Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O espectro da Patafísica no show midiático do mensalão

Para que serviu o show midiático da prisão dos “mensaleiros” cuidadosamente roteirizado pelo STF e a mídia se todos os lados do espectro político interpretam o episódio a seu favor? Talvez a verdadeira função do show tenha sido imaginária, como um verdadeiro “potlatch” político: um espetáculo irônico de destruição e desperdício de recursos públicos, cujo processo de julgamento do mensalão supostamente queria combater através de uma exemplar demonstração moralizante. Tal qual a instituição primitiva do “potlatch”, um show oferecido como dádiva em pleno feriado como demonstração de poder inútil e fetichista. Espetáculo de desperdício de riqueza como forma mítica de sedução e fascínio. Se isso for verdade, testemunhamos um evento político brasileiro que se inscreve no campo da Patafísica: a ciência das soluções imaginárias, tal como foi proposta pelo dramaturgo Alfred Jarry, o precursor do teatro do absurdo.

“Em um mundo cada vez mais delirante, convém analisá-lo de forma delirante.” (Jean Baudrillard)

Com pompa e circunstância, as emissoras de TV acompanharam ao vivo os condenados do processo do mensalão se entregarem na Polícia Federal. Avidamente, as teleobjetivas procurando o melhor ângulo na subida da escadaria do avião da Polícia Federal que os levaria condenados a Brasília até serem confinados no presídio da Papuda. Os mais aguardados, José Dirceu e Genoíno, não se fizeram de rogados: cada qual levantou o punho cerrado, em gesto de desafio para caracterizarem diante das câmeras que eram, na verdade, presos políticos.

O impacto simbólico pretendido pelo presidente do STF (ordens de prisão expedidas em pleno feriado da Proclamação da República) atingiu em cheio a opinião pública, tal qual ondas de impacto da explosão de uma bomba: discussões acirradas e polarizadas dominaram todas as redes sociais durante o dia. Toda a ritualística explicada didaticamente pela TV (detalhes das poltronas ocupadas por cada um no avião, as algemas, o trajeto pacientemente traçado com locais e horários de partida e chegada, detalhes da cela da prisão dando destaque à latrina e o banho de água fria etc.) desde a apresentação dos condenados à suas prisões.

O que significou o show do mensalão

para aqueles que estavam

presos nas estradas

congestionadas do feriadão?

Mas qual o rendimento midiático dessa bomba simbólica? Pedagógico? A condenação exemplar parece que apenas reforçou preconceitos e predisposições: quem apoia o partido se indignou e cerrou ainda mais fileiras; quem odeia, se rejubilou. O interessante dessa bomba é o efeito no restante da população, aparentemente indiferente. Aqueles que estavam presos nos congestionamentos nas estradas rumos ao feriadão, enquanto STF e Polícia Federal montavam uma cara mise-en-scene para as câmeras.

Para compreender o significado desse show midiático devemos sair do seu aspecto manifesto (o escândalo moral e a sua utilidade político-partidária) e aprofundar o latente: o seu impacto na indiferença do público e no imaginário do sistema político como um todo.

A espiral de interpretações

Há 63 anos o pesquisador norte-americano Paul Lazarsfeld observava em pesquisas empíricas de recepção que nove em cada dez receptores eram indiferentes aos conteúdos das mídias. Apenas um, o líder de opinião, filtrava esses conteúdos de acordo com sua predisposição política-ideológica e memória seletiva. E parece que as coisas não mudaram muito desde então. O show midiático das prisões ao vivo parece não ter conseguido qualquer rendimento pedagógico como lição moral, persuasão ou convencimento. Ou, pelo menos, de tragédia para os derrotados ou de glória para os vitoriosos.

Pelo contrário, seu efeito apenas criou uma espiral interpretativa ascendente, onde ambos os lados reforçaram suas posições e buscaram no evento argumentos positivos para o seu lado respectivo – a presidenta Dilma achando que era até melhor antecipar as condenações para se livrar do embaraço para as próximas eleições; a Direita que viu mais munição para desmoralizar a “comunalha” e os “petralhas”; a Esquerda achando que os erros jurídicos do STF se voltarão contra a Direita; e intelectuais como o filósofo Renato Janine Ribeiro que suspeitam de uma vitória de Pirro no show pelo alto custo político da engenharia jurídica.

Jean Baudrillard: o delírio do mundo não
se origina da loucura, mas da própria racionalidade

Então, para que serviu o espetáculo midiático da prisão dos condenados? Talvez devamos raciocinar como o filósofo Jean Baudrillard que patafisicamente afirmou: “em um mundo cada vez mais delirante, convém analisá-lo de forma delirante”. Baudrillard acreditava que o delírio do mundo não vinha da loucura ou do imaginário, mas da própria lógica racional dos sistemas que, de tão eficientes, se tornavam inúteis, delirantes, patafísicos: se autorregulam de uma forma tão precisa que começam a entrar em delírio pela necessidade de constantemente terem de simular possuir uma utilidade que há muito perderam.

Se quisermos procurar os efeitos dessa bomba armada pela parceria STF e mídia, devemos buscar outro tipo de efeito que está para além do campo da semiótica ou da ciência política: estaria no campo da Patafísica.

A Patafísica é a essência do mundo

A Patafísica, “a ciência que está além da Física e da Metafísica”, é a definição dada para o conceito criado pelo escritor e dramaturgo francês Alfred Jarry (1873-1907) que inspiraria o teatro do absurdo de Beckett, Ionesco e Jean Genet. “A ciência das soluções imaginárias, onde se encontram as ciências exatas e inexatas, as atividades e inatividades, é uma ciência do particular e da exceção, e que todos os homens a praticam sem saber”, afirmava Jarry.

Alfred Jarry

Seria a essência mesma do mundo, onde objetos, práticas e sistemas funcionariam de forma irônica, dotados de uma racionalidade tão intrínseca até se tornarem inúteis. Por exemplo, objetos que de tão sofisticados acabam não servindo para mais nada, como o aparato que serve para fazer pequenos furos na casca do ovo para extrair a clara e a gema sem quebra-lo; ou objetos cujas finalidades são tão diversas que acabam se tornando inúteis como, por exemplos, os automóveis dotados de tantas funções, interfaces e gadgets e que não conseguem sair do lugar nas grandes cidades congestionadas.

A racionalidade jurídica do processo do mensalão produz o seu oposto: a irracionalidade e desperdício. Pretendia punir o desperdício da corrupção, mas os altos custos envolvidos com a transferência dos condenados a Brasília como demonstração exemplar de autoridade (desnecessariamente, pois terão que retornar ao seus próprios domicílios para o cumprimento da pena) confirmou ironicamente a irracionalidade que pretendia punir.

O show midiático do STF acabou se constituindo em um autêntico potlatch político: tal como a instituição de tribos indígenas da América do Norte tão estudada pelo antropólogo Marcel Mauss, quanto maior a oferta de bens e a sua destruição, mais rico e poderoso se torna o indivíduo. Tal qual o potlatch, a condenação veio como uma dádiva (ou presente) em pleno feriado, às custas da queima de recursos públicos. Tal qual a instituição indígena, fascinação fetichista e religiosa pela destruição daquilo que pretendia combater como exibição exemplar de moralidade. Inutilidade e futilidade, a inversão irônica e patafísica de todos os sistemas.

O escândalo moral como simulação política

Mas os sistemas não podem tão facilmente expor a sua inutilidade. Devem simular uma produção de sentido, de funcionalidade ou utilidade. O sistema político é apenas mais um dos sistemas que começam a dobrar-se sobre si mesmo até se tornar autorreferencial. Por isso, uma ameaça entrópica paira sobre o sistema político: e se as pessoas descobrirem que no espectro político todos os discursos se equivalem? Que na verdade, toda a alternância de personagens e partidos no poder tem uma única finalidade: a gestão de uma interminável ameaça de crise de governabilidade seja política ou econômica.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

7 Comentários

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  1. Questão de estômago e mente

    Quando as diferenças políticas refletem no estômago dos cidadãos, suas mentes despertam e percebem que eles não são iguais em tudo…

  2. Engana-se quem acha que foi

    Engana-se quem acha que foi Barbosa quem deu a palavra final sobre esse caso. A palavra final é dos historiadores. Sem entrar no mérito da questão lembremos que o estrago pode ter sido feito agora e contra o PT, mas se Barbosa for culpado ele não escapará do julgamento da história.

    1. O tempo é o senhor da verdade

      Na época da ditadura o povo brasileiro jurava de pés juntos que jovens como dilma, dirceu e genoino eram terroristas, até eu pensava isso, pois os meios de comunicação nao permitiam mostrar o outro lado da moeda o que, ao acorrer, houve o acesso a verdade. O mesmo ocorrerá com o “mentirão”. Não serão Dirceu e Genoino quem sofrerão esculachos futuro.

       

  3. 1 – somando ,”Patafísica ,a

    1 – somando ,”Patafísica ,a ciencia das soluções imaginárias,que dá simbolicamente aos lineamentos, as propriedades dos objetos descritos através de sua virtualidade”

     

    2- não existe Controladoria que questione o custo de uma operação que servirá apenas para gerar clips para que a Globo em tempo de eleições sirva(venda,concessão púbica?) aos “opositores”?

     

    3- a sociedade dos espetáculo reproduz a sociedade em que está a cultura de castas.

     

     

    Ou não!

    1. Todo excesso produz o seu

      Todo excesso produz o seu contrario:Tudo simbolico,tudo show, destruiram 40 reputaçoes(ali baba)Puseram o aviao para passear no dia 15,feriadao,republica do Floriano doente.Na  “sindrome do centesimo macaco”,Ao desenterrar as batatas ,todos os macacos do planeta desenterram as suas,No “Elogio a Mosca” Luciano(machado de assis)  lembra o esforço midiatico para tornar o Jb o Jotabezao.No capitulo VI de Quincas Borba,quando conversa com Rubiao,sobre  a guerra pelo campo de batatas cujo vencedor passou a ser vendedor de “fritas” nos botecos da vida,devido ao excesso de batatas ganhas com a guerra.Na fritada dos ovos,os brasileiros normais estao cada vez mais com o saco cheio de politicas,politicos,jornalistas e cartel midiatico.Falando em show,vibramos com o locutor português ao transmitir/comemorar a classificaçao dos portugas para a nossa copa,Comovente,vibrante,agradeceu aos brasileiros que ensinaram os portugueses a jogar futebol ,no inicio nossos jogadores escreveram no solado da chuteira:”ESSE LADO PARA BAIXO,e assim Cristiano Ronaldo aprendeu a calçar sua ferramenta/chuteira e tambem a jogar bola.

  4. Patafísica

    O dominio do fato, patafísico e ainda por cima imaginariamente patética. Condenar uma pessoa imaginariamente é estremamente ridículo do ponto de vista jurídico, mais pareciam um tribunal de patetas em frente as câmaras tentando se tornarem celebridades, aquilo era outra coisa e é coisa muito ruim, pareciam mesmo, instadores do caos, patetas mesmo.

  5. Patafísica

    O dominio do fato, patafísico e ainda por cima imaginariamente patética. Condenar uma pessoa imaginariamente é estremamente ridículo do ponto de vista jurídico, mais pareciam um tribunal de patetas em frente as câmaras tentando se tornarem celebridades, aquilo era outra coisa e é coisa muito ruim, pareciam mesmo, instadores do caos, patetas mesmo.

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