Auxílio-reclusão ou bolsa-bandido?

Há tempos, mais precisamente desde a campanha presidencial de 2010, tenho recebido vários e-mails com críticas a um benefício que o INSS paga “a presidiários”. Tenho-os respondido individualmente, com  o intuito de esclarecer, porém, muito recentemente, recebi um com a foto abaixo, de um empresário local que tem, no carro, um adesivo que mais parece um “banner” publicitário com os dizeres: “100% JESUS”.

                                                   

Meus poucos conhecimentos da Bíblia se concentram mais no Novo Testamento, e por isso acentou-se-me a impressão de que quem coloca estes adesivos no carro, o faz por “marketing”, não por devoção (ou fé).

Não existe, no Novo Testamento, qualquer discriminação por parte de Jesus, inclusive quanto aos presos.

Muito pelo contrário. Disse Ele: “Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome, e me destes de comer; estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me’. Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede, e te demos de beber? Quando foi que te vimos como forasteiro, e te recebemos em casa, sem roupa, e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?’. Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade, vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!’.(Mt 25, 31-46)

E aí lembro a todos que, apesar do jeitinho brasileiro, 99% não é 100%.

Eu não entendo muito de religião, por isso vou tentar explicar o que é o auxílio-reclusão, também chamado por alguns de “bolsa-bandido”, segundo os quais, uma obra do Lula.

O auxílio-reclusão é um benefício concedido pela Previdência Social, previsto no Art. 80 da LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991  (portanto, no governo Collor):

Subseção IX
Do Auxílio-Reclusão

 

Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

 

Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.

 

A primeira condição para que o benefício seja concedido é que, à época do recolhimento à prisão, o apenado goze da qualidade de segurado (pessoa que contribuiu para a Previdência Social, na forma dos artigos 11 a 15 da mesma lei). Portanto, os seus dependentes recebem o benefício não porque o segurado era ou tornou-se bandido (profissão que não é reconhecida pela Lei), mas, justamente pelo contrário, isto é, é devida APENAS quando o detento, por ocasião da reclusão, estava trabalhando com vínculo empregatício ou contribuía para a Previdência como autônomoou, mesmo não contribuindo, guardava a qualidade de segurado, na forma do III, Capítulo I, Seção I da Lei N.º 8.213/1991.

 

A segunda condição é que, por força do Art. 116 do DECRETO No 3.048, DE 6 DE MAIO DE 1999,  “O auxílio-reclusão será devido […] aos dependentesdo segurado […], desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais)”,valor este atualizado pela PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 02, DE 06 DE JANEIRO DE 2012: Art. 5º – O auxílio-reclusão, a partir de 1º de janeiro de 2012, será devido aos dependentes do segurado cujo salário-de-contribuição seja igual ou inferior a R$ 915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos), independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas.

Portanto, não é pago por dependente (como diz um dos e-mails), mas ao grupo de dependentes, e este só receberá o valor equivalente ao último salário de contribuição (que não pode ser menor do que um salário mínimo nemmaior do que R$ 915,05). 

Assim, o benefício não é devido quando o salário de contribuição for maior que este valor, sendo inconcebível o cálculo de R$ 3.916,20 (três mil novecentos e dezesseis reais e vinte centavos), mencionado no mesmo e-mail, sendo este valor, na verdade, o maior salário de contribuição da tabela do INSS .

O autor do e-mail manifesta um elevado sentimento de indignação, mas embora esta seja uma questão subjetiva (ou de foro íntimo, como se diz no meio jurídico), não vejo motivo para tal, já que ninguém pode ser penalizado pelo crime de outrem, ainda que ele(a) seja seu(sua) companheiro(a) ou pai(mãe).

O legislador entendeu que penalizar os dependentes de uma pessoa que contribui para a Previdência através de trabalho honesto (ainda que o segurado seja ou passe a ser um criminoso, durante esta condição), seria desrespeitar o princípio constitucional expresso no inciso XLV do Art. 5.º da CF:

“XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;” 

Veja a defesa que Antônio Carlos Alencar Carvalho faz do benefício no site Jus Postulandi:

“VIII. O princípio da dignidade da pessoa humana

51. Ao contrário, o auxílio-reclusão é devido justamente porque o trabalhador não pode mais arcar com o sustento de seus dependentes. Por estar impedido de exercer o seu ofício, torna-se inviável a percepção de sua remuneração, o que afeta direta e intrinsecamente a estabilidade financeira daqueles que contam com seu suporte para o acesso aos bens da vida. Em termos práticos, deixa-se de receber o imprescindível ao pagamento dos estudos dos filhos, assistência médica da família, supermercado do mês, aluguel da casa, impostos devidos ao governo, dentre outras inúmeras obrigações…”

Vá lá que a pessoa sinta-se indignada (embora meio tardiamente, pois o benefício existe bem antes da Lei N.º 8.213/1991, tendo origem no art. 34 da Lei N.º 3.807 de 05 de setembro de 1960), e ache, como eu, que o valor do benefício da aposentadoria seja baixo (o que independe da concessão do auxílio-reclusão a quem faz jus), mas daí a interpretar uma Lei ao seu próprio gosto, criando um exemplo mirabolante, coincidentemente num ano eleitoral, faz-me lembrar um histórico “Ministro do Povo e da Propaganda” de meados do século passado.

Dou um doce para quem adivinhar que eu estou falando (de novo) do Goebbels.

A bem da verdade, como diz o meu amigo Roger, peço encarecidamente a todos que receberem e-mails sobre o benefício, com a mesma conotação do comentado acima, que encaminhem os remetentes e os seus contatos ao link desta página, para que eles possam ser melhor informados.

Um abraço,

APARECIDO BARBOSA

Redação

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