A tentativa da mídia de criar a própria verdade

Da Carta Maior

‘Há uma operação de enfeitiçamento em curso’, diz sociólogo

Por Najla Passos

Em seminário do Fórum 21, professor denuncia que as versões da velha mídia reverberadas pelas redes sociais abalaram a relação entre verdade e ficção

 “A mídia não cobre mais os acontecimentos. Ela gera versões e tenta transformá-las em verdade”, alertou o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, professor titular do Departamento de Sociologia da Unicamp e membro do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP, que participou da mesa Comunicação e Novas Tecnologias, durante os “Seminários para o avanço social”, promovido pelo Fórum 21, em São Paulo de 9 a 13 de novembro.

De acordo com ele, mesmo após o advento das redes sociais e dos 13 anos de governos petistas, o sistema da comunicação no Brasil é ainda extremamente concentrador e preocupante porque, historicamente, o PT não soube avaliar o real poder da mídia e a esquerda não conseguiu formular uma análise crítica do seu potencial de formação de consensos.

Santos afirma que, desde a década de 80, o PT já contava que, quando chegasse ao poder, teria a velha mídia brasileira ao seu lado, devido à postura dos oligopólios, como as Organizações Globo, de sempre se posicionarem a serviço dos governos de plantão. Mas não foi o que aconteceu. Para agravar, as redes sociais amplificaram o potencial da mídia de repetir versões para transformar fatos em verdade, o que gerou o quadro atual.

“A esquerda não tem uma visão crítica em relação aos meios de comunicação. E se ela não consegue ter essa relação em relação à velha mídia – se o máximo que consegue é propor a democratização e ponto – imagina com as novas mídias”, criticou.

Para o professor, o quadro é de tamanha gravidade que a relação entre verdade e mentira, entre verdade e ficção, está completamente abalada. “Nós chegamos a um ponto em que os ladrões gritam ‘pega ladrão’ para os não-ladrões. E isso cola! É uma inversão de valores gigantesca”, ironizou.

Linguagens totalitárias

O sociólogo sustenta que a dimensão totalitária que a linguagem da velha mídia, reverberada pelas redes sociais, adquiriu no país só encontra precedentes no período pré-nazista e na Guerra Fria. “A mídia é uma parte não só ativa na definição do que acontece, mas é parte ativa na criação de ficções, de versões do que ocorre”, ressaltou.

Para piorar o quadro, a esquerda não consegue sequer reagir aos sucessivos ataques, porque seus instrumentos são poucos e de curto alcance, enquanto os dos oligopólios que dominam a mídia no país vão longe e promovem uma espécie de “enfeitiçamento” contínuo. “Se você coloca só um pouquinho de voz de um lado, não é suficiente para fazer contraponto. A assimetria é enorme”, destacou.

O resultado, conforme ele, portanto, é um campo de versões e mentiras deliberadas, programadas por uma máquina poderosa, que tem uma capacidade de mobilização das mentes das pessoas bastante importante. “Não só a classe média já foi ganha, como também existe a uma capilaridade em setores beneficiados pelas políticas desse governo que começam a se submeter a este enfeitiçamento. Há uma operação de enfeitiçamento em curso”, denunciou.

Como exemplo, Santos cita as pequenas manifestações por impeachment ou a favor de “intervenção militar” que reúnem meia dúzia de manifestantes e um boneco, mas ganham um espaço enorme no noticiário e na agenda política do país, em detrimento de outras muito maiores organizadas pelos movimentos sociais. “Há todo um encadeamento de redes de transmissão que fazem com que não-acontecimentos se tornem acontecimentos, com o objetivo de manter no ar permanentemente a perspectiva de golpe”, alertou.

O não-diálogo

Para o professor, este enfeitiçamento está na base da falta de diálogo que domina o país. “Todo mundo aqui já tentou argumentar com uma dessas pessoas de direita, no sentido de demonstrar os absurdos que ela está dizendo, e bateu em um muro. O esclarecimento não resolve. Não há possibilidade de diálogo nem de discussão, porque o irracional surge. Elas não querem ser esclarecidas. São movidas pelo ódio e o ódio é visceral. E esse ódio é alimentado o tempo todo pela mídia e pelas redes sociais”, argumentou.

Para o professor, o mais grave é que o governo sequer reage a essa ofensiva, tratando essa explosão da linguagem totalitária no país como natural ou próprio da democracia. “Nem corte de grana para emissoras houve. A reação do governo é de submissão e isso estimula o avanço conservador”, acrescentou. Santos sustenta que as forças de esquerda precisam compreender os sinais de perigo e agir. “A linguagem não é só sentido e produção de conteúdo. A linguagem também é ação. E a ação da linguagem totalitária é mobilizar o negativo das pessoas”, denunciou.

O mercado da atenção

Professor de Sistemas de Informação da USP, Mário Moreto Ribeiro, fez uma comparação entre o ambiente do mundo do trabalho e o das redes sociais, que hoje exigem a atenção total do trabalhador/internauta, em uma desgastante briga por sua atenção. “Na internet hoje, o que está em disputa é essa atenção total. Não só o tempo [do internauta], mas a atenção”, afirmou.

Segundo ele, o capital se apropriou do que deveria ser espaço de interação e lazer para os trabalhadores e o transformou em mais uma mercadoria. É por isso que ele classifica o esforço exercido por milhares de usuários das redes sociais para formularem comentários e disputar a atenção de seus seguidores, gratuitamente, é um tipo de trabalho voluntário que contribui para valorizar a marca da empresa, e gerar lucro para o capital.  

“Escrever no facebook também é um trabalho. Você gasta tempo, valoriza a empresa. E disputa a atenção dos colegas. Existe um mercado da atenção nas redes sociais. E a gente está disputando esse mercado quando escreve no Facebook. Mas não é um mercado aberto. Ele é controlado por uma empresa”, alertou.

Redação

22 Comentários

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  1. “O príncipe”

    Faltou à esquerda  aplicar  os  ensinamentos de Maquiavel, didaticamente explicados  em  ” O PRINCIPE ”  !!

    Agora, ” Inês é morta!”: quem vai aplicar-lhe  é  a  extrema direita…

      1. Este tipo de comentário que é desnecessário.

        A esquerda ao governo anterior chegou sim ao poder, isto não quer dizer que a “esquerda revolucionária” chegou ao poder, é o tipo de cometário que quadros partidários de outros partidos que se acham mais a esquerda sempre empregam.

        O uso da palavra esquerda deve ser tomado como a tendência política mais aberta a modificação anterior do que a anterior, a pergunta correta é se a esquerda que assumiu o poder ficou satisfeita e estagnou nas mudanças POSSÍVEIS.

    1. Maquiavel

      Na verdade o PT aplicou meio Maquiavel (como chegar ao poder). O esquecimento da outra (como manter o poder) pode fazer o seu projeto sucumbir à primavera plutocrata.

  2. É o que eu percebi… Em

    É o que eu percebi… Em comentários do UOL ou Folha as pessoas jogam um veneno desgraçados encima das outras como se aquele ódio fosse capaz de destruir. A mídia, como ainda não tem o direito de resposta pungente, está associada a mídia do regime militar. Aonde tudo que diziam era verdade, não importando a visão da democracia. A mídia tornou-se usurpadora da verdade. INfelizmente o pT não foi enfático o suficiente neste problema que fere a própria liberdade mental da população.

  3. GGN e Ciro Gomes: Silêncios. Não se diz o motivo.

    –>  Alguém pelo blog e portal se lembra de que, mais de uma vez, em postagens, Nickname toquei num ponto ? 

     – ->  Por que o GGN não, creio que nunca, convido u( ou não convida) Ciro Gomes pra um artigo,  ou pra ser um eventual articulista ? ? ?  Sugiro.

      –>  E,   se convidou,  ele teria  recusado ?? 

      –> Ou se  vier a convidar,   ele aceitará? ? ?     ( Meus botões, naquelas sugestões, já me diziam que não e não ). Dou um doce pra melhor hipótese – eu não digo a minha  )

     

      1. Pensemos em hipóteses. Faltou: – Por quê? ? …

        vá ao Youtube, um trecho de um   Roda Viva

        O cara presidenciável não iria faltar por faltar a um programa que atinge multiplicadores.

    1. será que ninguém sacou ? ? ?

      apostei aqui algumas vezes de que não haveria Ciro Gomes nesse espaço (ver lá embaixo. )

      Sendo aposta, há sempre margem de erro e de acerto.

      Gosto de Ciro Gomes, sendo interlocutor do mundialmente reconhecido, ousado, original

      ( também temperamental ) Mangabeira Unger) já acho boa referência.

      ____________________________________________________________

       

  4. Ainda bem que a blogs como

    Ainda bem que a blogs como esse para esclarecer as verdades. Pois as mentiras tomaram conta da mídia desde que começaram a ditadura e não terminaram.

  5. Antigamente no futebol tinha

    Antigamente no futebol tinha ponta-esquera e meia-esquerda. O que está no poder no Brasil é a meia-esquerda, substituindo a falsa esquerda.

  6. Sai pra lá: “A esquerda não tem uma visão crítica em relação aos

     

    “A esquerda não tem uma visão crítica em relação aos meios de comunicação” uma pinóia, confundir o monte de equívocos, erros de avaliação do PT como representativo da esquerda é uma provocação e um erro.

    Frentes populares sem rumo e sem direções perfeitamente predefinidas, com lideranças verdadeiramente DESLUMBRADAS com o poder, que confundem manchetes do dia com apoio dos órgãos de imprensa que as publicam, são fadadas ao desencanto.

    Desde as primeiras eleições em que o PT assumiu governos municipais significativos, como a Prefeitura Municipal do Rio Grande do Sul, nunca o PT promoveu uma educação das bases em termos políticos, o voluntarismo sempre foi à ótica do PT, e a luta das frações internas nunca permitiu uma visão unitária da dinâmica política.

    O carisma de Lula sempre foi confundido com o apoio ao partido, e o que se verificou que mesmo em situações de alta taxa de aprovação do mesmo nunca houve correspondência nas votações não majoritárias ao partido.

    Dizer que o PT não tem visão crítica dos meios de comunicação é um detalhe da falta de visão crítica sobre outras ações. Assim como o PT confundiu as manchetes favoráveis a Lula com apoio da grande imprensa, também pensou que realizando os mesmos expedientes que os partidos de oposição realizavam para preencher a sua caixa (Mensalão Tucano) poderiam ser repetido impunimente pelos partidos mais populares (Mensalão propriamente dito), só depois do mensalão tucano ser condenado 17 anos após a sua denúncia (ainda sujeito a apelação) enquanto o Mensalão foi condenado sem apelação em poucos anos.

    Mesmo ressabiados com o caso do Mensalão, os governos de Lula não tomam cuidado devido com a Petrobrás, ficam alucinados com a fantástica descoberta do Pré-sal e lançam um programa bilionário e NECESSÁRIO de investimentos contando com a “honestidade” e com o “patriotismo” das velhas direções da estatal e com as “probas” macro empresas de engenharia que dominam a corrupção no país desde o tempo da construção de Brasília, passando faceiras pelos períodos da “Revolução Redentora” que iria salvar o Brasil da corrupção.

    Parece-me que pela primeira vez, por mais incrível que possa parecer, que neste atual governo estão se dando conta que a base real de apoio não está na utilização indiscriminada de esquemas que tem êxito somente em governos amigos da Grande Imprensa (Vide governo Alckmin em São Paulo).

  7. Ao contrário do que se afirma

    Ao contrário do que se afirma por aí, as redes sociais não chegaram para detonar as mídias tradicionais, mas para  ampliar seu poder comunicador, como uma importante ferramenta de repercussão para  suas versões da informação..

  8. Barroso conseguiu dar

    Barroso conseguiu dar EXTENSÃO CONCEITUAL E TEMPORAL em sua análise e CONSEGUIU DE FORMA INEQUÍVOCA DEMONSTRAR A VALIDADE DE SEU VOTO!

    Triste foi assistir a uma parte do globo news painel, no qual toda exegese em relação ao impeachment ERA ESTREITA E SEM PROFUNDIDADE lastreados basicamente no pedidos aceito pelo cunha.

    O contexto pouco importa, a repetição nos governos anteriores pouco importa..

    Triste é ver a inteligência a serviço da ignorância…

  9. que fazer?
    Gostei do post e concordo com quase tudo…

    O problema é como diria Lenin (acho que ninguem mais lê, mas deveriam ler): Que fazer?

    Eu tenho uma ideia, os demais também. O problema é juntar as ideais e partir para a ação.

    Na direita tudo é muito mais simples. É so ver o modo como operam no Brasil e no mundo.

    Simples assim!

  10. Um político portugues mostra

    Um político portugues mostra como se enfrenta uma mídia embecilizante. Lá como cá a mídia mistura notícia com entretenimento, e como nas palavras do autor do texto, trata tudo como mercadoria.

    O político em questão falava da crise economica de Portugal, ou seja, emprego, renda, essas amenidades, quando foi interrompido para mostrar ao vivo a chegada do técnico de futebol Mourinho em seu país natal, para as férias! Urgente e importantíssimo para os detinos da nação! 

    PS: É claro que nossos políticos não teriam tanto culhão. Talvez só o Requião e o Ciro, dos que conseguem um espaçozinho no pig

    [video:https://youtu.be/MpB1Ydko4NU align:left]

  11. e não nos deixemos levar por quaisquer mídias

    há segredos de Estado, há pressões por todos os lados, abafos de investigações. Em qualquer país do mundo. Hà coisas que não se podem vir a público, nem devem.  A mídia brasileira manipuladora e seletiva deveria ser regulamentada, mas é necessária sua existência (aliás, quaisquer mídias… deveriam ser regulamentadas… ); o sistema político-partidário,  idem; o sistema eleitoral, idem. uma constituinte exclusiva , e que tornasse impedidas candidaturas a quaisquer cargos públicos eletivos por 10 anos. – Mas… a história de nosso país é de conciliação.

    1. A atual Presidência tem o inédito mérito

      A atual presidência tem o inédito mérito de não intervir (tanto) nos órgãos de investigação, de julgamento.

      Por imensa vontade de avançar, contra pressões de todos os lados, talvez o temperamento tenha aí seu papel, a Presidente pretendeu e pretende dar um passo maior do que as pernas e do nosso … terrível presidencialismo de coalizão.

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