados de Polícia, de políticos chantagistas a bicheiros e empresários metidos em maracutaias.
Audálio era daqueles que repudiavam a expressão “jornalismo investigativo”: só existe Jornalismo e todo ele tem que ser produzido pela busca de fatos ocultos que merecem ser conhecidos pelo povo. Jornalista que não investiga é um burocrata, quando não um relações-públicas do poder. Os colegas da Jovem Pan ou da Globo News que o digam…
Da imensa saudade que Audálio nos impôs nesse ano fatídico, buscamos algum consolo. Que nos vem da luta heróica de blogueiros e jornalistas que usam a internet para manter a velha chama da independência e do compromisso social inerentes a nossa profissão. Audálio foi poupado das muitas tragédias acontecidas no Brasil desde o processo eleitoral fraudulento de 2018. Mas estaria feliz hoje ao ver que a população, tão manipulada nesse período, já dá sinais de reação. A massa de estudantes (aos quais Audálio sempre esteve ligado, dando palestras em inúmeras escolas de Jornalismo e outras) e dos professores e servidores da Educação, nas ruas, traz um alento. A barbárie não haverá de prosperar, como não prosperou aquela que Audálio enfrentou em 1975, quando presidiu o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e arriscou sua vida, junto com seus companheiros de diretoria, na denúncia do assassinato de Vladimir Herzog.
Que o exemplo de Audálio esteja sempre presente nas mentes e ações dos jornalistas brasileiros. E que não nos esqueçamos da lição básica que Audálio ouviu de um sertanejo e não se cansava de repetir: “Repórter, meu senhor, é um homem que faz perguntas”.

*Antonio Barbosa Filho é jornalista e autor de “Audálio, deputado”, no prelo.
Redação

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