Cientistas mapeiam primeiras ocupações humanas na Amazônia

Jornal GGN – Uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil criou um mapa virtual de possíveis centros populacionais humanos antigos na selva amazônica usando um método estatístico que usa como variável a técnica de fertilização de solo conhecido como “terra preta”. Em artigo publicado na revista Proceedings of Royal Society, os pesquisadores descrevem como aplicaram informações de sítios arqueológicos com estatísticas para chegar a uma maneira de supor quando e onde outros sítios de população humana poderiam estar antes da chegada dos europeus.

O resultado do trabalho tenta responder uma das grandes dificuldades da ciência para entender como e onde se davam as ocupações humanas pré-colonização na bacia Amazônica. A densa selva, aliada à preponderância de solos pobres, sempre sugeriram que algumas áreas da região não poderiam ter suportado grandes grupos de pessoas, já que não haveria condições de haver agricultura.

Contudo, estudos recentes sugerem evidências (antigas estradas e métodos de terraplanagem) de que houve grandes assentamentos antigos de pessoas, algo que teria sido possível graças a uma técnica de enriquecimento do solo conhecido como “terra preta”: adição de nutrientes no solo naturalmente pobre para torná-lo fértil – método visto até os dias atuais.

O mapeamento encontrou poucos sítios arqueológicos, assim os pesquisadores ainda não têm certeza se tais áreas são, de fato, raras, ou se há outras similares escondidas no meio da selva. Para descobrir isso, os pesquisadores mapearam todas as áreas conhecidas de terra preta. Então, foram observados detalhes geográficos de cada local. Os cientistas descobriram que havia algumas possíveis correlações entre eles, como, por exemplo, a proximidade com penhascos e vistas para rios.

Usando essas informações, eles aplicaram a análise estatística dos mapas da área para sugerir onde poderiam haver outros locais similares, também com terra preta e em condições geográficas parecidas. Os resultados indicam que mais de 3% do total de bacia Amazônia pode estar escondendo áreas de terra preta e, consequentemente, sítios de antigas ocupações humanas.

A equipe ainda não fez testes para validar as novas áreas sugeridas pelos cálculos, por isso ainda não se sabe o quão preciso os palpites podem ser. Mas a esperança dos pesquisadores é que, descobrindo mais sítios de terra preta, mais informações pode ser adquiridas a partir dos locais para ajudar a descobrir novos capítulos da História humana na América do Sul, fato que, até o momento, tem sido um grande mistério.

Com informações do Phys.org

Redação

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  1. Amazonia ano 1000 , por Eduardo Neves

    Sobre esse assunto , existe um extenso artigo do Eduardo Neves , publicado em 2010 na National Geographic. Posto parte dele :

     Amazônia ano 1000Na Amazônia de mil anos atrás, civilizações experimentavam um florescimento culturalpor Eduardo Neves Se pudéssemos voltar no tempo e visitar a Amazônia de mil anos atrás, veríamos um mundo diferente. Não haveria a grande área desmatada e ocupada por pastagens e cultivos do sul e do sudeste da região, no atual Pará. Em trechos hoje cobertos por selvas densas, se destacariam sinais claros de ocupação humana: grandes aldeias ou mesmo cidades, cercadas de áreas de roças e de matas secundárias, ligadas umas às outras por largos e longos caminhos. Em alguns locais, centros cerimoniais desenhados por alinhamentos de pedra estariam dispostos em circulos. Em pontos distantes como a ilha de Marajó é do Acre, por exemplo, aterros artificiais eram espaços de moradia e rituais. E, no que é a Amazônia boliviana, poderíamos contemplar um labirinto de diques, barragens e canais distribuído por milhares de quilômetros quadrados.

    Ao contrário da imagem corrente de que a Amazônia sempre foi indômita e escassamente ocupada, a maior floresta tropical do planeta estava, no ano 1000, repleta de sociedades indígenas. Algumas eram hierarquizadas, lideradas por chefes supremos, capazes de comandar um exército de guerreiros. Outras estavam resumidas a grupos pequenos e nômades de caçadores e coletores que usavam zarabatanas para matar macacos e outros animais. Acima de tudo, tais sociedades eram compostas de povos que falavam línguas variadas – mais diferentes entre si do que são hoje, por exemplo, o português e o russo.

    Em alguns aspectos, a Amazônia do ano 1000 não era diferente da Europa naquele mesmo período. O francês Jacques Le Goff, um dos mais importantes historiadores da Idade Média, mostrou como seria possível identificar na Europa áreas de bosque entremeadas a pequenas cidades, algumas delas fortificadas, conectadas por redes de caminhos em que ocorria o comércio. Mas uma diferença entre a Amazônia e o Velho Mundo era que, devido à escassez de rochas, a matéria-prima para a construção na floresta sempre foi a terra. É por isso que sítios arqueológicos com aterros ou valas são tão comuns na região. Muitos deles se encontram ainda cobertos pelas matas que cresceram de novo após o início da colonização europeia, quando houve queda brusca na população nativa por causa da propagação de doenças, da guerra e da escravidão.

    Uma jornada ao longo do rio Amazonas pode ser reveladora de como a população amazônica – talvez mais de 5 milhões de pessoas – desapareceu de forma abrupta: desde Macapá, perto da foz, até Tabatinga, na fronteira com a Colômbia e o Peru, no alto Solimões, despontam incontáveis sítios arqueológicos, alguns deles ocupados até o início do período colonial. Por outro lado, o número de terras indígenas nessas mesmas áreas é pequeno, com exceção da região do alto Solimões. A explicação é simples: a calha do Amazonas e do Solimões estava repleta de índios até o século 16, mas eles foram os primeiros a perecer com a colonização. Atualmente, as maiores terras indígenas no Brasil ficam longe da calha do Amazonas, em locais como o alto rio Negro, Roraima, Acre, Rondônia ou o alto Xingu.

    Enquanto a europa vivia a Baixa Idade Média e lutava para reconquistar a península Ibérica dos árabes, os povos da Amazônia vivenciavam, nessa mesma época, profundo florescimento cultural. Alguns séculos antes de a Renascença surgir na Itália, cerâmicas com padrões gráficos sofisticados eram produzidas em Marajó e nas regiões de Manaus e Santarém – esta última, talvez, a cidade mais antiga do Brasil. A civilização marajoara protagonizou quase mil anos de história, tendo desaparecido antes da chegada dos europeus. Seu apogeu, no entanto, parece ter ocorrido ao redor do ano 1000. Esculturas de pedra eram esculpidas na foz do rio Trombetas, próximo da atual Oriximiná, onde havia também centros de produção de muiraquitãs, pequenas esculturas lapidadas em pedra polida em forma de animais ou seres humanos. No alto Xingu, grandes aldeias circulares eram cons-truídas com urbanismo igualmente sofisticado e inovador, assim como outras aldeias floresciam no Acre, marcadas com estruturas geométricas agora conhecidas como geoglifos.

    A pesquisa em sítios arqueológicos é o caminho óbvio ao estudo dessas diferentes histórias de ocupação. No entanto, resistem no presente amazônico outras evidências, às vezes tão antigas quanto os próprios sítios, que também podem nos revelar dados sobre o passado. Um exemplo: as matas de castanhais abundantes. Quem já andou em um castanhal sabe que essa é uma jornada quase mística: as árvores são imensas e ultrapassam a altura média da copa da floresta, pilhas da casca da fruta da castanha (os ouriços) espalham-se pelo chão e animais como as cutias podem ser vistos correndo de um lado para outro. Uma castanheira demora décadas para crescer e começar a frutificar. Muitos castanhais têm centenas de anos de idade.

    Sabemos hoje que a dispersão dessas árvores ocorreu a partir de um centro original no leste do Pará. E também sabemos que existem na natureza apenas dois animais que conseguem quebrar a casca do ouriço e dispersar sua castanha: a cutia e o Homo sapiens. Assim, é certo que a dispersão dos castanhais se deu por meio da atividade humana. Ao mesmo tempo, a baixíssima variabilidade genética entre castanheiras localizadas em pontos distintos da Amazônia, como se os espécimes tivessem sido clonados, sugere que o processo de dispersão foi recente e começou 2 mil anos atrás – em sincronia com o processo de florescimento cultural, indicado nos sítios. Ou seja, castanhais são não apenas produto da natureza mas também resultado concreto da presença humana ancestral na Amazônia.

    Entre outros sinais visíveis de atividades antigas, talvez os mais conhecidos sejam as chamadas “terras pretas de índio”, os melhores marcadores arqueológicos do surgimento de modos de vida sedentários no passado amazônico. Trata-se de solos muito férteis, de coloração escura, sobre e sob o qual normalmente se dispõem milhares de fragmentos cerâmicos. Podem ser espessos e chegar a mais de 2 metros de profundidade. Devido a sua fertilidade, as áreas de terra preta são procuradas por agricultores contemporâneos, que reconhecem suas propriedades e sabem que existem ali melhores condições de cultivo.

    Durante muito tempo, esses solos foram considerados “naturais” por cientistas. Apenas nos últimos 20 anos, graças às pesquisas pioneiras de Dirse Kern, do Museu Paraense Emilio Goeldi, demonstrou-se que os componentes químicos resultam de antigas atividades humanas. O fosfato, por exemplo, é oriundo dos ossos de animais ali depositados e dos fragmentos de carvão queimados à baixa temperatura. As terras pretas têm outra propriedade: são solos estáveis, capazes de manter por décadas ou séculos condições de alta fertilidade. Essa condição é uma anomalia em contextos equatoriais, onde, devido à ação das chuvas e da evaporação, os solos não conseguem preservar por muito tempo seus nutrientes.” (continua)

     

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