Tornar o jornalismo excelente novamente, por Alexandra Borchard

no Project Syndicate

Tornar o jornalismo excelente novamente

por Alexandra Borchard

Tradução de Caiubi Miranda

OXFORD – “Fake news” tornou-se o centro do debate sobre o futuro do jornalismo; competindo pela atenção das parcelas públicas envolvendo um presidente vociferante dos EUA, “bots” russos de comunicação e uma multidão de traições e subterfugios. No entanto, em tempos de diminuição de rendimentos e público cada vez menor, as notícias falsas são realmente a maior ameaça que enfrentam as mídias tradicionais?

Em um ambiente de informação cada vez mais propenso à hiperventilação, pode ser difícil separar a realidade do conteúdo inventado ou deliberadamente tendencioso que é disseminado através das redes sociais. A proliferação de “bots” (programas de computador que propagam automaticamente a desinformação) também prejudicou esses limites. E, à medida que os métodos de manipulação se multiplicam, só podemos esperar que o problema piore.

No entanto, o foco quase constante nas notícias falsas distraiu muitos neste setor dos desafios mais sérios que o jornalismo profissional enfrenta. A erosão dos modelos de negócios e a crescente dependência de distribuidores digitais de terceiros, como o Facebook e o Google, amarraram a mídia e reduziram seriamente seus lucros. E o que é pior, o público não confia mais na informação que lhes é oferecida. Tudo isso indica que o problema vai além das falsas notícias.

De fato, as entidades de mídia grandes, tradicionais ou influentes continuam a superar as redes sociais como fontes confiáveis. Conforme revelado no Relatório de Notícias Digitais de 2017 do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, 40% dos consumidores de notícias dizem que entidades de mídia consolidadas (por exemplo, The New York Times ) diferenciam com precisão a realidade da ficção A porcentagem cai para apenas 24% no caso de redes sociais.

No entanto, isso também implica que 60% dos consumidores de notícias consideram que a mídia tradicional não é fiel com a realidade. Por si só, tal figura deve causar grande preocupação a todos os que fazem parte deste setor.

De acordo com o relatório, que entrevistou cerca de 70 mil usuários de internet em 36 países, 29% dos entrevistados disseram que evitaram as novidades. Para muitos, isso é porque a preferência dos produtores por histórias negativas coloca-os de mau humor, ou porque consideram a informação como politicamente tendenciosa e, portanto, não é confiável.

Sem confiança, não há audiência e sem audiência, não há negócios. Se os resultados do estudo forem representativos de tendências mais gerais, um dos principais pilares da democracia está em risco: uma imprensa livre e aberta.

Talvez não seja uma surpresa. Na era digital, a maioria das principais instituições sofreu uma perda de confiança, desde partidos políticos e grandes empresas até organizações religiosas e universidades, no que poderia ser evidência de uma cidadania mais informada e crítica ou, mais provável, uma resposta do oprimido pela variedade e impotência em um mundo complexo.

No entanto, o que mudou para a mídia é que, devido às redes sociais, eles não mais desfrutam do monopólio de responsabilizar os poderosos. Pelo contrário, eles vieram a ser identificados com eles, como parte de uma elite de mídia-empresa-política muito removida das preocupações das pessoas comuns. O jornalismo, que se tornou um dos alvos da raiva popular, terá que se “desarmar” para recuperar a credibilidade e a confiança do público.

Para conseguir isso, as entidades de mídia devem tomar pelo menos seis medidas. Primeiro, as mídias de notícias devem estabelecer suas próprias agendas em vez de desperdiçar recursos seguindo as dos outros. As investigações internacionais que levaram aos Papéis do Panamá e aos Papéis do Paraíso são exemplos brilhantes de jornalismo relevante e interessante, dois critérios fundamentais que todas as notícias devem atender.

Em segundo lugar, diante de seu público, os jornalistas têm a responsabilidade de analisar o que os atores poderosos estão fazendo, em vez do que eles dizem. Como a colunista do Washington Post , Margaret Sullivan, observou recentemente , a cobertura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se concentrou estritamente em suas palavras, à custa de sua política.

Em terceiro lugar, a mídia deve ser melhor ouvinte. A distinção que os jornalistas fazem entre “relatórios” e “relatórios no campo” mostra que uma parte considerável da equipe editorial nunca sai de suas mesas. Os jornalistas não fazem necessariamente isso por escolha; muitos estão presos às suas telas porque suas empresas carecem de recursos ou forçam-nas a seguir e a reportar com base em entradas do Twitter. De certa forma, o comportamento dos repórteres é simplesmente o sintoma de uma patologia editorial.

Em quarto lugar, a mídia deve envolver seu público: fale com ele sem idéias preconcebidas. Muitas vezes, o ciclo de informações baseia-se em premissas sobre o que os espectadores ou leitores podem gostar, e não o que eles realmente querem. A diversidade em uma sala de imprensa é vital para expandir a relevância da sua cobertura.

Em quinto lugar, algumas empresas de comunicação esquecem sua missão devido à pressa de experimentar novas formas de narração. Os canais de notícias devem desistir de projetos caros e atraentes se não forem úteis para o público entender melhor uma história.

Finalmente, a reconstrução da confiança exigirá uma nova definição do que são notícias. Quando o público está sobrecarregado com a informação e sua complexidade, a resposta pode ser deixar de prestar atenção. A mídia deve dar-lhes uma razão para voltar a sintonizar. (Um exemplo: notícias positivas são tremendamente subvalorizadas no ambiente de mídia atual).

Se à mídia tradicional é permitida envolver-se pelo debate de notícias falsas, ela também se tornará  sobrecarregada. Enquanto as empresas de redes sociais pretendem melhorar suas receitas publicitárias, seus algoritmos tendem a recompensar os extremos, e a mídia perderá recursos valiosos lutando contra a desinformação.

Uma melhor abordagem seria tornar as notícias menos aborrecidas. As prestigiadas empresas de comunicação sempre tentaram aproveitar os fatos: a iniciativa, a entrevista exclusiva, a investigação aprofundada. A verdade, como a confiança, é uma matéria-prima. O futuro do setor de notícias depende da melhoria do seu desenvolvimento.

 

Redação

2 Comentários

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  1. tornar….

    Alexandra elevou a discussão à estratosfera. Saiu do lugar raso do fatalismo. O que aconteceu com a facilidade da internet foi ser descoberto o tamanho dos interesses pessoais, políticos, financeiros que estão envolvidos nas notícias. De livre não existia nada. Velhas hipocrisias vão sendo demolidas.  

  2. Pensando bem…

    Da CARTA MAIOR 

    A mentira permanente, nossa ameaça mais mortífera

    A mentira permanente não está circunscrita ou limitada pela realidade, ela se perpetua inclusive diante da evidência abrumadora que a desacredita

     

    Por Chris Hedges

    27/12/2017 20:20

     

    Guernica - Pablo Picasso - 1937

     
    O perigo mais sinistro que enfrentamos hoje não vem do atentado à liberdade de expressão através do fim da neutralidade da rede, ou dos algoritmos da Google, que mantêm a população sem acesso a conteúdos divergentes dos meios hegemônicos, com poucas chances de acessar opiniões progressistas ou anti bélicas. Tampoco vem da reforma tributária de Trump, que abandona qualquer pretensão de responsabilidade fiscal, enriquece as corporações e os oligarcas, preparando o caminho para o desmantelamento de programas como o da Seguridade Social. Também não vem da exploração de terras coletivas para benefício da indústria mineradora e dos combustíveis fósseis, ou da aceleração do ecocídio por parte de uma legislação meio-ambiental irresponsável, ou da destruição da educação pública. E tampouco tem a ver com o desperdício de fundos federais para inflar o orçamento militar enquanto o país colapsa economicamente, nem do uso de sistemas de segurança doméstica para criminalizar a dissidência. O perigo mais sinistro que enfrentamos vem da marginalização e destruição daquelas instituições que — junto com os tribunais, a academia, os entes legislativos, as organizações culturais e os meios de comunicação —  garantiam que o discurso público se ancorava na realidade do fatos, e nos ajudavam a distinguir entre a verdade e a mentira, o que é uma forma de promover a justiça. [grifo ausente do artigo original]

    O atual governo de Donald Trump e do Partido Republicano representam a última etapa da ascensão do totalitarismo corporativo. Para saquear e oprimir a população usa-se a tática da mentira permanente, um tipo de mentira diferente das falsidades e meias verdades proferidas por políticos como Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama. A mentira política dos antecessores não pretendiam eliminar a realidade, era mais uma forma de manipulação. Quando Clinton promulgou o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, por sua sigla em inglês) prometeu que ele “significaria mais empregos, o que significaria mais empregos estadunidenses, o que significaria mais empregos estadunidenses bem pagos”. George W. Bush justificou a invasão do Iraque porque Saddam Hussein supostamente possuía armas de destruição massiva. Porém, passados alguns anos, nem Clinton continuou fingindo que o NAFTA era benéfico para a classe trabalhadora, já que a realidade mostrou o contrário, nem Bush continuou simulando a existência de super armas no Iraque, pois já não havia onde encontrar algum tipo de prova a respeito.

    A mentira permanente não está circunscrita ou limitada pela realidade, ela se perpetua inclusive diante da evidência abrumadora que a desacredita. É simplesmente irracional. Aqueles que falam a linguagem da verdade e dos fatos são atacados e acusados de mentirosos, traidores e provedores de notícias falsas. Uma vez que as elites totalitárias acumulam suficiente poder — um poder agora garantido pela supressão da neutralidade da rede –, os que que dela divergem serão banidos da esfera pública. A férrea resistência a reconhecer a realidade — independentemente do grau de transparência com que esta se apresente — por parte daqueles envolvidos na mentira permanente cria uma psicose coletiva.

    “O resultado de uma substituição sólida e total da verdade fática por mentiras táticas não é a segunda sendo aceita como a versão correta, enquanto a verdade é difamada como se fosse uma mentira. É muito pior que isso, tem a ver com o sentido que nos orienta no mundo real – e a categoria do verdadeiro diante do falso é um dos nossos meios mentais encaminhados a este fim – sendo destruído”, escreveu Hanna Arendt em “As Origens do Totalitarismo”. [grifo ausente do artigo original]

    A mentira permanente transforma o discurso político num teatro absurdo. Donald Trump, que já mentiu sobre o número de espectadores de sua posse com presidente, apesar das evidências fotográficas, agora fala das suas finanças pessoais para dizer que será “assassinado” pela reforma tributária, que na verdade favorece a ele e ser herdeiros, que serão poupados em mais de um bilhão de dólares em taxas. O Secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, afirma que possui um informe que demonstra como os cortes tributários serão equilibrados e não aumentarão o déficit fiscal, mas esse levantamento nunca chegou a existir. O senador estadunidense John Cornyn, contrariando todas as evidências fáticas, diz que “não se trata de uma reforma desenhada para beneficiar os ricos e os grandes negócios”, mas é.

    Enquanto isso, cerca de 8 mil quilômetros quadrados de terras públicas, estão sendo entregues à indústria mineradora e a dos combustíveis fósseis, enquanto Trump insiste em dizer que isso significa que “as terras públicas serão uma vez mais para uso público”. Quando os ecologistas denunciam que se trata de um roubo, o republicano Rob Bishop acusa a posição crítica de “falsa narrativa”. Ao acabar de forma efetiva com a neutralidade da rede e a liberdade de expressão na Internet, Ajit Pai, presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC, por sua sigla em inglês), comenta que “isso demonstra que estavam equivocados aqueles que sugeriam que a internet tal como a conhecemos está a ponto de desaparecer… temos uma internet livre que está se aperfeiçoando”. e nos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças, frases como “baseado em evidências” e “baseado cientificamente” estão proibidas.

    A mentira permanente é a apoteose do totalitarismo. Já não importa o que é verdadeiro. Só importa o que é “correto”. As cortes federais estão sendo preenchidas por juízes imbecis e incompetentes a serviço da “correta” ideologia corporativa e dos rígidos costumes sociais da direita cristã, um setor que simplesmente despreza a realidade, incluindo a ciência e o Estado de Direito, e que pretende dizimar aqueles que vivem num mundo com princípios de realidade definidos pela autonomia moral e intelectual. A norma totalitária sempre destaca o brutal e o estúpido, e estes idiotas no poder não têm metas nem filosofia política alguma, usam somente clichês e slogans — a maioria dos quais são absurdos e contraditórios —  tentando justificar sua cobiça e ânsia de poder. Isso é tão válido para a direita cristã que já está ocupando o vazio ideológico da administração Trump, junto com os corporativistas que predicam em favor do neoliberalismo e da globalização. Essa fusão dos corporativistas e da direita cristã é como um matrimônio entre o Godzilla e o Frankenstein.

    “Os políticos corruptos nem precisam compreender as consequências sociais e políticas dos seus comportamentos”, escreveu o psiquiatra Joost A.M. Meerloo em um de seus livros. “Não são obrigados a agir por uma crença ideológica, independentemente de quanto a racionalizem ou estejam convencidos, e sim por distorções de suas próprias personalidades. Não estão motivados por um impulso dirigido a servir o seu país ou a humanidade, mas sim pela abrumadora necessidade e compulsão de satisfazer os anseios de suas próprias estruturas de carácter patológicas. As ideologias que declamam não são metas reais, mas sim — e somente — os mecanismos cínicos por meio dos quais esses homens doentes esperam obter certo sentido pessoal de valor e poder. Estas mentiras internas, por mais sutis que pareçam, os prejudicam: são auto enganos defensivos, uma visão distorcida, a ausência de identificação emocional com os outros, a degradação da empatia – a mente tem muitos mecanismos de defesa que permitem cegar a consciência”.

    Quando a realidade é substituída pelos caprichos da opinião e do oportunismo, o que é verdadeiro um dia pode ser falso no dia seguinte para esse mesmo indivíduo. A consistência ou coerência se torna descartável. A complexidade, os matizes, a profundidade, tudo e deixado de lado em nome da crença mais simplória, a qual muitas vezes se impõe através da ameaça e da força bruta. É por isso que a administração Trump despreza a diplomacia e está destruindo o Departamento de Estado. Segundo o novelista e crítico social Thomas Mann, o totalitarismo é, em seu núcleo mais profundo, o desejo de um simples conto popular. Uma vez que este conto popular toma o lugar da realidade a moral e a ética são abolidas. “Aqueles que podem fazer você acreditar nos despropósitos mais absurdos, podem te levar a cometer as maiores atrocidades”, advertiu Voltaire.

    As elites corporativas, que em outros tempos atentaram contra as pessoas de pele escura, contra os pobres, contra a classe trabalhadora, agora atentam sem seguir nenhuma regra. Os lobistas, os políticos comprados, os acadêmicos servis, os juízes corruptos e as celebridades dos informativos de televisão dirigem um Estado cleptocrático definido pelo suborno legalizado e a exploração desenfreada. As elites empresariais escrevem leis, regulações e reformas para expandir o saque das corporações, ao mesmo tempo que impõem uma dívida que escraviza e paralisa a população, como o que acontece com a enorme carga para os estudantes que são os financiamentos educacionais. As medidas de austeridade desmantelam os serviços estaduais e municipais, como é o caso da saúde e da educação públicas. Ainda assim, insistem em que a solução aos nossos problemas se encontra nas instituições que eles mesmos corromperam, e nos pedem para investir tempo e energia em campanhas políticas e em apelos aos tribunais. Tentam nos atrair ao seu mundo esquizofrênico que abandonou o discurso racional em nome de um bando de charlatões baratos. Querem que esperemos justiça num sistema desenhado para perpetuar a injustiça. É um jogo onde nunca poderemos ganar.

    “Toda dignidade reside no pensamento” escreveu Pascal. “É através do pensamento que devemos buscar nossa recuperação, não no espaço ou no tempo, vazios que nunca poderemos preencher. Temos de nos esforçar, então, em pensar bem, o princípio básico da moralidade”. [grifo ausente do artigo original]

    Para enfrentar o poder é preciso mais poder. Devemos construir instituições e organizações paralelas que nos protejam do assalto empresarial e resistam à dominação das corporações. Devemos nos distanciar o máximo possível deste Estado vampírico. Quanto mais comunidades autônomas possamos criar, com suas próprias divisas e infraestruturas, mais poderemos golpear a besta corporativa. Devemos estabelecer cooperativas de trabalhadores, sistemas locais de fornecimento de alimentos baseados em dietas veganas e organizações culturais, artísticas e políticas independentes. Temos que obstruir, por qualquer meio possível, o assalto das corporações, desde o bloqueio direto de gasodutos e poços destinados ao fracking à ocupação das ruas através de atos de desobediência civil contra a censura e o ataque às liberdades civis, ou a criação de “cidades santuário”. E tudo isso deverá ser realizado como sempre foi feito na história da humanidade; construindo relações pessoais de proximidade. Talvez não haja tempo e não sejamos capazes de salvar a nós mesmos — sobretudo devido a insistência das elites em não reagir corretamente aos problemas da crise climática do planeta — mas ao menos poderemos criar espaços de resistência onde a verdade, a beleza e a empatia possam durar o tempo que ainda nos resta. 

    Créditos da foto: Guernica – Pablo Picasso – 1937″ 

    https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/A-mentira-permanente-nossa-ameaca-mais-mortifera-/12/39019

    *  expressão “grifo ausente do artigo original” = “grifo meu” (esta expressão poderia causar ambiguidade, se colocada no corpo do texto).

    “A opinião do autor do artigo não representa, necessaria e integralmente, a visão de mundo desta leiga copista.” 

    SP, 12/01/2018 – 14:53

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