Sou do bar do Alemão, sou da rua, da lua, da vida, por Livia Mannini

Gosto de gente, gosto de cultivar raízes. Se você é como eu, espanta essa preguiça e chega mais pra brindar comigo na Av. Antártica, 554. Ou vai pra segunda temporada do besteirol aí?

Sou do bar do Alemão, sou da rua, da lua, da vida

por Livia Mannini

Acompanhando um pouco essa mobilização linda dos cariocas em solidariedade ao histórico Bar Luiz, não há como não pensar imediatamente no Bar do Alemão, em São Paulo.

Vocês devem imaginar que não é nem um pouco fácil manter abertos espaços assim, né?

São lugares mágicos, cheios de histórias pra contar, onde coisa mal feita não entra no cardápio e, no caso do Alemão, nos ouvidos também não.

Seus donos dedicam suas energias a eles muito mais motivados pela ideologia do que pela grana, que quase sempre não sobra.

E para que tanta batalha, afinal?

Bem, a menos que você seja uma dessas pessoas que acha que tanto faz comer um parmê pré-fabricado na praça de alimentação de um shopping, tomando chopp num lugar triste com gente vazia carregando sacolas cheias de falta de assunto por perto, creio que todos concordamos que determinados lugares são uma espécie de “templos” onde se cultuam nossa “brasilidade”, a história de uma cidade, seus personagens fundamentais e um certo jeito de se fazer as coisas – a comida, o atendimento… o clima – que a gente gosta de saber que assim foi, assim é, quando a gente quiser, e assim será para as futuras gerações, quando elas também desejarem. Isso se chama resistência cultural.

Ah, mas o tempo passa, a sociedade muda, precisamos nos reinventar. Em alguns aspectos é verdade. A tecnologia, por exemplo, é nossa aliada: nos ajuda a nos comunicarmos mais rapidamente e isso é positivo, pois afinal não pretendemos voltar à era das cavernas em que nossas caixas de correio eram entupidas por papeis de malas-diretas antiecológicas para avisar que vai ter show do fulano de tal na semana que vem, não é verdade? Ninguém aqui está falando de passadismo tosco e nostalgia excêntrica.

Mas a gente não quer que nossos netos não saibam o que é um rosbife feito em casa, entendem? A gente não quer que o colarinho do tamanho exato dos dois dedos do garçom, tirado num ângulo de 45° sem esquentar o copo gelado, desapareça da nossa lista de afetos. Nem a caipirinha feita com o pau de socar limão, em vez da coqueteleira, com a dose de açúcar a olho perfeita. Nem o samba do Nelson Cavaquinho cantado todas as noites. Nem o do Baden, o do Chico, o do Elton, o do Noel, o do Adoniran, o do Vanzolini. Nem o samba-canção. Nem o choro. Nem as risadas com gente bacana por perto. Nem o bate-boca sobre o bate-bola ou sobre o desgoverno do país.

E são tantas coisas que a gente não quer que se percam em meio à passagem frenética dos anos, que nem te conto.

Ah, beleza, tem razão… é melhor preservar esses refúgios aí. Muito bem, xófem, chegamos num consenso. Mas vem cá… quem subsidia essa teimosia toda? Prefeitura, uma joça: cada dia um imposto novo, com dígitos sempre na casa dos milhares, e uma indústria de multa que chega a ser risível, de tão cara-de-pau e abusiva que é.

Já sei: o dono! Pobre dono… dá pra sacar que quem empreende num espaço assim não pensa exatamente em ganhar dinheiro, como já falamos, não é não? Pelo contrário: muitas vezes tira do orçamento pessoal restrito para pagar o funcionário em dia.

Hmmm…. então seria o público?! Bingo, gênio! É ele mesmo. Eu, você, seu mozão, seu pai e sua filha, o pessoal da firma no happy-hour, a vizinha aniversariante e as amigas dela e tantos outros etcéteras. Somos nós, com pequenos momentos de dedicação, que salvamos esses lugares sagrados de virarem poeira.

Agora pensem o seguinte: o Bar do Alemão está com uma programação super caprichada, lapidada com o maior esmero, como vocês devem estar acompanhando pelas redes sociais. De terça a domingo tem música ao vivo de uma qualidade indiscutível, com um repertório cada vez mais diversificado – dentro do mesmo conjunto de música popular brasileira que faz o perfil da casa, é claro –, com um elenco brilhante e um ambiente meio-termo entre o intimista e o “boteco”, raríssimo. O couvert artístico é acessível (não chega a custar uma entrada no Cinemark). Há variedades no menu, para bolsos de todos os tamanhos. Não fica na muvuca da Vila Madalena, mas é fácil chegar de Uber ou de metrô (10 minutos da Barra Funda). É bonito, é legal, é divertido.

Mas se você – o público – não comparecer… uma hora vai acabar.

A gente até que não pode se queixar tanto, sabe? Temos recebido muita gente nova chegando para conhecer o espaço e voltando pra somar. Alguns dias da semana são bombados e isso nos dá uma alegria filha-da-puta de viver e um fôlego danado pra continuar.

Mas, abrindo o jogo? É o seguinte: as contas fecham apertadas demais.

É muito (MUITO) caro manter um espaço – uma ideia! – dessas em pé. Se vocês não derem uma força e aparecerem por lá pelo menos uma vez por mês para uma visitinha numa terça-feira, por exemplo, para ouvir choro… sei não…

Talvez entremos para a história como a geração que mais enterrou espaços culturais (bote na conta museus, casas de cultura, centenas de bares lendários, salas de cinema de rua etc.), porque optamos por ficar em casa assistindo Netflix em vez de prestigiar espetáculos artísticos ao vivo, debatendo no Facebook em vez de trocar ideia na mesinha da calçada, pedir comida pelo Rappi em vez de sentir o cheiro do alho do frango à passarinho povoando o ambiente e aguçando nossas papilas gustativas e, mais triste: descolando namorad@ por aplicativo, em vez de conhecer gente de verdade.

Tô fora, galera. Não faço coro com quem se comporta assim.

Sou do bar, sou da rua, da lua, da vida. Gosto de gente, gosto de cultivar raízes. Se você é como eu, espanta essa preguiça e chega mais pra brindar comigo na Av. Antártica, 554. Ou vai pra segunda temporada do besteirol aí?

Pronto, falei.

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Redação

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