Moro aos olhos do mundo: “tendencioso” e “sem importância”, diz Geoffrey Robertson

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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"Moro não tem suporte internacional, não é o autor de nenhum grande trabalho, não é nenhum jurista distinto em ascensão foi recompensado com um cargo no gabinete, que teve que renunciar quando Bolsonaro se comportou deploravelmente"

Jornal GGN – “Tendencioso”, “ultrajante” e “sem qualquer importância no mundo jurídico”. É assim que o ex-juiz Sergio Moro é visto internacionalmente entre juristas, segundo o advogado Geoffrey Robertson, que representa Lula no Comitê de Direitos Humanos da ONU. Em entrevista exclusiva ao GGN, como participação do documentário “Sergio Moro: A construção de um juiz acima da lei”, ele avaliou que o comportamento de Moro no julgamento de Lula repercutiu negativamente na imagem da Justiça brasileira.

“Acho que o juiz Moro vai entrar para a História como um dos investigadores mais descuidados com os direitos dos réus. Ele seguiu uma agenda política. E não tem suporte internacional, porque ele não é o autor de nenhum grande trabalho, ele não é nenhum jurista distinto em ascensão, ele é um juiz que, na visão de muitos advogados, julgou injustamente, em particular o ex-presidente, e foi recompensado com um cargo no gabinete, que teve que renunciar quando Bolsonaro se comportou deploravelmente. Isso deu a ele uma marca”, expressou.

“Mas eu não acho que ele desfruta de qualquer importância hoje na visão de advogados de outros países, porque ele não é autor de nenhum grande trabalho, ele não é um pensador, ele é uma pessoa que obviamente se envolveu em uma crise política no Brasil, algo que ele deve conviver com isso no Brasil, e deveria ser considerado em termos de História do Brasil, seu futuro e pelo cumprimento do Direito Internacional”, acrescentou.

Agenda política de Moro

O advogado ressaltou a contradição de um mesmo juiz guiar investigações – chegando a orientar os procuradores da força-tarefa da Lava Jato e atuar como um deles -, posteriormente condenar o réu e, em seguida, assumir um mandato ministerial no governo do oponente político desse réu, o presidente Jair Bolsonaro.

Os movimentos de Sergio Moro foram “notados” pelo mundo, assegurou Geoffrey Robertson, e foi “um sinal imediato de que Moro era um apoiador político de Bolsonaro”. “Mostra o nível de tendência contra Lula, que o homem que o condenou, perseguiu uma agenda política e recebeu a recompensa de condená-lo, sendo indicado para o gabinete. Isso é certamente um indício do ataque desavergonhado contra Lula, uma recompensa foi dada a um juiz.”

“Anomalia brasileira”

Mas para além das visão simplista que o então juiz, ex-ministro e mais recentemente advogado Sergio Moro carrega pelos olhos do mundo, Robertson também expôs que os abusos cometidos por ele no julgamento da Operação Lava Jato são, na verdade, um reflexo da própria Justiça brasileira que permitiu esse tipo de atuação.

Nesse sentido, as críticas são de que parte da atuação de Moro “deve-se à característica primitiva do sistema brasileiro”, que remonta “à inquisição espanhola, onde você tem essa grande figura inquisidora que decide quem deve ser suspeito e depois quem será condenado”.

“É uma anomalia na lei brasileira. E foi o juiz Sergio Moro que conseguiu tirar o máximo dessa anomalia”, arrebatou.

Desrespeito do Brasil ao Tribunal Internacional

A ação levada à Comitê de Direitos Humanos da ONU, sob a defesa de Geoffrey Robertson, obteve como uma das vitórias a recomendação do Tribunal de que o ex-presidente Lula deveria ter garantido o seu direito de se candidatar às eleições presidenciais de 2018, o que não foi cumprido no Brasil, levando à vitória de Bolsonaro.

“A Lula foi negado seu direito de participar democraticamente da eleição. Foi um exercício muito triste de injustiça”, lamentou.

Pela determinação do Comitê da ONU, que é o órgão de controle do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário, Lula não deveria ter sido impedido, sequer, em 2018, de conceder entrevistas enquanto estava preso.

A consequência dessa negativa é diretamente na imagem da Justiça brasileira ao mundo, explicou, uma vez que o sucesso do Direito Internacional depende da cooperação dos Estados. “Em 2009, o Brasil ratificou o Acordo Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Mas quando o Tribunal, por duas vezes, determinou que Lula deveria ser candidato na eleição presidencial, em agosto de 2018, o Brasil se recusou a acatar. Então, eu temo que a Lei Internacional depende da boa fé dos Estados, e o Brasil mostrou má fé em não cumprir com as determinações do Comitê de Direitos Humanos.”

Exemplo de outros países

O que se verificou no Brasil com a atuação de Sergio Moro na Operação Lava Jato e, mais especificamente, contra o ex-presidente Lula, também foi tema tratado e já superado em outros países do mundo.

Robertson relatou as recomendações feita pela Corte europeia de Direitos Humanos à Portugal, em um caso similar, decidindo que juízes envolvidos em investigações não podem julgar estes casos, estabelecendo, assim, duas figuras julgadoras: o de instrução, responsável por atender a demandas da investigação em si, e aquele que decidirá a sentença contra o réu.

“Até mesmo Portugal mudou sua lei para garantir que não haja um juiz que faça a investigação e o mesmo faça o julgamento. (…) É uma regra clara e isso não se aplica no Brasil. O Brasil realmente precisa revisar essa regra, que, como eu disse, vem da Idade das Trevas, da inquisição, e modernizá-la para que possa ter julgamentos justos”, criticou.

Biden e a reabilitação da Justiça Internacional

Na entrevista, o especialista também comentou o fortalecimento que os Tribunais Internacionais devem receber com a eleição do democrata Joe Biden, enterrando o polêmico modelo de Donald Trump, em gestão que foi “danosa” à Justiça Internacional. “A América [EUA] recusou nomear juízes para a Organização Mundial do Comércio, o que prejudicou, e foram muitos os problemas causados ao sistema internacional pelo presidente Trump”, elencou.

“Então isso tem que ser dito: a eleição de Joe Biden é algo bom para a Justiça Internacional, porque a América vai mostrar mais concordância [com a Justiça Internacional]”, disse, completando com um recado ao Brasil: “Há chances agora de que haverá uma reabilitação e teremos mais força e mais possibilidades de questionamentos sobre países que se recusarem a cumprir com as determinações da linha de direitos humanos.”


A entrevista do reconhecido especialista em Justiça Internacional e Direitos Humanos foi concedida em novembro de 2020, como parte do documentário “Sergio Moro: A construção de um juiz acima da lei”, relembre:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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