A inconcebível condenação do ex-presidente Lula e por um MP menos punitivista, por Afrânio Silva Jardim

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Empório do Direito

A inconcebível condenação do ex-presidente Lula e por um Ministério Público menos punitivista. Três reflexões em forma de crônicas

por Afrânio Silva Jardim

1) A CONDENAÇÃO DO EX-PRESIDENTE LULA É TECNICAMENTE INSUSTENTÁVEL. 

Não deixemos que o tempo nos faça esquecer. Não deixemos que o tempo nos torne resignados. Não deixemos que o tempo nos atropele. 

Depois de diversas atividades acadêmicas e de algumas viagens pelo país, retornei à leitura dos trabalhos doutrinários e teóricos que compõem o excelente livro “Comentários a uma sentença anunciada. O processo Lula”. 

Já estou no final e ainda não enfartei!!! 

Bom, eu já tinha sobrevivido quando constatei, e demonstrei em várias oportunidades, a total e clara incompetência (no aspecto técnico e processual) do juízo da 13ª Vara Federal para processar e julgar o ex-presidente Lula pelos supostos crimes que lhe são imputados através da confusa e complexa denúncia do Ministério Público Federal (que está inaugurando uma nova forma de redigir esta peça acusatória: cuida-se da “denúncia dissertativa” ou “denúncia petição inicial do processo civil” …) Cuido da incompetência do juízo da 13ª.Vara Federal no texto que vai logo abaixo. 

Na verdade, a cada texto que acabo de ler, eu fico indignado e revoltado, mormente como professor de Direito. Fico surpreso, também, como, neste interregno de outros afazeres, tinha até me esquecido um pouco deste deletério momento para a nossa vida jurídica, para o nosso Estado Democrático do Direito. 

Por isso, este meu alerta: não vamos nos esquecer de nada, não podemos nos acomodar com nada. Não poderemos dizer, ao depois, que voltamos a ser surpreendidos por esta ou aquela decisão judicial. A crítica deve ser permanente, a crítica deve ser perene. A luta pela Justiça e pelo Direito não pode cessar nunca … 

Por isso, não resisti à tentação e estou aqui fazendo este desabafo, mormente após a leitura do magnífico texto dos doutores Maurício Stegemann Dieter e Jacson Zilio, ambos professores de Direito Penal e Criminologia na USP e na UFP. O título do trabalho é: Breve análise de uma sentença “sui generis” e se encontra a fls.376/390 da supra citada obra. 

Na verdade, se algum dos desembargadores federais, que irão julgar a apelação do ex-presidente Lula, proceder à leitura atenta deste texto, não terá a menor dúvida em absolver o referido réu, estando este magistrado de boa-fé, como é de se esperar. 

Em resumo: como tantos outros textos constantes do aludido livro, este, que acabo de louvar, destrói totalmente a sentença prolatada pelo juiz Sérgio Moro, no aspecto estritamente jurídico. 

Pode-se dizer que ele não deixa “pedra sobre pedra”, demonstrando todos os equívocos da sentença condenatória do ex-presidente Lula, mas tem um perigoso efeito colateral, pois aumentou a minha indignação e revolta, por isso que, antes de sentar aqui no computador para desabafar, tomei mais uma dose do meu costumeiro remédio para o coração, como “medida cautelar inominada”, pois, como diz o povo, “ninguém é de ferro” … 

2) A INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA:  JUIZ SÉRGIO MORO.

 Lanço aqui um DESAFIO !!!  

Mesmo para os leigos em Direito. 

DUVIDO QUE ALGUM PROCURADOR DA REPÚBLICA DEMONSTRE ESTA CONEXÃO. FICA AQUI O MEU DESAFIO TAMBÉM PARA ELES !!!

Que hipótese de conexão do artigo 76 do Cod. Proc. Penal existe entre o crime de lavagem de dinheiro, praticado pelo doleiro Alberto Youssef, através do Posto Lava Jato, sito no Paraná, e os crimes atribuídos ao ex-presidente Lula, que teriam sido praticados em São Paulo ???

Código de Processo Penal.

“Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.”

O juiz Sérgio Moro não diz, não explica, não demonstra. Ele apenas assevera que os processos contra o ex-presidente Lula são da sua competência, porque conexos com aquele processo originário e outros mais. Meras afirmações, genéricas e abstratas.

A Constituição da República dispõe expressamente, em seu artigo 5 que:
“Inciso LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Ressalto que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que sejam todos já genuinamente competentes.

Como uma incompetência tão flagrante e acintosa pode perdurar em um país sério ???

Note-se que, aqui, sequer estamos pondo em questão a própria competência (ou incompetência) do juiz Sérgio Moro para aqueles processos originários, que teriam “atraído” os demais crimes para a 13a.Vara Federal de Curitiba.

De qualquer forma, é importante notar, tendo em vista o art.109 da Constituição Federal, que:

a) A Petrobrás é uma sociedade empresária de direito privado (economia mista);

b) A competência da justiça federal é prevista, taxativamente, na Constituição Federal, que leva em consideração o titular do bem jurídico violado pelo delito e não a qualidade do seu sujeito ativo;

c) A prevenção não é fator de modificação ou prorrogação de competência, mas sim de fixação entre foros ou juízos igualmente competentes.

Relevante salientar, ainda, que, no processo penal, a conexão ou continência se dá entre infrações penais e não entre processos. 

3) O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO DEVE SE TRANSFORMAR EM UM ACUSADOR SISTEMÁTICO. 

MENSAGEM PRINCIPAL DESTE NOSSO TEXTO: o ser humano não pode deixar de ser o centro de tudo. O valor justiça não pode ser abandonado. O humanismo não pode ser abandonado. A moderação não pode ser abandonada. Quando for preciso endurecer, não percamos a ternura, jamais, (parodiando Che). 

A realidade é muito instigante e nos faz refletir. Ela desperta a nossa consciência e também, em uma perspectiva mais crítica, nos faz ver melhor a verdade que se oculta por trás dos fatos e atos do nosso cotidiano. 

Recentemente, foram amplamente divulgadas, pela grande imprensa, algumas notícias que, se bem compreendidas, demonstram que o nosso “sistema de justiça penal” está ideologicamente assumindo “partido”. Vale dizer: “escola sem partido” e “justiça penal com partido” … 

Como tenho constantemente salientado, a estratégia punitivista de se socorrer da grande mídia para lograr punições, previamente desejadas, está dando bastante “certo”. Tudo está virando um grande espetáculo … 

O importante já não é mais a realização do valor justiça. Agora, o importante é “condenar corruptos”, colocando alguns em clausura e outros em “prisão” domiciliar, em suas belas mansões. Há muita hipocrisia nisto. A liberdade das pessoas está virando “mercadoria”, objeto de troca em negócios jurídicos processuais! 

Aliás, esta estratégia perversa, encontra agora um “terreno fértil”, pois os nossos órgãos de persecução penal e do Poder Judiciário, com as costumeiras exceções, são compostos por pessoas de formação conservadora, acríticas e, por vezes, profundamente elitistas. 

A falta de cultura geral torna polícias, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário em “presas fáceis” do autoritarismo, de posturas simplistas e mais voltadas para o “senso comum”. 

Na verdade, são raros os profissionais do Direito que, aprovados nos respectivos concursos públicos, continuam estudando e lendo sistematicamente. Os motivos desta “letargia” são vários e não cabe aqui elencá-los e comentá-los. 

De qualquer forma, entendo que há um certo despreparo para o desempenho mais consequente destas relevantes funções, mormente quando se deflagra um ativismo judicial desmedido, quando se busca ampliar a discricionariedade no processo penal e quando somos dominados pelo poder econômico, que se utiliza da grande imprensa para padronizar comportamentos e pensamentos conservadores. 

O pior é que as pessoas não se dão conta disso. Os próprios protagonistas desta grave situação não se dão conta disso. Muitos agem, ou se omitem, sem perceberem a quem estão servindo. 

Aqui, afasto-me do academicismo, de enfoques herméticos e formas de escrita rebuscadas. Não me move qualquer pretensão de demonstrar erudição, aprofundando temas para exibir uma cultura que efetivamente não possuo. 

Na verdade, o momento de crise social que estamos vivenciando exige que estejamos presentes “na luta” e não dela distantes com “elucubrações abstratas”, que não têm qualquer conexão com a vida das pessoas. 

Nós, do Direito, também precisamos nos tornar ativistas e militantes em prol de uma sociedade verdadeiramente justa. Aposentado no Ministério Público, assumo o pretensioso cargo de promotor de justiça social … 

Dentre outros, um dos aspectos mais negativos da atuação dos Procuradores da República de Curitiba, que fazem parte da “Força Tarefa da Lava Jato”, é que eles pensam que o Ministério Público deve assumir uma “obrigação de resultado” no processo penal.

Desta forma, atuam como se fossem “advogados de acusação”. 

Por tudo isto, é imprescindível respeitar o princípio do “Promotor Natural”. Sem a necessária impessoalidade, o Ministério Público pode se transformar em promotor de injustiça. 

Em meus 31 anos do Ministério Público no E.R.J., sempre tive compreensão distinta: a nossa “obrigação é de meio e não de resultado”. Vale dizer, devemos atuar com absoluta diligência, empenho, seriedade, ética e competência no processo penal. O resultado desta atuação fica por conta do Poder Judiciário. 

Nunca persegui réus e nunca tive interesse em atuar neste ou naquele processo específico, mesmo em se tratando do Tribunal do Júri. A atuação dos membros do Ministério Público deve ser impessoal e desinteressada. 

Acho que este é o grande equívoco do atual Ministério Público, que achou por bem “combater” isto ou aquilo. Fazendo o papel de polícia judiciária, passa a ver tudo com “olhos” de polícia. 

Ademais, o Ministério Público, ao se envolver com a mídia e se preocupar com opinião pública, julga ter de alcançar resultados persecutórios determinados, para não se desmoralizar. Desta forma, perde o necessário equilíbrio. 

Enfim, o Ministério Público está deixando de ser o verdadeiro Ministério Público, que deve se limitar a promover efetiva justiça, e não ser um “heroico e messiânico combatente” de crimes.

Polícia é polícia, Ministério Público é Ministério Público!

Afrânio Silva Jardim – Professor associado de Direito Processual da Uerj, Mestre e Livre Docente de Direito Processual (Uerj), Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. O processo é “excepcional”

    O processo é “excepcional” como bem disse o trf4

     

    ou seja, é de exceção, não escondem isso, o inacreditável é deixarem esses abuso seguir adiante com pessoas presas sem condenação, quem tem que responder são os tribunais superiores, não os de curitiba, por que ali não há salvação, mas os de brasilia….. 

  2. Dando pitaco no título da matéria

    Li o título duma olhada só e me pareceu que o Lula foi condenado por um MP menos punitivista.

    Ficou esquisito. Juntou num só parágrafo duas  idéias conflitantes , uma desmentindo a outra.

    No mérito:

    Ouso dizer que para o exercício da atividade judicial no ministério público, o servidor, normalmente já traz em si o perfil punitivista. Se não tiver o justo equilíbrio em sua personalidade, sempre acabará cometendo abusos persecutórios.

    Sobre a incompetência:

    É de se saber a extensão dos poderes atribuidos ao juiz moro e sua equipe, e se esses  obedecem ao instituido pela Constituição.

    Alerta como é a defesa do Lula já teria provocado exceção de incompetência aos tribunais.

    Sem a presença do processo e seus fundamentos, fica difícil opinar.

    1. … Some-se a isso uma

      … Some-se a isso uma “tioria” política de jornal e revista… Danou-se!

      O diagnóstico da “Judicialização da Política e das Relações Sociais” foi feito na década de 90, pelo pessoal do IUPERJ. Apontavam, nas palavras de Werneck Vianna, que “teríamos muitas surpresas” com esse pessoal [do Direito, de uma forma geral].

      Perceberam também em “O Perfil do Magistrado Brasileiro” e “Corpo e Alma da Magistrratura”, entre outras coisas, que 80% dos magistrados vinham de famílias das classes mais baixas.

      Imagino as “surpresas” que estão tendo agora. 

      Eu n unca me iludi. Tenho testemunhas.

  3. palavras ….

    A mim , parece que já estão completamente gastas, não há mais o que dizer.

    Poderes podres e poderosos infestaram nosso país.

    Não existem mais Genuinos , Dirceus , Marighelas , Lamarcas , Dilmas etc.

    Sobraram os mocinhos belos e cheirosos, quase sempre com diplomas fora do país. Que usam as palavras como se decoradas de alguma apostila ou até mesmo retiradas de redes sociais. Sem nenhum sentimento humano , a não ser o ódio e a certeza absoluta de que estão certos.

    Como chegamos a este ponto de degradação ????

  4. Preso a uma tese equivocada ou doentia.
    O grande e perigoso problema de se sustentar uma tese alicerçada unicamente da força midiática é a impossibilidade crescente de se dissociar dela mesmo quando os fatos determinam.

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