A polêmica gestão de Rossieli Soares, mantido na Educação do Pará sob protestos e pressões

Carla Castanho
Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN

Secretário investe em educação à distância em detrimento do presencial, desvalorizando professores; comunidade indígenas são afetadas

Foto: José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

Após mais de 20 dias de greve dos professores do Pará pela revogação da Lei 10.820/2024, ainda há um fio desencapado: a manutenção do cargo do secretário de Educação, Rossieli Soares, pelo governador Helder Barbalho (MDB).

Ao longo da matéria, o GGN irá explorar a gestão do secretário Rossieli Soares na Educação, marcada pela expansão do ensino virtual em áreas remotas do estado, onde a precariedade da infraestrutura impacta diretamente comunidades indígenas. Paralelamente, um contrato de mais de R$ 70 milhões foi firmado com a Starlink para fornecer internet via satélite às escolas públicas do Pará, enquanto a valorização dos professores sofre retrocessos. Tudo isso em meio a suspeitas de manipulação nos dados do IDEB, que saltou da 26ª para a 6ª posição em apenas dois anos.

O GGN conversou com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), que está à frente da tentativa de diálogo com o governo do estado para que os direitos dos docentes e dos estudantes não sofram um retrocesso com a nova lei, revogada na última quarta-feira, que altera o Estatuto do Magistério substituindo o plano de carreira dos profissionais e impõe o ensino remoto em comunidades indígenas e quilombolas sem infraestrutura adequada [entenda abaixo].

De acordo com a coordenadora-geral do órgão, professora Conceição Holanda, os docentes entraram em rota de colisão com Rossieli Soares porque, além da “má gestão”, o secretário não toma a iniciativa de dialogar com os representantes da Educação e mantém uma “postura autoritária, que é marca de sua gestão”. 

“Seria muito infeliz o governo tentar manter alguém que não dialoga, que é autoritário. E não dialoga só com o sindicato, não. Com as universidades, todo e qualquer segmento que peça para conversar com ele, ele simplesmente ignora”.

De acordo com sindicalistas e defensores da Educação consultados pelo GGN, a administração de Rossieli na Educação do Pará apenas reflete suas ações — e omissões — de sua atuação em São Paulo e no Amazonas.

A gestão Rossieli na Educação

Mestre em Gestão e Avaliação Educacional, Rossieli Soares foi ministro da Educação em 2018, no governo de Michel Temer (MDB), e atuou como secretário de Educação nos estados do Amazonas e São Paulo, onde foi nomeado, em 2019, pelo então governador João Doria (PSDB). Em 2022, deixou o cargo no governo paulista para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados, mas não foi eleito.

Indicado pelo governador do Pará, Helder Barbalho, Rossieli se destacou pela gestão em São Paulo, principalmente pela expansão das escolas de tempo integral. Durante seu período à frente da educação paulista, o número de unidades desse modelo quintuplicou. No entanto, a expansão acelerada trouxe desafios, como a falta de vagas na capital paulista e o aumento do déficit de professores nas escolas estaduais. Ele próprio chegou a classificar a situação como uma “tragédia para a educação”, em 2019.

Defensor do ensino remoto, Rossieli teve um papel importante na reformulação do Novo Ensino Médio, sancionada em 2017. Como ministro da Educação, também homologou a etapa do Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2018, que amplia a grade curricular para outras disciplinas, os chamados itinerários formativos, diferentes das de formação básica.

O professor e deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) classificou a gestão de Rossieli em São Paulo como “cruel e desastrosa”. Em sua avaliação, Rossieli destruiu a carreira do magistério e prejudicou ainda mais os profissionais da educação.

“Ele criou uma nova carreira que diminuiu ainda mais a categoria. Implantou escolas de tempo integral sem estrutura, apenas para tentar reeleger Doria, e depois saiu para ser deputado federal. A gestão dele foi desastrosa para a educação em São Paulo, com vários retrocessos que contribuíram para a decadência do ensino no estado”, afirmou Giannazi.

Defensor do ensino remoto em áreas precárias, e defensor do ensino presencial na pandemia

Defensor do ensino remoto e profissionalizante, Rossieli Soares diverge de opinião quando o contexto é pandêmico. Em 2021, chegou a dizer, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, que há estudos que comprovam que “a criança que frequenta a creche tem menos contaminação que aquela que não vai”, defendendo a reabertura das escolas, à luz de casos como Dinamarca e Noruega, que indicaram que a reabertura das escolas – que adotaram medidas rigorosas – não levou a um aumento expressivo de casos entre crianças.

No entanto, isso dependia de condições que não eram realidade no Brasil, como baixa transmissão comunitária e infraestrutura adequada nas escolas. Além do fato de a comunidade científica global nunca ter chegado a um consenso de que a volta às aulas reduziria o contágio, pelo contrário.

Em relação à herança da gestão no Amazonas, Rossieli Soares foi condenado pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) em 2017 a devolver R$ 2,2 milhões aos cofres públicos por pagar obras de escolas que não foram realizadas. 

Em 2019, o MPF processou-o por improbidade administrativa e dispensa ilegal de licitação em contratos de transporte escolar, no período de 2013 a 2015, destinando recursos do Fundeb de forma irregular. À época, Rossieli justificou o uso das Associações de Pais, Mestres e Comunitários (APMCs) devido à inadimplência de prefeituras.

Entenda a luta dos docentes pela revogação da lei

Após mais de 20 dias de manifestações, na última quarta-feira, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), decidiu revogar a Lei 10.820/2014, que faz alterações no Sistema de Organização Modular de Ensino, o Some, que possibilita o acesso ao ensino básico em áreas remotas do estado.

Por meio deste programa, os professores recebem uma gratificação mensal além do salário para arcar com os custos de deslocamento, hospedagem e comida, por exemplo, no valor de R$ 7.000, e poder oferecer aulas presenciais nas aldeias. Agora, com a nova lei, esse valor pode variar para a partir de R$ 1.000, o que inviabiliza as aulas presenciais. 

Prova dessa substituição, explica a coordenadora-geral do Sintepp, está no Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep), modalidade de ensino à distância implementado nas escolas da rede pública do Pará – já posto em prática – que proporciona videoaulas aos alunos.

Neste imbróglio, um documento lança luz às intenções do governo do estado e pode ser verificado no contrato da SEDUC nº 29/2024, de R$ 71.445.000, que versa sobre uma parceria com a Starlink — uma das empresas do bilionário Elon Musk — para a contratação de internet via satélite a fim de atender as unidades da rede pública de ensino do Pará, por pelo menos cinco anos, contados a partir de maio de 2024.

Quem se aventurar a ler o contrato milionário de mais de 130 páginas, disponibilizado em primeira mão pelo repórter investigativo Adriano Wilkson, ao qual o GGN teve acesso, irá se deparar com uma justificativa técnica que comprova a finalidade da parceria entre a Secretaria da Educação do Pará e a Starlink. Veja um trecho abaixo:

Captura de tela do contrato da SEDUC-PA com a Starlink, no valor de R$ 71.445.000.

Conforme reportagem da Agência Pública, aqui, há casos em que uma videoconferência é disponibilizada a 80 salas de aula de forma simultânea em diferentes cidades, com apenas um professor mediador de uma disciplina aleatória para sanar possíveis dúvidas.

“O contrato da SEDUC com a Starlink é cristalino, ali está escrito que o governador Hélder Barbalho e o secretário Rossieli Soares talvez nunca tenham coragem de dizer em público”, diz o jornalista em suas redes sociais. “O governo descobriu que ele não precisa mais contratar professor, ou pagar bem professor, construir ou reformar escolas, ele pode se tornar uma produtora de conteúdo online. Sai mais barato e você não precisa ficar lidando com professores”, conclui Wilkson.

De acordo com o documento, o serviço contratado se diz mais eficiente e a forma “economicamente mais viável capaz de conectar as unidades mais remotas bem como também promover num curto prazo a universalização dos serviços banda larga em qualquer parte do Estado do Pará”. 

A nova modalidade, no entanto, segundo os docentes, torna o estudante refém de aproveitar ao máximo a videoconferência em sala e de sanar as possíveis dúvidas com o mediador, isso quando não há interrupções nas transmissões.

Vale lembrar que o Pará é o terceiro estado com menos acesso à internet no país, atrás apenas de Maranhão e Acre, segundo o IBGE, o que ilustra a contradição ao impor, de forma repentina, internet via satélite em escolas sem infraestrutura sequer para o básico, em detrimento de professores no local para auxiliar os alunos de forma humanista e lidar com as dificuldades.

A liderança Munduruku, Alessandra Korap, chegou a manifestar o descontentamento da comunidade indígena com a nova lei. “Os alunos estão sendo abandonados, os professores também. Aula on-line não serve pra gente porque muitos alunos não falam português. Isso é violação de direito, é violação da nossa cultura”.

É importante ressaltar que muitas aldeias ainda carecem de energia elétrica e dependem de geradores movidos a diesel para suprir o básico, realidade que, a longo prazo, gera custos elevados e impactos ambientais significativos, afetando diretamente as condições de vida dessas comunidades, em áreas como saúde e educação.

Em meio à crise na Educação: o salto no IDEB e o estado da COP30 em 2025

O Pará foi escolhido para sediar a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) neste ano, em um contexto desafiador, marcado pela maior taxa de desmatamento na Amazônia em 2024, conforme dados do sistema Prodes, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Para Conceição Holanda, “não investigam as queimadas, por exemplo, que todos sabem serem criminosas. Não prendem ninguém. O governo está muito alinhado com o agronegócio, com aqueles poderosos que sempre dominaram o estado do Pará e levaram suas riquezas para fora”.

Por outro lado, houve um salto no campo da educação: o estado registrou um salto significativo no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), subindo da 26ª (2021) para a 6ª posição (2023). O GGN conversou com o professor Mateus Ferreira, coordenador-geral do SINTEPP, para entender o que poderia ter causado esse avanço inesperado.

Aprovações automáticas

Um fator importante citado pelo professor Ferreira foi a alteração no Regimento Unificado da Rede Estadual de Ensino da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC/PA), estabelecido pela Resolução nº 284, de 17 de agosto de 2023.

Segundo ele, essa mudança fez com que todos os alunos fossem automaticamente aprovados, independentemente do desempenho. “Esse regimento escolar, que entrou em vigor no ano da última avaliação, fez com que todos os alunos da Rede Estadual de Ensino fossem aprovados, independentemente do resultado”, explicou.

Captura extraída da Resolução nº 284, de 17 de agosto de 2023

Frequência Escolar e Estratégias de Recuperação

Outro ponto relevante é a alteração no sistema de controle de frequência escolar. Agora, os dados inseridos no sistema garantem que todos os alunos apareçam com mais de 75% de presença, o que impede reprovações. Além disso, o modelo de Recuperação Paralela e Progressiva (RPP) assegura que até alunos com menos de 75% de presença não sejam retidos. O RPP é uma estratégia pedagógica que varia de acordo com cada estado e rede de ensino.

Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Além disso, Ferreira destacou que os alunos com idades entre 16 e 17 anos são “automaticamente matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA)”, o que os exclui da avaliação do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), e, assim, “não entram no processo de avaliação do IDEB”, afirmou. De acordo com o regimento interno de 2021, a idade mínima para matrícula em cursos de ensino fundamental e médio é de 15 e 18 anos, respectivamente.

Falta de Treinamento e Projetos Especiais

Segundo o professor, outro fator que influenciou o resultado do IDEB foi a falta de treinamento para os professores das avaliações do IDEB. No ano da avaliação, o governo contratou profissionais de língua portuguesa e matemática e criou o projeto “Reforço Escolar do IDEB”, no qual os alunos “foram praticamente obrigados a participar do processo de avaliação do SAEB, algo que nunca havia ocorrido antes no estado”, comentou.

Dados Inflacionados e Desistências Não Informadas

Por fim, o professor ressaltou que as escolas não informavam a quantidade real de alunos que desistiam ou abandonavam os estudos, o que também contribuiu para o salto no IDEB. “Tudo isso colaborou para que o Pará apresentasse um resultado inflacionado, como o IDEB que está sendo divulgado agora”, concluiu Ferreira.

O GGN entrou em contato com a Secretaria da Educação do Pará para um posicionamento de Rossieli Soares mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno. O espaço segue aberto.

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