“Não sinto prazer em demonstrar a ignorância alheia”, diz Márcia Tiburi sobre Kataguiri

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Márcia Tiburi publicou um artigo na revista Cult, nesta quinta (25), explicando o motivo de ter abandonado um programa da rádio Guaíba que convocou como segundo entrevistado, para debater o contexto do julgamento de Lula, o militante de direita Kim Kataguiri, lider do MBL. A filósofa disse, entre outras coisas, que não sente “prazer em demonstrar a ignorância alheia”.
 
Além disso, Márcia afirmou que tem “o direito de não legitimar como interlocutor pessoas que agem com má fé contra a inteligência do povo brasileiro ao mesmo tempo em que exploram a ignorância, o racismo, o sexismo e outros preconceitos introjetados em parcela da população.”
 
“Em um dia muito importante para a história brasileira, marcado por mais uma violação explícita da Constituição da República, não me é admissível participar de um programa que tenderia a se transformar em um grotesco espetáculo no qual duas linguagens que não se conectam seriam expostas em uma espécie de ringue”, disparou.
 
Por Marcia Tiburi
 
Carta aberta a Juremir
 
Na Cult
 
Caro Juremir,
 
Sempre gostei muito de participar do teu programa. Conversar contigo e com qualquer pessoa que apresente argumentos consistentes. Mais do que um prazer é, para mim, um dever ligado à necessidade de resistir ao pensamento autoritário, superficial e protofascista. Ao meu ver, debates que desvelam divergências teóricas ou ideológicas podem nos ajudar a melhorar nossos olhares sobre o mundo.
 
Tenho a minha trajetória marcada tanto por uma produção teórica quanto por uma prática de lutar contra o empobrecimento da linguagem, a demonização de pessoas, os discursos vazios, a transformação da informação em mercadoria espetacularizada, os shows de horrores em que se transformaram a grande maioria dos programas nos meios de comunicação de massa.  
 
Ao longo da minha vida me neguei poucas vezes a participar de debates. Sempre que o fiz, foi por uma questão de coerência. Tenho o direito de não legitimar como interlocutor pessoas que agem com má fé contra a inteligência do povo brasileiro ao mesmo tempo em que exploram a ignorância, o racismo, o sexismo e outros preconceitos introjetados em parcela da população.
 
Por essa razão, ontem tive de me retirar do teu programa. Confesso que senti medo: medo de que no Brasil, após o golpe midiático-empresarial-judicial, não exista mais espaço para debater ideias.   
 
Em um dia muito importante para a história brasileira, marcado por mais uma violação explícita da Constituição da República, não me é admissível participar de um programa que tenderia a se transformar em um grotesco espetáculo no qual duas linguagens que não se conectam seriam expostas em uma espécie de ringue, no qual argumentos perdem sentido diante de um já conhecido discurso pronto (fiz uma reflexão teórica sobre isso em “A Arte de escrever para idiotas”), que conta com vários divulgadores, de pós-adolescentes a conhecidos psicóticos; que investe em produzir confusão a partir de ideias vazias, chavões, estereótipos ideológicos, mistificações, apologia ao autoritarismo e outros recursos retóricos que levam ao vazio do pensamento.           
 
Por isso, ontem tive que me retirar. Não dependo de votos da audiência, nem sinto prazer em demonstrar a ignorância alheia, por isso não vi sentido em participar do teu programa. Demorei um pouco para entender o que estava acontecendo. Fiquei perplexa, mas após refletir melhor cheguei à conclusão de que a ofensa que senti naquele momento era inevitável.
 
A uma, porque, ao contrário das demais pessoas, não fui avisada de quem participaria do debate. A duas, por você imaginar que eu desejaria participar de um programa em que o risco de ouvir frases vazias, manifestações preconceituosas e ofensas era enorme. Por fim, e principalmente, meu estômago não permitiria, em um dia no qual assistimos a uma profunda injustiça, ouvir qualquer pessoa que faça disso motivo de piada ou de alegria. Não sou obrigada a ouvir quem acredita que justiça é o que está em cabeças vazias e interessa aos grupos econômicos que, ao longo da história do Brasil, sempre atentaram contra a democracia.     
 
Tu, a quem tenho muita consideração, não me avisou do meu interlocutor. A tua produtora, que conversou comigo desde a semana passada,  não me avisou. Eu tenho o direito de escolher o debate do qual quero participar. Entendo que possa ter sido um acaso, que estavas precisando de mais uma debatedor para a performance do programa. Se foi isso, a pressa é inimiga da perfeição. E, se não cheguei a pedir que me avisasse se teria outro participante, também não imaginava que o teu raro programa de rádio, crítico e analítico, com humor bem dosado, mas sempre muito sério, abrisse espaço para representantes do emprobecimento subjetivo do Brasil.
 
Creio que é importante chamar ao debate e ao diálogo qualquer cidadão que possa contribuir com ideias e reflexões, e para isso não se pode apostar em indivíduos que se notabilizaram por violentar a inteligência e a cultura, sem qualificação alguma, que mistificam a partir de clichês e polarizações sem nenhum fundamento. O discurso que leva ao fascismo precisa ser interrompido. Existem limites intransponíveis, sob pena de, disfarçado de democratização, os meios de comunicação contribuírem ainda mais para destruir o que resta da democracia.
 
Quando meu livro “Como conversar com um fascista” foi publicado, muitos não perceberam a ironia kirkegaardiana do título. Espero que a tua audiência tenha entendido. O detentor da personalidade autoritária, fechado para o outro e com suas certezas delirantes, chama de diálogo ao que é monólogo. Espero que, sob a tua condução, o programa volte a investir em mais diálogo, que seja capaz de reunir a esquerda e a direita comprometidas com o Estado Democrático de Direito em torno do debate de ideias. 
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

40 Comentários

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  1. É isso.
    Não se dialoga com

    É isso.

    Não se dialoga com fascista.

    Nossos avós nos ensinaram como lidar com fascistas na batalha da Praça da Sé, na década de 30 em São Paulo.

    1. A própria Márcia tem um livro

      A própria Márcia tem um livro chamado COMO CONVERSAR COM UM FASCISTA. Kim é um idiota total, mas ela agiu de forma contrária ao que ela própria escreveu. Está parecendo até o nefasto FHC do “esqueçam o que eu escrevi”…A atitude da Márcia foi, no mínimo, contraditória.

  2. Parabéns
    MÁRCIA TIBURI.

    PARABÉNS!!!!

    Depois de ontem foi um grande ato de pessoa idônea e correta com os princípios básicos da sociedade. Está faltando mais pessoas com a sua coragem e caráter.

  3. Tem toda razão, Márcia!

    Debater com um robozinho dos irmãos Koch? Não se debate com máquinas; elas ainda não têm inteligência para isso…

    Perigoso sim! Robôs assassinos (“killer robots”) são a última invenção militar; no nosso caso, a serviço de forças para as quais o povo brasileiro não passa de um estorvo a atrapalhar o escoamento de nossas riquezas para o exterior a preço vil.

     

  4. Marcia Tiburi

     Se todas fosse iguais a você..talvez não seja lá uma frase politicamente correta mais é emocionalmente mais que correta nesses dias sombrios que vivemos. Pô, parece que perdemos uma copa do mundo ganha, sei lá, tá tudo muito triste, confuso diria mesmo sem esperanças de ver que a ponte que íamos atravessar agora está longe demais, de ver também que tanta gente dita importante nesse país se feche em copas, se omita, se cale enquanto uma nação inteira se desintegra sem saber como será o amanhã.

  5. Esse mebele teve uma coluna

    Esse mebele teve uma coluna na fsp por uns tempos como pagamento pelos serviços prestados aos tucanos. Obviamente que a grana foi atravessada através de publicidade fajuta. 

  6. Sábia e certeira a sua
    Sábia e certeira a sua decisão de evitar qualquer tipo contaminação intelectual. Apesar do reconhecido crédito que desfruta, a lição também serve para o Juremir.

  7. Essa é a atitude correta

    Essa é a atitude correta nessas horas… Ficar participando de jogo de cartas marcadas para no fundo apenas legitimar o outro lado é coisa de “republicanos” e petistas.

  8. Não sinto prazer em demonstrar a ignorância alheia”, diz Márcia

    Tens meu apoio.

    Não é possível se admitir pseudodiálogo com papagaio.

    Para ficar nas aves, o mais adequado seria um tucano.

    Já passou a hora de dizer basta.

     

    1. Terão outras alternativas?

      Pessoas que são caminhões de ódio (M. Villa) e Robôs de frases feitas fascistas (Kataguiri) podem aparentar para os ouvintes, espectadores que estão dispostos a debater, mas que o outro lado não quer ou tem ideias facilmente derrubadas e de covardia.

      Se chamarem para um debate o M. Villa ou Kataguiri, quem deve ser enviado para contrapor? Ou pode ser a própria Márcia, desde que avisada previamente e estabelecendo-se regras? (se houver regras)

  9. Imagino as cambalhotas dadas

    Imagino as cambalhotas dadas no túmulo de luminares da Direita de antanho quando colocam toscos como esse Kim Catinga de Guri como representante da Destra. O horror!

    A brilhante Márcia Tiburi foi vítima de uma pegadinha sem graça. Fez muito bem em renegar esse debate que só iria levantar a bola de um mediocre que fez fama às custas do fácil e receptivo discurso anti-petista e anti-esquerdista.

     

     

  10. Tratar o outro lado como ‘não

    Tratar o outro lado como ‘não merecedor de diálogo’ é covardia ou autoritarismo. Sempre. Marcia Tiburi está longe de ser um grande Farol do Conhecimento para tentar sair por cima da carne seca ao fugir de um debate.

    Já vi várias vezes os caras do MBL debatendo com gente da esquerda. Às vezes mandam bem, às vezes pagam mico. Faz parte.

    1. “Tratar o outro lado como

      “Tratar o outro lado como ‘não merecedor de diálogo’ é covardia ou autoritarismo. Sempre. Marcia Tiburi está longe de ser um grande Farol do Conhecimento para tentar sair por cima da carne seca ao fugir de um debate.”

      Pois é, Nabuco. 

      P.S. E geralmente eles se saem bem.

  11. Achei totalmente incoerente

    Achei totalmente incoerente essa atitude da Tiburi! Ela agiu em contrário ao que ela própria diz em seu livro COMO CONVERSAR COM UM FASCISTA. Seria muito mais benéfico se o farsante do Kim fosse exposto ao ridículo em praça pública através de argumentos, coisa que aTiburi facilmente faria…

    1. Cleibsom
       

      Fascista não tem senso de ridículo.

      Não há uma só entrevista que ele tenha feito que ele não tenha exposto sua indisfarçável ignorância.

       

    1. Yes!!!
       

      Kataguri pensou que ia fazer piquenique na sombra da Márcia.

      Aqui procê, diz a Márcia!

      Que eu não vou botar azeitona da empada de ninguém!

       

      He! He! He! é assim que se trata um canalha.

      1. O Kim é muito mais conhecido

        O Kim é muito mais conhecido que ela. Ela era famosa só entre a esquerda. Agora fez o piquenique na sombra do japinha e todo mundo conhece a bonitinha.

  12. Acho que a Marcia errou. 

    Acho que a Marcia errou.  Devia fazer como o Ciro, quando deixou o tal rodrigo constantino com a boxa na mao, num debate sobre economia.  O tal do constantino ficou num constrangimento so, depois de tanto apanhar do Ciro em alto estilo.  Esse tipo de gente nao tem cultura politica, cultura economica, o conhecimento deles, segundo bem retratou aquele ex tio rei, e a  cultura do google, e eu acrescento ainda, a cultura da wikipedia.   Marcia perdeu a oportunidade de nocautear o primata, com argumentos solidos e cultura embasada. 

  13. Parabéns para Márcia Tiburi.

    Parabéns para Márcia Tiburi. É inteligente e não desperdiça o tempo dela com quem não merece.

    Pêsames ao tal Juremir e à Rádio Guaíba. Andam em má companhia. Deviam tomar mais cuidado. Assim fica fácil até lhes baterem a carteira.

     

    1. Marcia Tiburi abandonou o programat

      Também parabenizo a Marcia.

      Não vale a pena jogar perolas aos porcos.

      Mas se ela tivesse ficado, como fez Roberto Requião, teria  posto o Kataguiri no lugar dele, que é a insignificância.

  14. Quem pisou na bola, feio, foi

    Quem pisou na bola, feio, foi o jornalista. Voce convida uma pessoa para uma entrevista e nao avisa que vai ser um debate com a pessoa x ou y? Sou surpreendido com a cena? Se me fazem isso também crio um pampeiro. 

    Criar uma situação como essas é uma baixaria. A Tilburi não sabia que o Kataguiri iria. Mas o Kataguiri sabia, foi chamado para isso. Apenas essa diferença já demonstra que o jornalista errou feio. Pode ter sido apenas uma idiotice do radialista. Mas ele não pode reclamar do resultado. Merece no minimo um pedido de desculpas. Não entro no mérito da qualidade da entrevista com o Kataguiri para saber a opiniao dele sobre qualquer coisa. Cada qual escolhe o entrevistado que julga que vale a pena distribuir para seus ouvintes. 

    1. Concordo. Acho que o

      Concordo. Acho que o jornalista se prestou a uma jogada de marketing da Rádio Guaíba, que deve estar mal das pernas. Só que o tiro saiu pela culatra.

  15. Discordo

    Não concordo com a atitude da Márcia. O que estaríamos comentando aqui se tivesse o tal Kataguiri abandonado o debate? Como seria qualificada a atitude dele?

    1. Exatamente! Ele estaria sendo

      Exatamente! Ele estaria sendo trucidado, massacrado. Certamente sua atitude seria qualificada como agressiva, intolerante, fascista…

      1. Val, dizer que “ele estaria

        Val, dizer que “ele estaria sendo trucidado, massacrado” chega a ser brincadeira, depois da fuga desabalada dela (que tanto prega o diálogo).

  16. Não tolera o contraditório

    Chega a ser difícil saber se a afirmação que precede o texto é mais engraçada ou mais estúpida. A Tiburi errou feio. E ficou medo sim!

  17. Faça o que eu digo, mas não …

    “O detentor da personalidade autoritária, fechado para o outro e com suas certezas delirantes, chama de diálogo ao que é monólogo.”
    Engraçado como isso cabe direitinho ao domínio da NARRATIVA de esquerda, não a toa, comparada com xadrez com pombos.

    Por mais imbecil, fascista, autoritário, coxinha ou o que vc quiser chamar o seu interlocutor, recusar-se ao debate mostra uma das duas coisas: Medo ou autoritarismo (aquele mesmo que vc acusa os outros de serem).
    Medo de ter suas falácias desmentidas, autoritarismo para impor sua narrativa sem contraditório.
    “Como conversar com fascistas”: Faça como um, acuse os outros do que você é/faz, e saia cantando vitória.
    Por essas e por outras tantas que esse pessoal passa vergonha.
    Mas o estúpido, fraco, imbecil, autoritário, fascista, nazista, taxista é o kataguiri. E a velha retórica da destruição de reputações, você não debate ou derruba os argumentos alheios, ataca “quem é fulano”, “é do MBL então é uma porcaria”, “essa direita coxinha batendo panela, ridículo” … mas no debate das idéias ??  Pois é …
    Só a mim parece infantil esse pensamento/comportamento ??

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