A economia só melhora quando sair das mãos dos economistas, por Luis Nassif

A grande virada na economia se dará quando algum governante colocar no Ministério da Economia uma personalidade com conhecimento e foco no mundo real. E colocar os economistas no seu devido lugar: de assessores, para medir impactos financeiros de medidas, e nada mais.

Se você leu que a taxa Selic é relevante para inverter a curva longa de juros e que, quando a curva longa de juros cair, a bonança irá se instalar na economia, e não entender nada dessas correlações, não se impressione. Não tem lógica mesmo.

Entenda o jogo.

Em uma economia lógica, a política monetária é um instrumento para se atingir o objetivo final de toda política econômica saudável: promover o crescimento e o bem estar da população. Nas últimas décadas, no entanto, o mundo financeiro se apossou da política monetária. Criou-se um falso enfoque que acabou fazendo com que o objetivo da política monetária fossem exclusivamente os fundos financeiros.

Em que esta ideologização da política monetária afeta a economia e os países?

Peça 1 – o mundo real e o mundo financeiro

Na economia, convivem dois mundos distintos: o da economia real e o da economia financeira. O primeiro trata com empresas, empregos, produção, renda, mercado de consumo. O segundo trata especificamente com o capital financeiro.

O melhor dos cenários é quando ambos os mundos caminham na mesma direção. É quando o capital financeiro entra em infraestrutura, para alavancar setores novos, recuperar setores descapitalizados, ajuda a abrir novas empresas, aumentar a capacidade produtiva da economia.

Mas é importante entender a lógica dos dois mundos.

Na economia real, empresas constroem o seu caminho dia a dia, investindo em inovação, logística, marketing, gestão e todo estoque de ferramentas previstas na administração privada. A economia real gera riqueza. 

Já o capital financeiro trabalha quase exclusivamente com arbitragens de preços: busca comprar barato e vender caro. Ele não cria riqueza: sua vocação é valorizar ativos já existentes. Mesmo quando assume o controle de empresas da economia real, a lógica financeira é a da maximização dos dividendos, com pouca preocupação com cenários de médio e longo prazo. O capital financeiro maximiza os ganhos.

Em muitos momentos há um descasamento entre mundo real e financeiro. No mundo real, o preço de uma ação é função das projeções de resultados da empresa ao longo dos anos. Se não há crescimento da economia, o capital financeiro tende a se movimentar adquirindo ativos supostamente baratos, empinando seu preços e vendendo. Mas não investirá em novos setores, não erguerá novas fábricas, não ajudará a financiar a infraestrutura.

Quando a economia anda de lado – isto é, não gera nova riqueza – o excesso de dinheiro disponível acaba pulando de um lado para outro, valorizando artificialmente os preços de ativos e provocando as chamadas bolhas especulativas – que tendem a explodir com o tempo.

Peça 2 – a lógica da curva de juros

Entendendo isso, vamos à lógica da curva de juros – que é o alvo do Banco Central. Diz a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) que foi necessário aumentar a taxa Selic para reduzir a curva futura de juros.

Há duas maneiras do capital financeiro se remunerar. Uma, é aplicando em títulos públicos. Outra, em ativos reais.

O primeiro grupo ganha com o aumento  das taxas de juros. Por isso pressionam sempre por aumento das taxas.

Na quadra atual, as taxas de juros ficaram internacionalmente baixas por um bom tempo. O capital financeiro, então, foi buscar ganhos com ativos reais. E os ativos reais se valorizam quando as taxas de juros caem.

Vamos a um exemplo simples, em cima de títulos públicos (mas vale para ativos privados);

Em geral, os títulos públicos são pré-fixados. Isto é, tem um valor de resgate. De 100, digamos. A cada dia, o preço dele depende do nível de taxa de juros praticada pelos Bancos Centrais.

Por exemplo, um título com 100 de valor de resgate, com 180 dias úteis decorridos, com uma taxa Selic de 2% terá um valor de mercado de 0,985955. Com a Selic em 2,75%, haverá uma queda de 0,52% no seu valor. A 4%, queda de 1,38% no valor de mercado.  Com ações, o impacto é maior ainda, porque usam-se prazos mais longos para o cálculo do valor presente.

Suponha determinada ação cujo valor presente – levando em conta Selic de 2% e volatilidade de 3% – seja de R$ 77,72. Se a taxa futura aumentar para 2,75%, mantidas as mesmas condições anteriores, o valor do ativo cairia para R$ 74,48, uma queda de quase 4%. Se a Selic for para 4%, a queda no preço será de quase 10%.

Não apenas isso. Como os mercados são interligados e existem várias formas de alavancagem, a queda de determinados ativos obriga a chamadas de margem, fazendo com que investidores vendam ativos supervalorizados para cobrir as perdas nos ativos que perderam valor. E, aí, há um efeito cadeia de dimensões variadas.

Atualmente, a economia mundial está assolada por bolhas de todas as espécies. É questão de tempo para uma crise financeira de proporções gigantescas.

Quando um economista colocar como ponto central a redução da curva longa de juros, pode ter certeza de que sua única preocupação é com o mercado de ações e de ativos em geral, não com a economia como um todo.

Peça 3 – a lógica das metas inflacionárias

O problema brasileiro, desde o Plano Real, é que a política monetária e fiscal focou exclusivamente o capital financeiro.

A lógica das metas inflacionárias é simples. Estima-se a previsão de inflação do mercado. E define-se uma taxa Selic que será sempre maior do que a inflação esperada, não apenas preservando, mas garantindo ganhos ao capital, mesmo na hipótese de aceleração da inflação.

Não apenas isso.

Como se mostrou acima, o aumento das taxas de juros reduz o valor dos títulos públicos já emitidos. Daí a necessidade de uma previsibilidade nas taxas.

A meta inflacionária dá essa dupla garantia. De um lado, oferecendo nos novos títulos públicos uma remuneração superior à inflação esperada. De outro, subordinando a Selic às expectativas de mercado – não necessariamente a uma projeção científica da inflação – impedindo grandes variações imprevistas nos preços dos ativos.

Peça 4 – a lógica do que é bom para o mercado é bom para o país

Obviamente, só se consegue legitimar uma política econômica se houver a crença de que ela atenderá a dois objetivos básicos: crescimento e melhoria de vida da população. Ou seja, desenvolvimento equilibrado.

Para se legitimar, a política monetária pró-mercado desenvolveu uma crença sem nenhuma comprovação empírica: se a taxa de juros longa cair, destravará os investimentos.

É pior que cloroquina. Investimentos dependem de demanda; demanda depende de mercado; mercado depende de renda. Se tomo determinadas medidas que beneficiam o capital financeiro no curto prazo, e comprometem a economia no médio, não haverá investimento.

Quando aumenta a taxa de juros, o Banco Central prejudica a recuperação da economia, encarece o crédito para empresas e consumidores. A única intenção é derrubar a taxa futura de juros. E para quê? Para impedir perdas do capital financeiro que investiu em ativos. Mas não para estimular esse capital financeiro a investir na economia.

 E ainda erra até nesse objetivo. No dia seguinte ao aumento da Selic, as taxas longas aumentaram, o dólar não caiu, porque os mercados são interligados e há a convicção de que a vacinação maciça melhorará a economia orte-americano, provocando uma valorização do dólar e um aumento nas taxas de juros do FED (o BC americano).

Em suma, a grande virada na economia se dará quando algum governante colocar no Ministério da Economia uma personalidade com conhecimento e foco no mundo real. E colocar os economistas no seu devido lugar: de assessores, para medir impactos financeiros de medidas, e nada mais.

Luis Nassif

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