Na ausência de Lula, um país sendo destruído aos poucos, por Sergio Medeiros

Na ausência de Lula, um país sendo destruído aos poucos. O Vazio de poder e a ameaça das Corporações

por Sergio Medeiros

A ingerência política das corporações, que foi determinante no impeachment da Presidenta Dilma, e mais recentemente, na prisão de Lula, tem como centro a demonização da política e como subproduto, seu próprio fortalecimento, o qual, sem controle, esta destruindo o país, pois ausentes ressalvas a sua atuação.

Eis a grande questão a ser solvida.

A fragmentação do Estado brasileiro e o aproveitamento desta fragilização, pelos grandes atores econômicos e transnacionais, não se dá por acaso, mas as condições para este verdadeiro saque, dentre outros fatores, são proporcionados pela ascensão ao poder das Corporações Públicas, que ao extrapolarem sua esfera de poder, esgrimem sua desenvoltura nas formas mais disparatadas e irracionais possíveis, demonstrando uma falta de responsabilidade no trato da coisa pública, contribuindo de forma decisiva para a derrocada dos pilares que sustentam o estado.

Subvertem a forma e o necessário equilíbrio entre os poderes, e,  assim agindo, proporcionam que em meio ao caos gerado, os mercadores do ódio e os saqueadores dos bens públicos possam agir com desenvoltura.

O único freio e contrapeso possível esta trancafiado na prisão, Lula e sua ênfase na politização da sociedade como forma de transformação e evolução coletiva.

Feitos estes apontamentos, passo a gênese da diluição e desempoderamento do Estado.   

Os governos do Partido dos Trabalhadores, sempre tiveram como meta fortalecerem as instituições, ou, usando um neologismo da moda, as empoderarem.

Assim, em relação as instituições centradas no Poder Judiciário, no Ministério Público, na Polícia Federal e, até mesmo na máquina arrecadatória, na Receita Federal e nos vários órgãos fiscalizadores, a intenção, declarada, foi dotá-las de meios materiais e técnicos bem como de um normatização específica, para torná-las teoricamente autônomas e independentes de eventuais ingerências políticas estatais de cunho anti democrático.

No caso, o objetivo era ter instituições fortes, pois somente assim, haveria uma democracia forte, livre de subordinações e dependências como era de praxe na estrutura arcaica do Estado brasileiro.

Este era o projeto, e esta foi uma das tarefas levadas a cabo até o final.

Ocorre que, nesta empreitada, alguns fatores não foram levados em conta, no caso, a formação de micro estruturas internas de poder, que passaram a ter, com o passar do tempo, cada vez mais ingerência dentro do aparato decisório das instituições.

Em outros termos, foi subestimado o poder da máquina burocrática e corporativa, grandemente enraizada nas estruturas públicas.

Desta forma, as instituições, tão logo se viram detentoras de independência e estrutura funcional robusta, se defrontaram perante um fenômeno sintomático, a imediata confusão dos poderes inerentes a instituição, com os poderes com que foram investidos seus membros.

De todas elas, a que levou mais à frente tal conceito foi o Ministério Público, o qual, como dito por seus integrantes, cada um deles presenta a instituição, ou seja, eles, individualmente, são o Ministério Público, presentantes no sentido de que se apresentam como a própria instituição e não meros representantes, deste modo tal condição se estende a todos seus membros, refletindo sua inteireza conceitual em cada um deles.

Não foi outro o fenômeno que se viu recentemente em todas as demais instituições públicas.

Depois de um tempo de turbulência política, aos poucos as instituições foram tomadas pelas corporações, que se apossaram de seus poderes e passaram a utilizá-los como se fossem uma extensão de suas atribuições funcionais.

Assim, dentro destas instituições “empoderadas” começou a haver nos espaços internos  um movimento usurpador, ou seja, os integrantes destas instituições, com as quais não se confundem, começaram a tomar para si esta fatia de poder que competia a instituição e, desta forma tomaram de assalto tanto a credibilidade como o quantum de poder a elas conferido e, com este movimento – não importa com que intenções -, sem dúvida alguma viciado, pelo desvio de finalidade ínsito a tais atos de apropriação da coisa pública, estão destruindo a ambos, instituição e membros.

Anoto que, em princípio, não houve propriamente erro na estratégia de fortalecimento das instituições, o que houve foi não ter sido mensurado ou mesmo terem sido criadas barreiras normativas que obstassem os movimentos corporativos em sua direção ao poder.

Isso evitaria, em tese, que indivíduos, tomados por “delírios de poder” (típico de salvadores do mundo), resolvessem usá-los de forma individual, mediante atos travestidos de independência, que, na realidade prendem-se a mera demonstração do exercício do poder a eles conferido para guarda e uso institucional, e não como meio de projeção e personalização pessoal.

Esta forma de utilização do poder, aos poucos angariou adeptos nas diversas instituições públicas do campo jurisdicional e, após, na seara do Executivo, onde teve pronta acolhida na segurança pública, centrada no poder da arma e no monopólio da força.

Disseminada tal prática corporativa, aos poucos começou a emergir a mais nefasta das consequências de tal conformação do poder centrada em seu caráter subjetivo, a individualização do poder e a fragmentação do estado pela multiplicidade de orientações de caráter obrigatório (coercitivo).

Falo do sub empoderamento de cada um dos componentes das corporações, ou seja, uma vez tendo sido entranhado em seu patrimônio individual a cultura que o poder, de fato, lhes era franqueado em caráter personalíssimo, logo a seguir começaram a haver abusos, uma vez que, em razão do “espírito de corpo”, os excessos era reprimidos somente ao ponto de não macularem a instituição, considerada íntegra, como corpo sem manchas.

De igual sorte, uma vez que todos presentavam (eram) a instituição, a condenação por atos jamais poderia ultrapassar a barreira que pudesse atingir de forma indireta a idoneidade da corporação, cingindo-se, efetivamente, a meras correções em atos excessivos de seus membros.

Assim aos Juízes e membros do Ministério Público, por faltas graves, a condenação a ser aplicada é a aposentadoria compulsória, aos policiais, por atos com excesso de violência ou poder,  reprimendas de caráter administrativo ou arquivamentos sumários, ainda que de tais atos tenham resultado mortes ou graves mutilações.

Tal forma condescendente, somada ao empoderamento de seus membros, aos poucos fez com que cada um ficasse cheio de orgulho e vaidade, com os acima chamados “delírios de poder”.

Começaram então, a pipocarem atos autoritários em todos o recantos do país, em todas instituições, como meros desdobramentos do poder total concedido a cada parte do todo.

Ressalto, neste ponto, que esta análise, que ainda não esta sendo feita de forma ampla, a princípio prende-se aos efeitos de tal fenômeno, empoderamento das instituições públicas  e sua apropriação pelas corporações com as nefastas consequências para qualquer regime que se pretenda democrático e livre.

Tais posicionamentos e movimentos internos, que alteram e colocam em xeque a atual forma de estruturação das instituições, mercê da falta de freios à base corporativa, aos poucos se estendeu a várias outras entidades e associações e, assim foram empoderadas as instituições da Justiça Federal, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Receita Federal, bem como dos órgãos de segurança.

Deste modo, como acima explicitado, em todos estes órgãos, as Corporações tomaram este poder para si, uma das consequências de tal modificação estrutural da fonte do poder é que cada componente destas instituições começou a agir como se ele mesmo tivesse o poder da corporação/instituição.

O caos gerado por tal forma de usurpação de poder, explica em parte a atual situação de vazio institucional, econômico e politico institucional, que vivemos, algo sem precedentes e que será objeto de estudo por gerações.

Tal problema, longe de ter soluções de curto ou mesmo longo prazo, começa a ter efeitos que extrapolam a seara pública, no que se refere aos seus fundamentos de autoridade e tomada de poder.

Observa-se, aos poucos, uma espécie de empoderamento reflexo, que começa a ter desdobramentos  em outros campos, notadamente nas polícias,  em razão de sua ideologia conservadora sempre m busca de poder para seu modo de agir autoritário.

Este comportamento arbitrário e subjetivo, pode ser visto na cada vez mais escancarada posição de poder, espelhada na escolha de quem merece a proteção e quem, por suas ideias ou comportamentos, não deve gozar das prerrogativas da proteção estatal por eles titularizada.

Desta forma, de uma forma surpreendentemente rápida passamos a ver as policias não mais como segurança pública e coletiva de todos, mas sim, como extensão discricionária de seu próprio poder, ainda que muitas vezes, não totalmente desvinculadas de sua função repressiva atrelada ao poder Executivo.

Passaram então a escolher seus alvos ou as ordens que iriam cumprir. Pode-se observar tal comportamento em dois momentos distintos, quando da não proteção à caravana de Lula e agora, na não repressão ao movimento dos caminhoneiros.

Vê-se também, agora, neste movimento de caráter nacional, como tal conceito esta aos poucos se entranhando de forma perversa também nos movimentos de massa, privados.

Este movimento dos caminhoneiros, que começou com características de lock-out, aos poucos teve sua conformação alterada, e os empresários originalmente mentores da estratégia para pressionar o governo e obterem vantagens econômicas, no desenrolar das manifestações,  tiveram sua autoridade e poderes fragmentados, os quais passaram às mãos das inúmeras lideranças que lograram se constituir dentro do próprio  movimento.

Novamente surge a corporação e sua fragmentação, a qual se dá num setor que propicia tal fenômeno, pois ínsita ao meio (composto em sua essência por células individuais), e que efetivamente se estrutura basicamente nos caminhoneiros autônomos e não na figura dos empresários donos das transportadoras.

Paulatinamente, a figura e a sensação  unitária do autônomo, ao se ver numa ação coletiva, foi substituída por uma força nunca antes sentida e, ainda que passando a agir em bloco, passaram a sentir o poder que é conferido pelas multidões ou grandes massas aos indivíduos que a ela se integram, todos em um.

Foi exatamente nesse instante, que as grandes corporações empresariais que iniciaram o movimento, perderam o controle que sobre eles detinham.

Diferentemente das corporações estatais, centradas em poderes normativos e definidas em suas estruturas internas, o movimento dos caminhoneiros, por não ser estruturado em grandes blocos, se dividiu em múltiplas células de poder, e passou aos poucos a contrapor o Estado, que se mostrou impotente para fazer frente a formidável adesão da categoria.

Dai que, em certo momento, o imaginário da força da categoria, o imaginário da mudança e da possibilidade real de concretizá-la,  tomou de assalto cada um dos trabalhadores, quase que de uma forma messiânica.

Estes manifestantes, caminhoneiros, se imaginam e se forjam como heróis, e, nesta conformação só existem no movimento e no enfretamento deste.

Na individualidade voltam a ser pessoas comuns.

Pois bem, fazê-los entender e abrir mão de parte deste imenso poder que acreditam deter e desta imensa dose de orgulho e liberdade que lhes foi conferida, será tarefa dificílima, talvez impossível, pois o acesso ao gosto do poder lhes foi franqueado  e nada poderá retirar tal imagem das suas mentes.

É que, ainda tem um fator subjacente, no momento em que os componentes da categoria se viram empoderados,  nesse instante,  terminou a “liderança” patronal como sendo o único fator determinante e condutor dos atos a serem praticados.

Adquiriram a liberdade e a autonomia de seus desejos e postulações.

Fica aqui, uma interrogação, apesar da autonomia e liberdade serem motivos de júbilo e saudações, nesse caso, ausente a racionalidade que deve estar subjacente nestes gestos, talvez isso não seja motivo para comemorar, mas sim para se ter medo, pela simples razão de ser um poder que existe por si mesmo, gerado  sem racionalidades outras que imposição e força.

Nesta mesma linha, em um campo paralelo, como já sinalizado, a outra corporação que se estrutura nas mesmas bases e merece muito mais cuidado é a da área policial e mesmo da área militar, a qual por excelência se presta a esta nova estruturação, com a peculiaridade de ater-se aos escalões superiores, para não atingir o critério base da hierarquia e da obediência devida.

Assim, neste outro campo, a estrutura que esta se erguendo além das medidas é a corporação que detém o monopólio da força, da repressão, trata-se do poder da corporação que tem armas, ou das corporações que tem o monopólio das armas e da repressão.

Sua capacidade de articulação e estruturação estatal lhes confere maior letalidade para ferir de morte a democracia.

Portanto, sem me alongar mais, fica aqui o alerta.

Que, nenhuma destas formações – em que se mostra ausente a racionalidade fundada nos direitos e garantias individuais e coletivas –  logre se tornar hegemônica, pois a civilidade, tal como a conhecemos, retrocederia alguns séculos.

Fecho por aqui esta breve explanação.

 

OS: Este é um fenômeno por demais complexo para ser abrangido de forma ampla, mesmo em uma análise que se pretendesse minimamente exauriente, algo incabível  na forma de post.

Entretanto, como fenômeno quase que completamente desconhecido no que tange a sua gênese e consequências, cujos desdobramentos podem ser fundamentais numa futura análise da história nacional, tenho que merece ser objeto de um estudo mais aprofundado, notadamente em sua capacidade intrínseca de causar profundas alterações estruturais no estado brasileiro.

 

Redação

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