A persistência do antigo regime: 1808-2018, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A história recentíssima do Brasil pode ser: “O estandarte do sanatório geral, vai passar” (Chico Buarque) e “Foi o único que me escapou” (Napoleão Bonaparte)

1808-2018, a persistência do antigo regime

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

A história recentíssima do Brasil pode ser resumida em duas frases.

“O estandarte do sanatório geral, vai passar” – Chico Buarque

“Foi o único que me escapou” – Napoleão Bonaparte

O músico brasileiro comemorara o fim de uma Ditadura Militar que de fato não acabou. Sob a vigência da Constituição de 1988 o Brasil foi assombrado pelas sombras (os crimes impunes dos militares) e pelas sobras (as Polícias Militares) da Ditadura Miliar.

O imperador francês usou essa frase para se ao monarca português que conseguiu fugir da revolução exportada pela França. Ao chegar ao Brasil, D. João foi coroado e reforçou entre nós os princípios do ancien régime: separação entre Estado e povo; distinção entre nobres e plebeus; exercício do poder em benefício exclusivo da nobreza com exclusão brutal do restante da população; separação legal entre brancos e índios e entre homens livres e escravos; escravização de negros e mulatos.

Após a proclamação da independência, o Brasil ganhou uma constituição que se distingue de todas as constituições monárquicas em virtude de sua cláusula absolutista. Refiro-me, obviamente, ao poder moderador.

“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegada privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes políticos.”

É impossível entender a história republicana do Brasil sem levar em conta essa característica permanente da nossa existência política. Mesmo tendo sido revogado pela Constituição de 1891, o poder moderador de quando em vez tem sido exercido por presidentes eleitos e não eleitos.

O presidente Floriano Peixoto exerceu esse poder quando ameaçou prender membros do STF que concedessem Habeas Corpus contra as prisões ilegais que ele havia determinado. O absolutismo presidencial garantido a Getúlio Vargas pelos arts. 12 a 14 e art. 74, todos da Constituição de 1937, pode ser considerado uma transfiguração republicana do poder moderador imperial. De 1964 a 1985 os militares exerceram um poder extraconstitucional absoluto ao promulgar Atos Institucionais que garantiam aos líderes fardados do regime instituído pelo golpe de estado (e perpetuado com ajuda dos civis) o direito fazer o que bem entendessem sem prestar contas a ninguém.

A dissolução do regime constitucional de 1988, iniciada quando Aécio Neves se recusou a aceitar a derrota eleitoral e intensificado durante o golpe de 2016 “com o Supremo com tudo”, levou vários segmentos públicos a tentar exercer um poder moderador. O MPF celebrou acordos ilegais para obter recursos bilionários a fim de consolidar seu próprio poder extraconstitucional. Sempre que é obrigado a julgar matérias importantes, o STF suspende ou cumpre os princípios constitucionais como se estivesse acima do texto da Constituição. Nos últimos tempos, cada general passou a se comportar como se fosse D. Pedro I. Sempre que consideram necessário, eles telefonam para o presidente do STF a fim de limitar e/ou suspender a competência daquele Tribunal para proferir qualquer decisão que possa beneficiar Lula.

Ao tomar posse, Jair Bolsonaro exibiu um exemplar da Constituição de 1988. Todas as decisões que ele tomou desde então conspiram contra a higidez do texto constitucional. Não por acaso FHC disse que a família presidencial já se comporta como se fosse uma nova família real.

Bolsonaro se recusa a liberar verbas para os Estados do nordeste. Ele submeteu a política externa do Brasil aos EUA e substituiu o pragmatismo diplomático pelo fundamentalismo evangélico. Há alguns dias, o presidente brasileiro ofereceu a posse da Amazônia aos EUA. Bolsonaro age como um imperador sem qualquer obrigação de defender a integridade territorial brasileira. Em 08 de abril de 2019, ele nomeou um Ministro da Educação que teve a ousadia de dizer que as Universidades nordestinas não terão mais a autonomia universitária prescrita no art. 207, da CF/88.

Quando a comitiva real chegou ao Brasil em 1808, as matronas portuguesas estavam carecas. Elas foram obrigadas a raspar suas cabeleiras que ficaram infestadas de piolhos durante a travessia atlântica. Para não admitir a verdade, elas disseram que aquela era a última moda da Europa. Em pouco tempo as matronas brasileiras começaram a ficar carecas.

Na fase atual, as mulheres da elite brasileira (não só elas, é preciso frisar esse fato) resolveram raspar o conteúdo científico e racional que haviam acumulado nos seus cérebros. Isso explica porque o irracionalismo medieval conseguiu chegar ao centro do poder e dele se irradiar por todo o país. Nunca antes na História do Brasil fomos obrigados a ouvir que o nazismo é de esquerda, que existe um comunismo empresarial, que a terra plana, que a ditadura era democrática e que a filosofia será proibida nas Universidades nordestinas.

Chico Buarque estava enganado. O sanatório geral não passou. De fato, ele nunca poderá passar enquanto os princípios da revolução francesa (racionalismo, iluminismo, igualdade de direito e de fato, soberania popular, submissão do Estado ao povo e a destruição das estruturas de poder do despotismo absolutista, esclarecido, esclerosado, presidencial, militar e/ou judiciário) não substituírem o legado do ancien régime que foi implantado no Brasil em 1808, reforçado em 1824 e desgraçadamente renovado durante as eleições de 2018.

O Brasil não deve ser um Estado sem povo. O judiciário não pode ser submisso aos generais. Nosso exército não precisa ser uma tropa de ocupação a serviço do Pentágono. A Amazônica e o Nordeste fazem parte indissolúvel do território nacional, não podem ser excluídos ou doados por um presidente imbecil. O Itamaraty não nasceu e cresceu como um apêndice do Departamento de Estado norte-americano. A exploração da credulidade popular deve ficar confinada dentro das igrejas evangélicas e os crimes cometidos pelos pastores merecem ser reprimidos na forma da Lei.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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