A classe social dos “batalhadores” – 3

Por Rudá Ricci

Vou explicar, com calma, Chico:

1) Quando ele faz uma crítica à noção de nova classe média está trabalhando com conceito de classe social, certo?

2) Pois bem, o conceito tem história. Não se trata de ser politicamente correto, mas de ser profissional. Acho que seria difícil alguém aceitar de um médico que ele fale em aneurisma para um problema de torção. Certo? O conceito de classe social pode ter origem marxista, funcionalista ou weberiana. Já tentei explicar isto para Jessé no seminário em que eu, ele, Marcio Pochmann, Mangabeira Unger e Marcelo Neri tivemos participamos na FGV-RJ em dezembro passado. Ralé (ou batalhador) não é classe, mas estamento;

3) Aqui, vou explicar com calma redobrada para você entender. Estamento é uma classificação social a partir do prestígio social que enrijece a mobilidade social. No limite, a estrutura estamental gera castas fechadas em si, cujas vestimentas são próprias. Ora, ele não está utilizando este conceito de brincadeira. No debate da FGV-RJ ficou claro que é para valer. Mangabeira Unger diz que o bolsa família erra por financiar pobres que não são empreendedores e deve financiar os batalhadores;

4) Batalhador é uma intenção individual, não grupal. Como podemos alçar tal intenção de foro íntimo à condição de classe social? Só se não há base teórica. Um dos comentários fala que o livro de Jessé é baseado em pesquisa. Sim, dados empíricos que não levam à noção de batalhador ou ralé como classes sociais. A confusão parece imensa e se confunde alho com bugalho. Se é para entrar nesta seara é importante que se saiba do que se fala;

5) O que está em jogo não é venda de livro ou discussão sobre nova classe média ou “classe” de batalhadores. O que está em jogo é uma imensa disputa política para ingressar no governo Dilma com um projeto de gaveta. Mangabeira Unger tenta de todas as formas vender esta tese para alterar o bolsa família e a política do BNDES. Consiga o vídeo do seminário da FGV-RJ e verá a tese com todas as sílabas e pausas.

6) Enfim, se é para fazer leitura da realidade, a tese é uma bobagem. Não se sustenta. Nem como tese liberal, que seria a base deste tipo de conceito/juízo de valor preconceituoso. Se é para teorizar, que utilize corretamente o conceito de classe social. Mas se for para discutir programas de combate à pobreza, que se abra claralmente os termos do debate para que todos entendam o que está por trás de tudo. 

Por Roberto Dutra Torres Junior

Ou o Rudá não sabe do que está falando (o que é improvável) ou ele é simplório de propósito.

Participei das duas pesquisas e dos dois livros com o Jessé (sobre a ralé e sobre os batalhadores) e quero ressaltar duas coisas:

1)   Me parece que Rudá parte do pressuposto que existe uma visão teórica fechada sobre a definição de classe social na sociologia, que diferencia classe de estamento. Ora, todo mundo sabe que nas ciências sociais o que mais existe é divergência de paradigmas teóricos. O paradigma que sempre nos serviu de base nestas pesquisas foi, de fato, o de Pierre Bourdieu. Bourdieu, diferentemente de Max Weber, não distingue classe de estamento. Para ele, so faz sentido falar em classe quando esta se vincula a um status específico. Este status específico é relacional, sim, diferente do que afirma Rudá. O status sempre se define por um habitus de classe, uma combinação de modos de agir, pensar, sentir e avaliar que, relacionalmente, de distingue do status e do habitus de outras classes sociais. Mas definição relacional não se trata necessariamente de um único contrário, podem existir vários contrapontos. Os batalhadores definem seu status tanto em relação à ralé (mais presa ao fatalismo e mais vulnerável à delinqüência, por exemplo, do que os “batalhadores”) como em relação à classe média tradicional – neste caso, na oposição entre segurança na trajetória pessoal da classe media e a insegurança dos batalhadores.

Eu vejo a perspectiva com a qual trabalhamos como melhor do que a que Rudá demonstra aqui pelo fato de que, para nós, a classe só existe quando ele se deixa observar no comportamento prático, na visão de mundo prática que orienta o dia a dia, a visão de futuro, a visão das próprias chances de vida. Para nós, a classe não é um conceito apenas analítico;  o que nós descrevemos como classe tem relação com as categorias que orientam o comportamento prático das pessoas que tomamos como de uma determinada classe social. Os conceitos sociológicos tem de ter distanciamento da realidade sim, não podem ser mero julgamento de valor. Mas este distanciamento não é um fim em si mesmo. É preciso que os conceitos, de algum modo, façam sentido para os fatos sociais que buscam descrever. Em suma, em nossa sociologia o modo como as pessoas se descrevem e como esta descrição se vincula com a vida prática é um pressuposto importante para a formulação de conceitos. Nosso interesse é como a conduta de vida das pessoas de uma determinada classe se diferencia relacionalmente da conduta de vida das pessoas de outra classe. E como esta diferenciação contribui para estrutura chances de vida diferenciadas e formas de distinção, valorização e rebaixamento social entre as pessoas.

Repito, Rudá se expressa como se houvesse um consenso sobre a definição de classe e como se ele fosse uma espécie de guardião deste consenso (talvez por isso ele tenha se assustado). Duvido que algum “leigo” aqui neste blog desconheça que isto é falso.

2) O segundo ponto é sobre a motivação política do Mangabeira nos conceitos de ralé e batalhador. Aqui de fato Rudá foi claramente mesquinho e desonesto. O conceito de ralé nada tem a ver com Mangabeira Unger, foi formulado por Jessé muito antes de Mangabeira falar em batalhadores e em ralé, provocativamente, para articular a percepção relacional que as demais classes têm dos excluídos, daqueles cujo staus é negativamente definido.  Esse negócio de recorrer a origem do conceito (quem em todo caso é importante, mas não basta) , a “Halle”, é firula e só serve para não ter que discutir os pressupostos de uma sociologia das classes sociais. Já o conceito de batalhador, fruto de uma pesquisa feita em parceria com o SAE na época do Mangabeira Unger, foi discutido por todo o nosso grupo de pesquisa e seu caráter relacional buscamos enfatizar ao longo de todo o livro, tanto em comparação com a ralé como em comparação com a classe média. Acontece que, para nós, relacional tem que fazer sentido para a vida prática. Importa, portanto, fazer comparações e aclarar relações que, de algum modo, as pessoas já fazem e percebem em sua condução da vida.

Se Mangabeira tem intenções políticas ligadas a estes dois conceitos, e daí? Num debate de argumentos, é de pouco valor falar somente de supostas intenções e se apegar pouco, sendo simplista, ao que o autor diz. E num debate sobre intenções soa autoritário denunciar a intenção de justificar mudanças na política. Ora, isso é proibido ou só pode ser almejado por um grupinho específico de sociólogos e analistas? 

Por Sérgio Cardoso Morales

A meu ver, o autor reinterpreta, com alguns conceitos tirados de Bourdieu (p ex capital cultural – Bourdieu é um autor muito interessante: seu estudo, junto com Passeron, sobre educação e classes sociais desbancam a falácia da ascensão social pela educação; provam que a educação, no mais das vezes, reproduz e mantém as diferenças de classe), o conceito clássico de classes sociais, desbancado, na nossa academia, pelas formulações justificadoras do “status quo” da sociologia estadunidense das faixas de renda, que obscurecem a ideia das diferenças de classe e da luta de classes.

Seus conceitos de “ralé” e “batalhadores” não me parecem incompatíveis com os conceitos marxistas de “lumpemproletariado” e de “proletariado”. A crítica à Marx, de Jessé, é injusta. Marx não é unidimensional e seu conceito de classe leva em conta as características superestruturais. Embora haja ênfase na base material da divisão de classes, essa determinação não é de mão única e infraestrutura e superestrurura se determinam reciprocamente.

Muitas das críticas ao autor, feitas nos comentários, no entanto, não têm o caráter de discussão das suas hipóteses, mas representam tão somente uma reação desqualificada a uma implicação clara de suas reflexões: o questionamento do discurso ufanista e mistificador do governo Lula e do petismo de resultados sobre a ascensão de 30 milhões de trabalhadores à classe média.

É uma ironia, mas não imcpompreensível, que um partido que se denomina dos TRABALHADORES, rejeite essa denominação para uma parcela significativa do povo brasileiro e adote como discurso de campanha e de agitação política um conceito ideológico dos intelectuais orgânicos da classe dominante para justificar o sistema capitalista: a difusa noção de uma classe média, que conformaria a maioria da sociedade. Nos EUA, esse conceito serviu para criar a mistificação de que, no país, não há, praticamente, diferenças de classes, a esmagadora maioria sendo simplesmente “classe média”, havendo uma pequena minoria de “vencedores” que conformariam a “classe rica” por méritos próprios e visão empresarial, e uma pequena minoria de “classe pobre”, “perdedores” (loosers) por sua própria falta de capacidade.

O conceito de “classe média” do lulismo de resultados acena, para os trabalhadores, com a perspectiva de uma possibilidade de ascensão social ilimitada SEM  se tocar na estrutura de classes do capitalismo brasileiro. O petismo de resultados quer convencer os trabalhadores que é possível uma sociedade em que eles podem melhorar de vida sem que os privilégios da classe dominante, seu monopólio da produção e reprodução de riqueza e dos meios de criação e disseminação cultural, sejam tocados. É, em síntese, uma forma de desarmar e desmobilizar os trabalhadores.

É inequívoco que o governo Lula melhorou a vida de milhões de brasileiros. Ele foi capaz de distribuir migalhas a eles que a elite tradicional, conservadora, não queria ceder. Isso porque essa elite é uma das mais retrógradas do planeta. Agora, se se faz uma análise das classes sociais a partir do papel que elas desempenham no modo de produção, se vê que os trabalhadores que melhoraram de vida continuam destituídos do acesso aos meios de produção, que é monopólio da classe capitalista, e que, portanto, continuam obrigados a se alugar todos os dias a esses capitalistas para obterem um mínimo de recursos para uma vida digna (ou nem isso!). Os trabalhadores continuaram trabalhadores, e os burgueses continuaram burgueses, explorando o sobretrabalho daqueles.

O discurso da “nova classe média” do petismo de resultados pode, realmente, criar, entre os trabalhadores melhor remunerados – como aponta Jessé – a mistificação ideológica conservadora que atravanca as lutas sociais, como nos EUA, onde a crise capitalista não permitiu o desvelamento da exploração de classe e o impulso para as lutas (como, por exemplo, na Grécia), mas levou parcelas dos trabalhadores atingidos pela crise a apoiar a alternativa fascista do “Tea Party” e da direita republicana. O problema não estaria na estrutura de classes do capitalismo, mas no governo e no Estado.

Neste sentido, a análise do professor, tem o mérito de suscitar a discussão, repropondo conceitos de classes sociais quem rompem com o consenso ideológico da interpretação alinhada com o “status quo” das faixas de renda.

O problema é que a esquerda “meia-boca” do petismo de resultados já foi completamente despolitizada. Chamam de política, agora, a brincadeira de “seu-mestre-mandou”. Não lê ou compreende os textos clássicos do socialismo, mundial ou nacional (Florestan Fernandes, p ex). Reproduz, acriticamente, as formulações ideológicas e os discursos da mídia do capital (aquela a que eles mesmos se opõem!). E caem em cima de qualquer teorização que desafie o seu sonho dourado do capitalismo utópico, onde todas as classes convivem harmoniosamente para o desenvolvimento do país. O professor Sérgio Lessa já destrinchou esse tipo de militância em seu ensaio “Crítica do Praticismo Revolucionário” (com o reparo de que ele, agora, não é mais revolucionário NEM NO NOME):

http://www.sergiolessa.com/artigos_92_96/praticismo_1995.pdf

Por rubens campante

Jesse Souza construiu sua sociologia de forma megalomaniaca, colocando-se como o primeiro sociologo brasileiro a chamar a atencao para a desigualdade e a exclusao, ninguem antes dele no Brasil tratou dessas coisas, ninguem disse que a elite tenta naturalizar a desigualdade social…..e muita cara de pau.

Para sustentar sua argumentacao, inventa inimigos como o marxismo unidimensional…..como se todo o marxismo fosse unidimensional e como se esse tipo de marxismo, assim como o economicismo, ja nao tivesse sido criticado ad nauseam. Ele quer se alcar a condicao de grande interprete do Brasil, do nivel de um Florestan, Celso Furtado, Faoro, Sergio Buarque, Freyre, etc, mas falta-lhe o conhecimento minimamente aprofundado da sociologia e da ciencia politica brasileira, ele tem formacao weberiana e hermeneutica, mas nao conhece suficientemente o pensamento politico brasileiro.

Construiu seu argumento batendo na interpretacao patrimonialista do Brasil, realizando uma reducao dessa vertente de pensamento. De fato, ha uma vertente da interpretacao patrimonialista, representada por FHC, por Simon Schwartzman, dentre outros, que entende patrimonialismo como sinonimo de heranca maldita estatista e advoga que a solucao e a liberacao do mercado e da sociedade civil desse estatismo, mas a tese do patrimonialismo, no proprio Weber, que cunhou o termo, e em Faoro, que comecou a usa-lo no Brasil, e muito mais que isso, no livro de Faoro, a questao do patrimonialismo, embora fale em heranca portuguesa sim, nao fica so nisso, mas remete a desigualdade, a exclusao, ao dominio deleterio da elite, dos donos do poder, sobre o pais….ja contestei sua critica a interpretacao do patrimonialismo em um artigo publicado na revista Dados,

O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia Brasileira, ele nao dignou a responder, e agora vem com essa de classe social dos batalhadores……realmente boa parte do povo brasileiro e uma gente aguerrida, empreendedora, gente que se vira e se supera, nas condicoes mais adversas…..mas, como diz o Ruda, dai a qualificar isso como classe social alternativa, tem uma consistencia teorica mais firme que gelatina fora da geladeira, e o pior e utilizar isso como desmoralizacao e critica a pequena mas importante inclusao social que se logrou no governo Lula……esses batalhadores existem desde os governos FHC, Itamar, Collor, Sarney, mas so no governo Lula conseguiram, como um bloco, nao como excecoes individuais, melhorar de vida, e ai vem um cara dizer que essa estoria de nova classe media e besteira…..Jesse Souza e um iconoclasta profissional, um enfant terrible, que faz sua auto-promocao a custa da mixordia intelectual, e ignorancia, nao sei se proposital ou nao, de tudo que a inteligencia brasileira ja produziu…..

Luis Nassif

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