Banzo branco – a desesperança que mata e elege

Um duro artigo do El País mostrando uma faceta desapercebida é cruel da tragédia da crise econômica nos EEUU. A falta de esperança em um futuro melhor está matando os homens brancos pobres, mas ajudou a eleger Donald Trump.

 

Os americanos brancos estão morrendo – MOISÉS NAÍM

Um estudo que documenta por que a mortalidade nos EUA é maior entre os brancos com baixa escolaridade.

Nos Estados Unidos, os homens brancos de meia-idade com menos educação estão morrendo a um ritmo sem precedentes. Na verdade, a sua taxa de mortalidade é mais elevada do que os hispânicos ou negros da mesma idade e mesmo nível educacional.

A mortalidade dos brancos com menor escolaridade também é muito maior agora do que era até o início deste século. Este é um fenômeno exclusivamente americano. Em outros países desenvolvidos isso não acontece.

Essa é uma das conclusões de um importante estudo que acaba de ser apresentado em Washington pelo Prêmio Nobel de Economia Angus Deaton e Anne Case, uma proeminente economista da Universidade de Princeton e esposa Deaton.

Já em 2015, estes dois economistas haviam causado um rebuliço com um estudo que primeiro documentou o trágico aumento no número de mortes entre os americanos brancos sem curso superior.

Enquanto em 1999 a taxa de mortalidade desse grupo social era 30% menor do que a de negros com as mesmas características, em 2015, a mortalidade dos brancos foi 30% maior do que a dos afro-americanos.

Essa mudança nos EEUU reverte décadas de progresso. Durante o século passado, e ainda hoje, a mortalidade em todo o mundo tem diminuído na ordem de 2% a cada ano, em todos os países e em todas as categorias demográficas. Mas os americanos brancos sem muita preparação acadêmica são a exceção.

O que aconteceu?

Bem, nesse grupo, suicídios e mortes por overdose de drogas e por alcoolismo aumentaram dramaticamente. Os índices de mortes por câncer e doença cardíaca também pioram, bem como a obesidade.

Desde 2000, as mortes por essas causas entre os brancos não-hispânicos, entre 50 e 54 anos de idade, dobraram. E para 2015, esse índice de mortalidade apresentava uma taxa duas vezes maior que para mulheres brancas com as mesmas características e quatro vezes maior do que os homens brancos que chegaram a ir para a faculdade.

Uma explicação comum para esta tragédia é o desemprego que atingiu duramente esse grupo de trabalhadores, tanto por causa da crise, como pela globalização e automação da produção, que estão fazendo desaparecer empregos pouco qualificados.

Deaton e Case consideram não ter dúvidas de que o desemprego e a consequente queda na renda são fatores importantes. Mas segundo eles, essa explicação não é suficiente e propõem que o aumento da mortalidade dos brancos pobres nos EEUU tem “causas profundas”.

Como explicar que os hispânicos e negros que também perderam seus empregos e rendimentos aumentam a sua longevidade? Por que os trabalhadores europeus que foram vítimas da Grande Recessão de 2008 e das políticas de austeridade não apresentam a tendência de letalidade que afeta os trabalhadores brancos americanos?

Além disso, na Europa, a longevidade das pessoas com menos anos de escolaridade e menos receitas continuou a aumentar – e em maior velocidade do que para os europeus com o ensino superior.

“Morte por desesperança”

De acordo com os dois economistas, as causas mais profundas desse fenômeno têm a ver com o que eles chamam de “desvantagem cumulativa” – condições debilitantes e hábitos disfuncionais que esse grupo humano tem acumulado ao longo de sua vida como uma reação às profundas transformações econômicas e sociais.

Com frequência, começou com o abandono do ensino médio e entrada precoce no mercado de trabalho em tempos de empregos abundantes e salários atraentes. Mas essa “bonança de trabalho” foi extinta e outras mudanças na sociedade, tais como, o papel das mulheres, o aumento do divórcio e fragmentação da família e a mobilidade geográfica tornaram difícil a vida dos homens brancos e fizeram-no mais vulneráveis ao que Deaton e Case descrevem como “morte por desesperança”. São homens que não veem um futuro melhor para eles ou para suas famílias.

Essa desesperança causa grande sofrimento. Nos EEUU, a metade dos homens desempregados toma medicação para a dor e dois terços consomem opióides.

O abuso dessas drogas tornou-se uma epidemia grave. Em 2015, mais americanos morreram por overdose de droga que por armas de fogo e acidentes de trânsito. E a esmagadora maioria das vítimas? Homens brancos.

Duas questões finais:

Primeira: por que os homens hispânicos brancos com pouca educação formal e má situação econômica morrem menos?

Porque eles têm mais esperanças em ralação ao que o futuro lhes reserva. Eles não são sofrem pela perda de uma melhor situação econômica que tinham no passado. Eles nunca a tiveram. Para eles, o futuro só pode ser melhor. E para os seus filhos ainda mais.

Segunda: Qual é a reação política do homem branco estadunidense que sofre com altas taxas de mortalidade?

Votar em Donald Trump. Mais de 60% deles o fizeram.

 

PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia – os que acreditam que a terceirização trará aumento do número de empregos devem ser lembrados de que, durante o período escravagista no Brasil, por 350 anos, os escravos viveram em regime de pleno emprego desfrutando de um único direito trabalhista – o de morrer.

Redação

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