
Um assassinato em Goiás, cujos investigados respingam no núcleo familiar e político do governador Ronaldo Caiado (União) e do recém eleito prefeito Márcio Corrêa (PL), vem abalando o noticiário regional, está longe de trazer todas as respostas e poderá rifar as intenções nacionais de figuras políticas locais.
Trata-se do assassinato do empresário Fábio Escobar, já conhecido por suas ligações com a família Caiado, que apareceu morto, em junho de 2021. A Polícia Civil e o Ministério Público de Goiás concluíram que Escobar foi assassinado por vingança. Nesta semana, a investigação ganhou novos contornos sob o risco de sair da alça da Justiça goiana, onde Caiado e o prefeito detêm influência, e poderá ser federalizado, ou seja, ser investigado a nível nacional.
Entenda o caso
Fábio Escobar trabalhou na campanha eleitoral de Caiado em 2018, ao lado do ex-presidente do Democratas, Carlos César de Toledo, o Cacai. Após ser eleito, Cacai tornou-se assessor do governador de Goiás e Escobar teria ficado “inconformado” por não receber um posto no governo, segundo a denúncia. Como reação, ele passou a acusar Cacai de desvios de dinheiro na campanha, o que teria motivado o crime.
Com Cacai apontado pela autoria intelectual da morte, o governador Ronaldo Caiado e seu entorno isolaram a responsabilidade do assassinato no político. Nos últimos 3 anos, contudo, novas provas colhidas pelos próprios investigadores aproximaram o crime ao governador Caiado e ao prefeito eleito de Anápolis, Márcio Corrêa (PL) [detalhes abaixo].
No início deste ano, as incoerências do caso que tramita na 1ª Vara Criminal de Anápolis chamaram a atenção do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que catalogaram a investigação como “casos de grande repercussão”.
A partir de então, as apurações do Ministério Público estadual e da Polícia Civil de Goiás passaram a ser acompanhadas de perto pelos órgãos de fiscalização. Essas suspeitas de influência do núcleo político do governo, ainda, motivaram um pedido à Procuradoria-Geral da República (PGR), ingressado nesta semana, para que o caso seja conduzido pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF) na Justiça Federal.
Laços com o prefeito do PL
A ligação do prefeito eleito de Anápolis, Márcio Corrêa (PL), com o assassinato de Fábio Escobar foi explorada durante a campanha eleitoral pelo atual prefeito Roberto Naves (Republicanos).
Ele havia exposto que o apontado executor do crime, Welton Vieiga, foi segurança do candidato do PL. “Os policiais militares que estão presos lá na prisão da Polícia Militar faziam parte da segurança de Márcio Corrêa”, declarou Naves, durante a sua campanha à reeleição de Anápolis, este ano.
Assim como Corrêa, o atual prefeito também foi arrolado como um dos suspeitos iniciais no caso, por também ter pessoas em comum investigadas no crime. Em uma coletiva de imprensa, em setembro deste ano, Naves relatou que tinha provas de que Vieiga era segurança pessoal do prefeito eleito pelo PL.
“Tudo que eu estou falando aqui, por isso que eu chamei a imprensa, eu tenho provas, só que tudo isso está sob segredo de justiça, então algumas provas eu não poderia apresentar hoje, mas vai ficar gravado e assim que o inquérito for encerrado, eu apresento tudo o que eu estou dizendo”, disse Naves, na ocasião.
Mas o percurso das investigações indicariam, ainda, que no celular do ex-PM Welton Vieiga estariam mensagens do acusado assassino de Escobar que mencionavam Márcio Corrêa. A informação foi divulgada pelo portal Vero Notícias, que sofreu um bloqueio do conteúdo pela Justiça Eleitoral, alegando prejudicar o candidato, sem a devida comprovação. O jornal local publicou o que seriam trechos das mensagens, nas quais denotava intimidade entre Vieiga e Corrêa.
Além de Vieiga, outro PM preso, Thiago Machado, era motorista e também segurança pessoal de Márcio Corrêa. Ainda, Corrêa teria visitado na cadeia os policiais militares, acusados do assassinato de Escobar. A visita, que teria ocorrido em outubro de 2023, segundo uma sindicância interna, não foi registrada no livro de visitas a presos.
O então candidato e agora prefeito eleito de Anápolis nega as acusações.
Na Justiça, para solicitar a retirada da matéria do ar, Márcio afirmou que as supostas mensagens tinham como base “documento sigiloso e apócrifo” e que representariam “falsidade” e “descontextualização das informações”, e que o então candidato não é investigado em inquéritos.
Investigações se aproximaram da família Caiado
Em março deste ano, o Ministério Público de Goiás também chegou ao primo do governador, Jorge Caiado, acusando-o de colaborar com o planejamento do assassinato.
Para os promotores, ainda enquanto era assessor da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), Jorge detinha influência dentro da Secretaria de Segurança do governador e usou de seu poder para “incentivar” e “prestar auxílio” na execução do crime.
Segundo os investigadores, Jorge, o primo do governador, teria ligado para o comandante da ROTAM (Rondas Ostensivas da Polícia Militar) em Goiânia, Benito Franco Santos, pedindo que ele “resolvesse” a “situação de ameaças sofridas por Cacai”, em referência às acusações feitas por Escobar nas redes. Em seguida, Jorge também apresentou Cacai ao policial militar que teria comandado o crime, Welton da Silva Veiga.
Na ocasião do assassinato, três policiais militares foram presos, acusados de terem executado a morte: Glauko de Oliveira, Thiago Machado e Erick da Silva. Os três, segundo o Ministério Público, teriam sido orientados por Vieiga – que foi morto durante mandado policial [entenda mais abaixo] – na execução do crime.
Assim como ocorreu com Cacai, que foi coordenador de campanha de Caiado ao governo do Estado, quando as investigações chegaram ao primo, o governador também adotou o isolamento do familiar no curso das acusações.
No mês passado, Jorge Caiado chegou a pedir para que Ronaldo Caiado fosse intimado como sua testemunha no processo, em sinal de pressão ao governante pelo isolamento.
Ainda na primeira fase de levantamento de provas, o Ministério Público de Goiás também revelou uma troca de mensagens entre a vítima assassinada e o próprio governador.
Na mensagem, o empresário admite a Caiado que iria apagar as acusações feitas nas redes sociais contra Cacai e afirma que temia por sua vida. A mensagem foi uma das principais ferramentas de sustentação da teoria da Polícia Civil de que Cacai seria o mandante.
Mas, apesar de não o arrolar no crime e, aparentemente, indicar certa cumplicidade de Escobar com Caiado, a mensagem nunca foi respondida pelo governador, segundo a própria esposa do empresário, conforme ela narrou, posteriormente [mais detalhes abaixo].

Em novembro, o jornal local Vero Notícias obteve a confirmação de que aquela não foi a única troca de mensagens entre o empresário assassinado Fábio Escobar e o governador de Goiás.
Segundo o jornal, diversas mensagens no celular de Escobar foram “apagadas pela Polícia Civil do estado” no mesmo dia da morte do empresário, inclusive as de Caiado.
Manipulação de provas e mensagens apagadas
O apagamento de mensagens, no que seria uma manipulação de provas por parte dos próprios investigadores, teria sido comprovado em relatório técnico do setor de Inteligência do Ministério Público de Goiás, enviado ao GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). O documento foi exposto em noticiário local.

Nos depoimentos que ocorreram durante o julgamento, desde outubro deste ano, a esposa de Fábio Escobar confirmou que ele mandou mensagens para o governador, e o pai do empresário alertou para a manipulação da investigação.
Na audiência, Daniel Lima Pessoa, coordenador do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MPGO, questionou à viúva Jéssica Escobar se Fábio apoiou alguém para a eleição a governador e “se ele chegou a cogitar e conversar com o governador” sobre as denúncias que ele fez ou ameaças, antes de ser morto.
Jéssica confirmou que Escobar apoiou Caiado nas eleições 2018, que ele recebeu um áudio de ameaças, porque “ele estava abrindo a boca demais”, e que “ele mandou uma mensagens para o número do governador [Caiado], temendo pela vida dele”.
E a manipulação do celular de Escobar, com o apagamento de mensagens, foi narrada pelo pai da vítima.
“A gente já tinha informação que esses PMs já tinham alterado a cena do crime. Já tinha ido lá, vasculhado. Quem me falou isso, que eu mantenho em segredo, foi um agente da Polícia Civil. Mexeram no celular do meu filho, que era o único instrumento de prova do crime”, disse.
No mês passado, em outro depoimento das audiências, a advogada Rosângela de Almeida afirmou que as mensagens apagadas do celular de Escobar chegaram a ser confirmadas em perícia. Almeida faz a defesa de dois policiais presos e citou o episódio:
“O telefone da vítima foi entregue a um policial civil. E nós sabemos, agora com a perícia, que vários dados foram apagados do telefone da vítima logo após a morte”, narrou.
O representante da GAECO, presente na audiência, interrompeu a advogada Rosângela, pedindo que ela “esclarecesse” a tal perícia, já que “não é de conhecimento do Ministério Público”.
Após a manifestação do MPGO, o juiz que conduziu a audiência confirmou que não havia “documento” de análise, referindo-se à perícia, da suposta manipulação do celular da vítima, que somente foi compartilhado com o juízo, nos autos, o “espelhamento” da extração dos dados do celular.
Após as interrupções, a advogada reformulou a fala e disse que “existem nos autos ‘prints'” de conversas que foram apagadas posteriormente.
Investigadores de Goiás silenciam manipulação de provas
A possível manipulação do celular da vítima teria sido apontada em relatório da Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência (CSI), do MP de Goiás. No documento, os investigadores da Procuradoria expõe arquivos que foram apagados do celular de Escobar.
Conforme exposto na audiência junto às testemunhas, paralelamente ao julgamento do caso, o Gaeco do MPGO estaria levantando informações sobre a possível manipulação das provas por parte de policiais.
Em um depoimento específico, o delegado Thiago Torres, titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), que comanda a investigação dentro da Polícia Civil, disse que desconhecia a possível alteração dos dados do celular de Escobar.
Até o momento, contudo, o Ministério Público de Goiás não manifestou se há investigações internas e providências sobre os indícios de manipulação das provas.
No pedido recente de transferência do caso para a Justiça Federal, são apontadas a negligência dos investigadores de Goiás, além de “prevaricação” e “condescendência criminosa” por parte do próprio governador Caiado, com a suspeita de que ele teria utilizado a sua influência local para “favorecimento pessoal” na investigação.
Inconsistências e queima de arquivos
Em outras brechas da investigação, os investigadores ainda não conseguiram explicar inconsistências do caso, como o episódio no qual Fábio Escobar gravou um vídeo devolvendo um dinheiro de suborno de Cacai, mas que posteriormente ele teria aceito a quantia; a viúva, Jéssica Escobar, receber uma ligação de um dos policiais civis que investigavam inicialmente o caso, pelo celular do próprio marido, logo após a sua morte; e as diversas mensagens apagadas no celular de Escobar, que envolveriam o governador e outras figuras políticas do estado.
Além dessas inconsistências, importantes testemunhas foram mortas ao longo destes anos, deixando outros vazios nas investigações. A primeira delas, o sargento da Polícia Militar, Welton da Silva Vieiga, apontado como principal executor do crime, morreu em janeiro de 2023, após a Polícia Civil realizar um mandado de prisão em sua casa. A morte, apontada como “suicídio”, teria ocorrido com diversos disparos, em sua própria casa, durante o mandado de prisão.
A esposa de um traficante que recebeu o celular usado para atrair Fábio Escobar ao local onde foi morto, em 2021, também foi morta em junho daquele ano. O celular – uma das poucas provas materiais do caso – pertencia, originalmente, a Lucas Costa Lopes Moreira, que vendeu o equipamento ao traficante em troca de drogas. Lucas prestaria depoimento à Justiça neste mês de novembro, mas também foi morto, no dia 28 de agosto.
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O GGN contatou o Ministério Público de Goiás e a assessoria de imprensa do governador Ronaldo Caiado para manifestação dos indícios apontados. Até o momento da divulgação da reportagem, não obtivemos retorno. Guardamos o espaço para posicionamento futuro, caso seja enviado.
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Deixados a cargo da polícia e do Judiciário do feudo de Goiás, alguém imagina que quaisquer crimes que apontem ou minimamente sinalizem envolvimento do Duque Ronaldo Caiado e de validos de sua corte têm alguma perspectiva de dar em alguma coisa séria?
“Se gritar pega… não fica um, meu irmão”.