Do Observatório da Imprensa
A sequência do noticiário sobre a morte do cinegrafista Santiago Andrade, causada pela explosão de um morteiro, lança o leitor atento em uma enorme confusão. Mesmo levando-se em conta o turbilhão emocional provocado por eventos desse tipo, do qual nem repórteres experientes estão isentos, o conjunto das informações, análises, palpites e iniciativas descreve uma sociedade atônita, sem noção da realidade, crédula ao nível da carolice e ao mesmo tempo cética diante de informações avalizadas pela imprensa.
Mas não é a sociedade que está aturdida: é a versão midiatizada da sociedade que nos parece à beira de um ataque de nervos. A diferença entre o ambiente social e sua representação na mídia tem sido marcada em estudos recentes sobre comunicação e cultura, mas em geral eles se concentram em reflexões sobre o funcionamento do chamado espaço informativo, ou espaço informacional.
A sociedade é a expressão das relações conscientes entre as pessoas, com objetivo do bem comum. A sociedade midiatizada é a expressão do interesse de quem media essas relações. Essa curta e certamente pobre contextualização pode ser útil para lembrar que nem tudo que sai na imprensa é exatamente jornalismo.
Aliás, um dos problemas da observação da imprensa nestes tempos de grandes mudanças é justamente a mistura de jornalismo e imprensa: nem sempre o que a imprensa faz é jornalismo, e, cada vez com mais frequência, o jornalismo costuma ser encontrado fora do sistema que chamamos de imprensa.
Vejamos, então, alguns dos elementos desse conjunto de informações que compõem o noticiário sobre a morte de Santiago Andrade, com os quais tentaremos pintar um quadro mais ou menos compreensível.
Primeira dificuldade: entender o que vem a ser o tal Black Bloc. Sem uma estrutura visível, caracterizada apenas por uma disposição permanente para a violência, essa coisa tem sido apresentada ora como horda, ora como massa de manobra, ora como organização política de orientação anarquista. Segunda dificuldade: situar nesse contexto os dois jovens apontados como coautores da morte do cinegrafista da TV Bandeirantes.
Mídia e sociedade
Há outras dificuldades presentes na tarefa de encontrar um significado nessa maçaroca de notícias, opiniões e palpites. Por exemplo, muitos jornalistas ativos nas redes sociais duvidam que o jovem acusado de acender o petardo, identificado como Caio Silva de Souza, seja o mesmo homem que aparece de costas, na cena do crime.
Preso na madrugada desta quarta-feira (12/2), ele confessou ter acendido o artefato, mas disse pensar que se tratava de uma bomba comum, do tipo conhecido como “cabeça de negro”, e que se surpreendeu quando o projétil saiu voando.
A polícia identificou e prendeu o autor da detonação a partir da descrição que foi feita pelo jovem que portava o morteiro, não pelas fotografias, e fica sem explicação a imagem do homem que aparece nas cenas do protesto, e que certamente não se parece com o jovem esquálido que confessa ter participado do incidente.
Esclarecido que Fábio Raposo, de 22 anos, entregou o rojão a Caio Silva, de 23 anos, desfaz-se a dúvida sobre a dupla autoria, mas surgem questionamentos sobre a anunciada periculosidade dos dois jovens e a eventual participação de uma terceira pessoa. Nos arquivos da polícia, a única coisa que existe é a suspeita, sem provas, de que um deles foi acusado de portar drogas há três anos. O ato que cometeram se aproxima mais da irresponsabilidade, do crime culposo, do que da ideia de uma ação terrorista que excitou o Congresso Nacional.
Da mesma forma, fica registrado o esforço feito pelo jornal O Globo e pela TV Globo para incriminar o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, com mais um episódio de manipulação dos fatos por parte da imprensa.
Registre-se também a profusão de artigos, entre eles o texto de autoria de um professor de Ciência Política da USP, que expressam um sentimento de pânico onde se misturam ações do crime organizado, depredações de ônibus e manifestantes mascarados, num retrato de uma sociedade que estaria, segundo essa visão, insatisfeita “com tudo isso que está aí”.
Ora, pode-se afirmar que o mal-estar está presente, de forma generalizada, no ambiente da sociedade midiatizada, mas isso não quer dizer que o mesmo sentimento domina a sociedade real.
O que sai na imprensa é, na melhor das hipóteses, apenas uma versão da realidade.
A mais espetaculosa.
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excelente…
redes sociais funcionam mais como tribunais das opiniões alheias, por conseguinte
ainda muito longe do que podemos chamar de imprensa livre ou jornalismo essencial ou moderno
Mas que irá proteger o
Mas que irá proteger o coitado preso como bode expiatório, quando todos sabemos que foi um p2.
Que a OAB está dando cobertura para eles. Eles possuem o poder de divulgação e incriminarão quem eles quiserem.
O espetáculo midiático!!!
Luciano como sempre, lúcido e transparente ao criticar/observar a mídia!
Seus artigos, antes lido por mim no OI, agora lidos e comentados aquí, muito me fazem refletir!
Suas análises sobre a mídia, estas sim, são as verdadeiras e lúcidas observações sobre o comportamento da mídia, e não os que se dizem oberservadores dela!
Quando diz, – ” Ora, pode-se afirmar que o mal-estar está presente, de forma generalizada, no ambiente da sociedade midiatizada, mas isso não quer dizer que o mesmo sentimento domina a sociedade real.” – e isto basta para confirmarmos esta afirmação, e endossá-la!!
O comportamento da mídia, agora menos atuante, devido a internet, era de uma manipulação ímpar, e os poucos que a ela tem acesso, vêem que àquela “verdade”, antes publicada, não é mais de mão única!
Graças a uns poucos, e entre eles você, podemos ter a certeza de que, a manipulação hoje, é um pouco mais complexa!
Apesar dos analfabetos funcionais!!!!!
A versão mais espetaculosa
Concordo em número, gênero e grau com tudo o que foi dito por Luciano Martins Costa e ao postar vários comentários nesta mesma linha aqui no Nassif, fui bastante hostilizado…
Exatamente isso, muito bom!
Exatamente isso, muito bom!
O medo é o conselheiro dos
O medo é o conselheiro dos insensatos, do ignorante. Não é só culpa da mídia esta questão do medo, ela o dissemina inclusive porque jornalistas são pessoas, tem famílias e estão confusos também. O espetaculoso chama a atenção por causa do assombroso, do medo ou romanticamente chamado de frisson.
Sabendo que o medo se baseia na suposição (ou certeza) de que algo feito não se alinha com a verdade, com a sustentabilidade (que possivelmente num prazo trará um ou outro prejuízo), como pode o ser humano que está tão inteligente e tão pouco sábio, tão esperto e tão insensato, não viver sob os efeitos da ditadura do medo? Este sim, o grande culpado. Enquanto não o entendermos e principalmente, transformá-lo, acompanhem, até que a mídia também sobreviva para divulgar suas consequências, o degradar diário do viver humano.
Salvem quem puder ou, versão com medo: salvem-se quem puder.
Texto sensato. Obrigada!
A mídia e o cinema brasileiro compraram a espetacularizaçao da violência urbana e esqueceram da realidade.